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ISAAC NEWTON

 

 

 

            OBSERVAÇÕES SOBRE AS PROFECIAS

DE DANIEL

 

ÍNDICE

 

PRIMEIRA PARTE

OBSERVAÇÕES SOBRE AS PROFECIAS

DE DANIEL

Caps.

1 -- Introdução. Os compiladores dos livros do Velho

Testamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2 -- A linguagem profética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 8

3 -- Da visão da imagem de quatro metais . . . . . . . . . . 2 5

4 -- Da visão das quatro bestas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 9

5 -- Dos reinos representados pelos pés de ferro e barro 3 3

6 -- Dos dez reinos representados pelos dez chifres . . . 4 5

7 -- Do undécimo chifre da quarta besta . . . . . . . . . . . . . 6 7

8 -- Do poder do undécimo chifre de mudar os tempos e

as leis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1

9 -- Dos reinos representados pelo carneiro e pelo bode 1 0 2

10 -- Da profecia das setenta semanas . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 3

11 -- Da época do nascimento e da paixão de Cristo . . . . 1 2 7

12 -- Da profecia da escritura da verdade . . . . . . . . . . . . . 1 4 9

13 -- Do rei que fez o que quis; elevou-se e engrandeceuse

acima de todos os deuses e venceu os maozins e

mostrou-se indiferente ao amor de mulheres . . . . . . 1 6 8

14 -- Dos maozins, venerados pelo rei que faz o que quer 1 7 6

SEGUNDA PARTE

OBSERVAÇÕES SOBRE O APOCALIPSE

DE SÃO JOÃO

Caps.

15 -- Introdução. Época em que foi escrito o Apocalipse 2 0 2

16 -- Das relações entre o Apocalipse e o livro da lei de

Moisés e o culto de Deus do tempo (+ versão mais

resumida, trazida como Apêndice ao final do livro . . . . . 2 1 8

17 -- Da relação entre as profecias de João e de Daniel.

O assunto da profecia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 4 9

PÁGINA FINAL: NOTAS DO DIGITADOR . . . . . . . . . . . . . . . 2 7 6

 

 

Quando Manassés colocou uma imagem

esculpida na Casa do Senhor e nos dois pátios construiu

altares dedicados a todos os hóspedes do céu; quando,

conforme 2 Crôn. 33:5 a 7, praticando encantamentos e

feitiçaria, utilizou espíritos familiares, pelo que, devido à sua

maldade, foi invadido pelo exército de Asserhadon, rei da

Assíria, que o levou cativo para a Babilônia; o Livro da Lei

ficou perdido até o ano décimo oitavo do reinado de seu neto,

Josias. Então, ao restaurar o Templo, aí o encontrou o sumosacerdote

Helcías. Lamentando o rei que seus pais não

tivessem seguido as palavras do Livro, determinou que o

mesmo fosse lido ao povo, a quem fez renovar o santo

concerto com Deus (cf. 2 Crôn. Cap. 34) Este é o atual Livro

da Lei.

Quando Sesac veio do Egito e saqueou o

Templo, no quinto ano de Roboão, submetendo Judá à

monarquia egípcia, (cf. 2 Crôn. 12:2 a 4; 8,9), durante cerca

de trinta anos continuou o povo judeu sob grandes

perturbações.

"Sem o verdadeiro Deus e sem sacerdote que

instrua, e sem lei. Nesse tempo não haverá paz para o que

sai, nem para o que entra, mas de todas as partes haverá

terror em todos os habitantes da terra, porque se levantará

uma nação contra outra nação, e uma cidade contra outra

cidade, porque o Senhor os conturbará com toda sorte de

aflições". (2 Crônicas 15:3, 5 e 6)

Então morreu Sesac e o Egito foi presa de

desordem. Tinha Judá apenas dez anos, conforme indicado

em 2 Crônicas 14:1; 6 a 9:12. Naquele tempo Asa edificou

8

cidades fortificadas em Judá e organizou um exército de

580.000 homens, com o qual, no décimo quinto ano de seu

reinado, enfrentou e venceu a Zara, o etíope, que havia

conquistado o Egito, a Líbia e a Troglodítica; e, com um

exército de um milhão de Líbios e Etíopes, se havia atirado à

reconquista das regiões antes tomadas por Sesac (cf. 2

Crônicas 15:3, 12, 13, 16, 18). Depois dessa vitória, Asa

destronou a própria mãe, sob o pretexto de idolatria; renovou

o altar e trouxe para o Templo novas baixelas de ouro e prata;

ele e o povo entraram em novo concerto, para buscar o

Senhor Deus de seus pais, sob pena de morte aos adoradores

de outros deuses; seu filho Josafá destruiu os altos lugares e

no terceiro ano de seu reinado mandou alguns de seus

Príncipes, Sacerdotes e Levitas a ensinar nas cidades de Judá:

estes traziam consigo o Livro da Lei e percorreram quase

todas as cidades de Judá, ensinando ao povo. É este o Livro

da Lei, que depois foi perdido, no reinado de Manassés e

reencontrado no de Josias: escrito, portanto, antes do terceiro

ano do reinado de Josafá.

O mesmo Livro da Lei foi conservado e legado à

posteridade pelos Samaritanos; por isso mesmo foi recebido

pelas dez tribos antes do cativeiro, pois, (cf. 2 Reis 17:27,

28, 32, 33), quando estas tribos foram escravizadas, um

Sacerdote foi mandado do cativeiro de volta à Betel, por

ordem do rei da Assíria, para ensinar aos novos habitantes de

Samaria "o costume do Deus da terra". Foi dEsse Sacerdote

que os Samaritanos tiveram o Pentateuco, contendo a Lei “do

costume do Deus da terra", que, conforme, o Sacerdote

deveria ensinar ao povo (cf. 2 Reis 17:34, 41). Porque (os de

Samaria) perseverassem na religião que lhes havia sido

ensinada, a ela juntando a adoração dos próprios deuses, e

9

perseverassem no que haviam aprendido, conservaram esse

Livro da Lei nos caracteres originais dos Hebreus, enquanto

que as outras duas tribos, depois de sua volta do cativeiro,

adotaram o Livro da Lei nos caracteres dos Caldeus,

aprendidos na Babilônia.

Desde que o Pentateuco havia sido recebido

como o Livro da Lei, tanto pelas duas tribos (versão

caldaica), quanto pelas dez (hebraico original), segue-se que

o receberam antes de sua divisão em dois reinos. Porque após

a divisão não receberam mais leis uns dos outros, já que

mantiveram a separação. Judá não podia acusar a Israel pelo

pecado de Jeroboão, nem Israel tampouco. Assim, o

Pentateuco era o Livro da Lei nos dias de Davi e de Salomão.

Os assuntos do Tabernáculo e do Templo eram regulados, por

Davi e Salomão, conforme a Lei desse livro; e, no Salmo 78,

Davi adverte ao povo a dar ouvidos à Lei de Deus, isto é, a

Lei desse livro; tanto que, descrevendo como os seus

antepassados não a respeitaram, cita passagens históricas dos

livros de Êxodo e Números.

A árvore genealógica dos reis de Edom, antes

que existissem reis em Israel, é dada no Gênesis, capítulo 36

e verso 31. Assim, Gênesis não foi escrito, inteiramente na

forma como atualmente este nos apresenta, antes do reinado

de Saul. Fica, assim, evidente que o autor do livro registrou

a genealogia daqueles reis até a sua própria época e, assim,

escreveu o Gênesis antes que Davi houvesse conquistado o

Edom.

O Pentateuco compõe-se da Lei e da História do

povo de Deus. Tal história foi reunida em coletânea a partir

de vários livros, tais como a História de Criação, composta

por Moisés (Gênesis 11:4); o Livro das Gerações de Adão

10

(Gênesis 5:1); e o Livro das Guerras do Senhor (Números

21:4). Este ‘livro das guerras’ continha o que se passara no

Mar Vermelho e as jornadas de Israel pelo deserto. Devia,

pois, ter sido começado por Moisés e continuado por Josué,

até a conquista de Canaã, porque Josué escreveu algo no

Livro da Lei de Deus (cf. Josué 24:26). Assim, no Livro das

Guerras do Senhor, deveria ter escrito a sua própria guerra,

de vez que esta foi a mais importante das guerras de Deus.

Eram livros públicos e, como tal, não teriam sido escritos

sem a autoridade de Moisés e de Josué. E, no reinado de Saul,

Samuel teve oportunidade de pôr estes livros na forma como

os livros Pentateucos e o livro Josué agora aparecem,

entretanto enxertando ali, no livro de Gênesis, a genealogia

dos reis de Edom até que aí reinasse um rei de Israel.

O livro dos Juízes é a contínua história dos juízes

hebreus e seis atos até a morte de Sansão. Foi, portanto,

compilado depois ds morte deste.. Diz-se nesse livro (Juízes

17:6; 18:1; 19:1; 21:25) que muitas coisas ocorreram ‘quando

não havia rei’ em Israel. Assim, foi escrito depois do começo

do reinado de Saul, quando os Jebusitas habitavam Jerusalém

(cf. Juízes 1:21) e antes do oitavo ano de Davi (cf. 2 Samuel

5:8; 1 Crônicas 11:6).

Os livros Pentateucos, e de Josué e de Juízes

apresentam uma história seqüencial, desde a Criação até a

morte de Sansão. Onde termina o Pentateuco, começa o livro

de Josué; e onde termina este, inicia o livro dos Juízes.

Assim, todos eles foram compostos a partir dos escritos de

Moisés, de Josué, e outras fontes, por uma e mesma pena,

depois de iniciado o reinado de Saul e antes do oitavo ano do

reinado de Davi.

Samuel era um escritor sacro (1 Samuel 10:25),

11

familiarizado com a história de Moisés e dos juízes (1 Samuel

12:8 a 12). No reinado de Saul, Samuel teve oportunidade e

suficiente autoridade para Os compôr. Era profeta e julgou

Israel durante toda sua vida, sendo portanto estimado pelo

povo. E a Lei, segundo a qual se haveria de por ela julgar o

povo, não devia ter sido publicada por uma autoridade que

fosse inferior à sua, de vez que seu autor não podia ser

inferior ao Juíz que a iria aplicar. E o Livro de Jasher (ou

Livro da Retidão), citado em Josué 10:13, ainda não existia

quando da morte de Saul (2 Samuel 1:18).

Quando da dedicação do Templo de Salomão, a

Arca foi trazida para o lugar mais sagrado dEste, porém aí

não havia senão as duas tábuas (cf. 1 Reis 8:9). Portanto,

quando os Filisteus tomaram a Arca, dela foram retirados o

Livro da Lei, o vaso de ouro com Manná e a Vara de Aarão.

Estas e outras perdas, ocorridas na desolação de Israel pela

conquista destes pelos Filisteus, poderiam, depois de alguma

relutância daqueles inimigos, ter dado uma chance à Samuel

para recolher os escritos esparsos de Moisés e de Josué e os

registros dos Patriarcas e Juízes, compondo os livros na

forma atual como se apresentam.

O livro de Rute é a história de fatos ocorridos

nos dias dos Juízes e pode ser considerado como um apêndice

ao livro dos Juízes, escrito pelo mesmo autor e ao mesmo

tempo. Foi escrito depois do nascimento de Davi (cf. Rute

4:17,22), e não muito depois disto, pois a história de Boaz e

Rute, bisavós de Davi, bem como a de seus contemporâneos,

não poderia ter sido tão bem conservada como tradição oral

depois de duas ou três gerações. E, desde que o livro deriva a

genealogia de Davi de Boaz e Rute, omitindo seus irmãos

mais velhos e seus filhos, deve ter sido escrito em honra a

12

Davi, depois de ungido Rei por Samuel e antes que tivesse

filhos no Hebron e, conseqüentemente, no reinado de Saul. A

história de Davi não continua no livro. Parece, assim, ter sido

escrito logo após a sua unção como rei. Por isso, devem estar

certos os que atribuem a Samuel a autoria dos livros de Josué,

Juízes e Rute.

Samuel é também considerado autor do primeiro

livro de Samuel, até a época de sua morte. Os dois livros de

Samuel não indicam autores e, entretanto, parecem originais.

Começam com sua genealogia, nascimento e educação e

devem ter sido escritos por ele próprio parcialmente, ou

durante sua vida, pelos seus discípulos, os Profetas de Naiot

em Ramata (I Samuel 19:18 a 20) e, em parte, depois de sua

morte, pelos mesmos discípulos.

O livro dos Reis cita outros autores, como o livro

dos Atos de Salomão, o livro das Crônicas dos Reis de Israel,

e o das Crônicas dos Reis de Judá. Os livros das Crônicas

citam o livro de Samuel O Vidente, o livro de Natan O

Profeta, e o livro de Gad O Vidente é citado nos Atos de

Davi; o livro do Profeta Natan, a Profecia de Abijah O

Shilonita e as Visões Do Vidente Iddo são todos citados nos

Atos de Salomão; o livro do Profeta Shenajah e o livro do

Vidente Iddo, com referência às genealogias, é citado nos

Atos De Roboão E Abijah; o livro dos Reis De Judá E De

Israel comenta sobre os Atos De Asa, De Joaz, De Amazias,

De Jothan, De Acaz, De Hezequias, De Manassés e De

Josias; o livro do Vidente Hananias comenta sobre os Atos

De Josafá; e as Visões De Isaías comenta sobre os Atos De

Ozias E Hezequias.

Eram, portanto, estes livros colecionados

independentemente dos escritos históricos dos antigos

13

Videntes e Profetas. E porque os livros dos Reis e das

Crônicas citam-se reciprocamente, devem ter sido escritos

na mesma época, depois do regresso do cativeiro da

Babilônia, pois indicam a história de Judá e as genealogias

dos Reis de Judá e dos Sumo-sacerdotes durante o cativeiro.

Eram os livros de Ezra origináriamente uma parte do livro

das Crônicas; posteriormente, foi separado das mesmas: tanto

que começa com os dois últimos versículos dos livros das

Crônicas e o primeiro livro de Ezra começa com os dois

últimos capítulos daquele. Foi, portanto, Ezra o compilador

dos livros dos Reis e das Crônicas, escrevendo a história de

sua época. Era um Escriba conhecedor da Lei de Deus; e,

nesse mister, Neemias o assistira e, "formando uma

biblioteca, ajuntara livros dos diversos países, assim os dos

Profetas, como os de Davi, e as Cartas dos reis, e os que

administravam os seus bens" (2 Macabeus 2:13). Como Atos

de Davi, compreendo aqui os livros de Samuel ou, pelos

menos, o segundo deles. Além dos Atos dos Reis, escritos

periodicamente pelos Profetas, Ezra compôs os livros dos

Reis de Judá e Israel. Assim reuniu aqueles Atos

cronologicamente, copiando os autores literalmente, como se

vê dos livros dos Reis e das Crônicas, em freqüentes

concordâncias de palavras e de sentenças. Onde há

concordância de sentido, também o há de palavras.

Assim, as profecias de Isaías, escritas em

momentos diversos, foram reunidas num corpo único. O

mesmo foi feito com as de Jeremias e dos demais Profetas,

até a época do Segundo Templo. O livro de Jonas é a sua

história escrita por outro.

O livro de Daniel é uma coleção de escritos de

épocas diversas. Os seis últimos capítulos contêm as

14

Profecias escritas pelo próprio Daniel em diferentes ocasiões;

os seis primeiros, uma coleção de escritos históricos de

outros autores. O quarto capítulo é um Decreto de

Nabucodonozor. O primeiro capítulo foi escrito depois da

morte de Daniel, pois aí se diz que Daniel viveu até o

primeiro ano do reinado de Ciro, isto é, até o primeiro ano do

domínio deste rei sobre os Persas e os Medas e o terceiro ano

sobre a Babilônia. E, pelo mesmo motivo, o quinto e sexto

capítulos também foram escritos após a morte de Daniel, pois

terminam com estas palavras: "E Daniel permaneceu sempre

em dignidade, durante o reinado de Dario e o reinado do

persa Ciro" (Daniel 6:28). Também estas palavras deveriam

ter sido adicionadas pelo coletor dos escritos, que suponho

tenha sido o próprio Ezra.

Parece que os Salmos, compostos por Moisés,

Davi e outros, foram colecionados por Ezra pois, na coleção,

encontro alguns até da época do cativeiro de Babilônia, mas

nenhum posterior. Ezra os reuniu num grande volume que

conhecemos atualmente como livro dos Salmos.

Depois disto, Antíoco Epifânio saqueou o

Templo, proibiu os Judeus de respeitar a Lei, sob pena de

morte, e mandou queimar todos os livros sagrados que

fossem encontrados. Nesses distúrbios, é bem provável que o

livro das Crônicas dos Reis de Israel se haja perdido por

completo. Passada a opressão, Judas Macabeu recolheu todos

os escritos que foi possível encontrar (cf. 2 Macabeus 2:14).

Ao pô-los em ordem, ocorreu que parte das Profecias de

Isaías ou algum outro Profeta foi acrescentada no final das

profecias de Zacarias. E o livro ficou separado das Crônicas e

arranjado em duas ordens diferentes: numa, no livro de Ezra,

juntou-se o Cânon; na outra, juntou-se o primeiro livro de

15

Ezra.

Depois do período em cativeiro Romano,

preservando suas tradições, os Judeus as inscreveram no

Talmude; e, visando preservar as escrituras, resolveram fazer

uma edição “gemátrica”, na qual contaram as letras de todas

as maneiras em cada livro. Conservaram então apenas essa

edição. Entretanto, notas marginais e outras correções, tais

como os erros dos copistas, anteriores à preparação dessa

edição, interpenetraram-se aos textos e são agora de difícil

correção. E por conservarem apenas essa edição, vários

ensinos mais antigos estão agora perdidos, com exceção

daqueles que podem ser descobertos através da Septuaginta.

Antes do Cativeiro Romano os Judeus dividiram

os livros sagrados do seguinte modo: a Lei, os Profetas e a

Hagiógrafa ou os escritos sagrados. E nas sinagogas apenas

eram lidos a Lei e os Profetas. O próprio Cristo e seus

Apóstolos apoiaram a religião na Lei e nos Profetas (veja

Mateus 7:12; 22:4; Lucas 16:16, 29, 31; 24:44; Atos 24:14;

26:22; Romanos 3:21).

A Hagiógrafa compreendia os livros históricos,

chamados Josué, Juízes, Rute, Samuel, Reis, Crônicas, Ezra,

Neemias e Ester, o livro de Jó, os Salmos, os livros de

Salomão e as Lamentações. Os Samaritanos liam apenas o

Pentateuco. E quando Josafá mandou ensinar nas cidades, os

sacerdotes mestres apenas levaram o Livro da Lei, porque as

profecias então existentes ainda não haviam sido escritas.

Quando de volta do Cativeiro da Babilônia, Ezra lia ao povo

o Livro da Lei, de manhã à noite, no primeiro dia do sétimo

mês, assim como diariamente, durante a festa dos

Tabernáculos. É bem possível que por esta época Ezra não

havia ainda reunido a coleção dos escritos dos Profetas em

16

volumes, tal qual agora eles se nos apresentam; mas tão logo

a coleção foi concluída, já instituiu sua leitura nas sinagogas.

Mais que a Hagiógrafa, a leitura dos livros da Lei e dos

Profetas nas sinagogas provavelmente os preservou um pouco

mais da corrupção.

Na infância da nação de Israel, quando Deus lhes

havia dado a Lei e estabelecido um pacto para ser o seu Deus,

com a condição de que seus mandamentos fossem

respeitados, enviou os Profetas para reclamar o seu

cumprimento, pois que várias vezes o haviam infringido,

adorando a outros deuses. E, quando voltavam, o pacto, uma

vez já quebrado, com freqüência era renovado. Esses

Profetas continuaram a ser mandados à Israel até os dias de

Ezra. Mas depois que suas profecias eram lidas nas

sinagogas, tinham tal ato como suficiente. Por isso o povo

não queria ouvir Moisés ou qualquer outro velho Profeta:

queriam novos, conquanto soubessem que estes “se

levantariam dentre os mortos”.

Por fim, quando uma nova verdade devia ser

pregada aos Gentios, isto é, que Jesus era O CRISTO, Deus

mandou novos Profetas e Mestres. Entretanto, depois que

seus escritos eram recebidos e lidos nas sinagogas dos

Cristãos, a Profecia cessou novamente. Agora temos Moisés,

os Profetas, além das palavras do próprio Cristo. E se não os

ouvirmos, não seremos menos excusáveis que os Judeus.

Porque os Profetas e os Apóstolos predisseram: que, assim

como Israel tantas vezes se revoltara e quebrara o pacto,

renovando-o depois, arrependidos, também entre os Cristãos

seria verificada, logo depois dos Apóstolos, esta mesma

fraqueza, chamada de ‘A Apostasia’ ou ‘Tempo da

Apostasia’; e que nos últimos dias Deus destruiria os

17

revoltosos impertinentes, fazendo com seu povo um novo

concerto; que DAR OUVIDOS AOS PROFETAS É UMA

CARACTERÍSTICA DA VERDADEIRA IGREJA; que

Deus ordenou as Profecias de tal maneira que, nos últimos

dias, "os ímpios procederão ímpiamente, e nenhum ímpio

compreenderá, porém os sábios, estes sim, compreenderão"

(Daniel 12:9,10); que a autoridade dos Imperadores, Reis, e

Príncipes é humana. Também a autoridade dos Concílios,

Sínodos, Bispos, Presbíteros é humana, porém A

AUTORIDADE DOS PROFETAS É DIVINA e compreende

toda a religião; que, além dos próprios Profetas maiores e

menores, a Moisés, Cristo e os Apóstolos entre estes, e se um

Anjo do céu pregar uma outra boa notícia, que não esta que

por eles foi anunciada, que seja maldito.

As escrituras contêm o Concerto entre Deus e o

seu povo, com as instruções para a sua observância,

exemplos do julgamento de Deus sobre aqueles que

quebraram tal Concerto, e predições das coisas que estariam

ainda por acontecer. A predição de coisas porvindouras

refere-se à situação da Igreja em todas as épocas. Enquanto o

povo de Deus guardar o Concerto, continuará como Seu

povo; porém quebrando-O, cessará de o ser e de ser a sua

Igreja, tornando-se assim "sinagoga de Satã, que diz que são

Judeus, quando não o são". E nenhum poder na Terra tem

força para alterar esse Concerto.

E entre os velhos Profetas, Daniel é o mais

característico na questão de datas e o mais fácil de ser

entendido. Por isso, no que se refere aos velhos Profetas,

Daniel deve ser tomado como a chave para os demais.

18

CAPÍTULO 2

OBSERVAÇÕES SOBRE AS

PROFECIAS DE DANIEL

-

A

LINGUAGEM PROFÉTICA

19

Para entender as Profecias, é necessário, antes de

mais nada, estar familiarizado com a linguagem figurada dos

Profetas, extraída das analogias entre o mundo natural e um

império ou reino, considerado como um cenário político.

De acordo com isto, o conjunto do mundo

natural, compreendendo o céu e a terra proféticos, significa

todo o cenário político em pauta, consistente de tronos e

povo, ou apenas uma parte, conforme a Profecia. Os

componentes daquele cenário profético representam coisas

análogas no cenário político. Assim, o Céu e o que nele se

contém representam os tronos e as dignidades, ou aqueles que

as desfrutam, enquanto a Terra com suas coisas, representa a

massa popular, o povo; as partes inferiores da Terra,

chamadas Hades ou Inferno, representam as mais rebaixadas

ou miseráveis camadas da população. Então, a subida ao Céu

ou a descida à Terra significam elevação ou queda do poder

e das honras: elevar-se sobre a Terra ou sobre as águas quer

dizer elevação à alguma dignidade ou predomínio, partindo

da condição inferior do povo, enquanto que a descida em tais

elementos significa a perda de dignidades/cargos ou de

predomínio; as descidas às partes mais baixas da Terra

indicam redução à um estado infeliz e de rebaixamento; falar

com voz fraca e como que saída do pó, indica uma condição

humilde e fraca; andar de uma a outra parte quer dizer

mudança de método, de dignidade ou de domínio; grandes

terremotos e abalos do Céu e da Terra indicam comoções de

reinos, tal como separações e destruição generalizada; a

criação de um novo Céu e nova Terra, um mundo antigo que

passa, ou ainda o começo e o fim de um mundo, traduzem o

20

aparecimento e a ruína do corpo político por eles indicado.

Para os intérpretes de sonhos, o Sol e a Lua

representam Reis e Rainhas; entretanto, nas Profecias sacras,

as quais não cuidam de indivíduos, o Sol representa, de um

modo geral, a raça dos Reis, no reino ou reinos do cenário

político, brilhando com poder e glória reais; a Lua simboliza

o povo, tomado em seu conjunto, como a esposa do Rei; e as

Estrelas são os Príncipes vassalos e os grandes homens do

reino; ou, quando o Sol profético é o Cristo, representam os

Bispos e os dirigentes do povo de Deus a luz representa a

glória (talvez grandeza, virtude), a verdade, o saber, quando,

através dos grandes homens e dos bons, ilumina os outros; a

escuridão denota condição obscura, em erro, cegueira e

ignorância; o escurecimento, o abalo ou o pôr do Sol, da Lua

e das Estrelas, representam o desaparecimento de um reino

ou a sua desolação, proporcional ao entenebrecimento

apontado: Sol escuro, Lua coberta de sangue ou queda das

estrelas, trazem o mesmo significado; uma Lua nova

representa a volta de um povo disperso à um corpo político

ou eclesiástico organizado;

Fogo e meteoros tanto se referem ao Céu quanto

à Terra e têm a seguinte significação: a queima de alguma

coisa no fogo representa seu desaparecimento pela guerra; a

conflagração da Terra ou a transformação de um país num

lago de fogo é o desaparecimento de um reino pela guerra; o

lançamento num forno quer dizer dominação por uma outra

nação; a contínua ascensão de fumo de alguma coisa que se

queima denota que um povo conquistado continua na miséria

do domínio e escravidão por um longo período de tempo; o

abrazante calor do Sol indica vexames de guerras,

perseguições e distúrbios infligidos pelo próprio Rei; passear

21

nas nuvens quer dizer reinar sobre muitos povos; o Sol

coberto por nuvens ou por fumaça é sinal de pressão de

exércitos inimigos exercida sobre o Rei; ventos

tempestuosos, ou movimento de nuvens traduzem guerras e

movimentações de tropas; o trovão ou a voz de uma nuvem

representam a voz do povo; uma tempestade de trovões e

relâmpagos, com chuvas torrenciais, simboliza a tempestade

da guerra descendo dos céus e das nuvens políticas sobre a

cabeça de seus inimigos; chuva moderada, orvalho e águas

em movimento denotam graças divinas e doutrinas do

Espírito; a falta de chuva indica nudez espiritual.

Na Terra, o solo enxuto e um conjunto de águas,

como mares, rios, ou uma enchente, simbolizam o povo de

várias regiões, nações ou domínios; se as águas se tornarem

salobras, significam grandes aflições do povo por causa de

guerras e perseguições; se as coisas se transformarem em

sangue, representam a morte mística de organismos políticos,

isto é, sua dissolução, politicamente falando; a maré alta

sobre um mar ou enchente dum rio quer dizer invasão de um

país, pelo povo representado pelas águas; se as águas

secarem, denotam a conquista dessas regiões pelo povo

representado pela terra; as fontes de água representam

cidades, ou origem permanente dos rios políticos; as

montanhas e as ilhas simbolizam as cidades da terra e do mar

político-proféticos, com os respectivos territórios e domínios

que lhes pertencem; cavernas e montanhas graníticas são os

templos das cidades; homens que se escondem nessas

cavernas e rochas representam ídolos trancados em seus

templos; casas e navios são famílias, ajuntamentos e cidades

do todo político representado pela terra e pelo mar; e uma

frota de guerra é um exército proveniente do reino

22

representado pelo mar.

Também os animais e os vegetais representam o

povo de várias regiões e condições; especialmente as árvores,

as ervas e os animais terrestres, representam a gente do grupo

político simbolizado pela terra. As bandeiras, os juncos e os

peixes representam o povo cuja nação é simbolizada pelas

águas; as aves e os insetos também representam a população

do país simbolizado pelo Céu e pela Terra. As florestas

significam reinos; e o deserto traduz um povo fraco e

desolado.

Se o cenário político considerado na profecia for

constituído de muitos reinos, será representado por tantas

partes quantas as do mundo natural: as mais nobres, pelos

corpos celestes; mas a Lua e as nuvens representam a gente

comum; as menos nobres são figuradas pela terra, o mar, os

rios ou por animais, plantas e edifícios. O animal maior e

mais poderoso, bem como as árvores mais altas, indicam os

Reis, os Príncipes e os Nobres. E porque, em seu todo, o

reino é um organismo político do Rei, o Sol, ou uma árvore,

um animal ou uma ave ou ainda um homem, aí representando

o Rei, adquire maior significação, pois representa todo o

reino; muitos animais, como um Leão, um Urso, um

Leopardo, um Bode, conforme suas qualidades, são os

representantes proféticos de vários reinos ou organismos

políticos. O sacrifício de animais indica grande morticínio ou

conquista de reinos; a amizade entre dois animais, indica paz

entre dois reinos.

Em vista de certos epítetos ou circunstâncias, por

vezes animais e plantas têm, por extensão, outros

significados: assim uma árvore, quando chamada 'a árvore da

vida ou do conhecimento'; e um animal, quando venerado ou

23

quando chamado 'a velha serpente'.

Quando um animal ou um homem representa um

reino, suas partes ou qualidades indicam, por analogia, partes

ou qualidades daquele reino. Assim, a cabeça deste animal

aponta os grandes homens do governo e comando; quando

forem mais de uma, as cabeças indicam as partes principais,

ou as dinastias, ou ainda domínios (dentro) do reino,

colaterais ou sucessivos em relação ao governo; os chifres em

qualquer cabeça, representam aí o número de reinos,

relacionados com a autoridade militar exercida. “Ver” quer

dizer compreender. Os olhos valem por homens de

compreensão e autoridade política; em assuntos religiosos,

entretanto, querem dizer bispos/ líderes. Falar significa fazer

leis; assim a boca indica aquele de onde promana a lei, seja

agrada ou profana. A voz alta é indicativa de força e poder

enquanto que a voz tênue indica fraqueza. Comer e beber

valem pela aquisição do que está representado pela comida e

a bebida. Os pêlos dos animais e dos homens, bem como as

penas das aves querem dizer o povo; as asas indicam o

número de reinos representados pelo animal. O braço do

homem é o seu poder ou o de qualquer povo pelo mesmo

representado; os pés valem pelas mais baixas camadas do

povo ou pelo final do reino. Pés, garras e dentes de animais

de presa, indicam exércitos e corpos de exércitos; os ossos

indicam os lugares fortificados; a carne signifca riqueza e

bens. Os dias de ação proféticas são contados como anos.

Quando uma árvore representa um reino, seus galhos, folhas

e frutos valem o mesmo que as asas e as penas ou o alimento

de uma ave ou de um animal.

Quando um homem é tomado em sentido

profético, freqüentemente suas qualidades são expressas por

24

suas ações e pelas circunstâncias que cercam as coisas que

lhe dizem respeito. Assim um Governante é representado

cavalgando um animal; um Guerreiro ou Conquistador terá

uma espada ou um arco na mão; um homem poderoso

apresentará estatura agigantada; um Juiz traz consigo pesos e

medidas; uma sentença terá como símbolo uma pedra branca

para sentença absolvitória ou uma pedra preta para sentença

condenatória; uma nova dignidade se exprime por um novo

nome; os ornamentos indicam qualificação moral ou civil;

vestidos explêndidos significam honra e glória; a dignidade

real é expressa pela púrpura, pela escarlata ou por uma coroa;

a retidão é simbolizada por vestes brancas e limpas, enquanto

que a maldade é indicada pelas roupas manchadas ou sujas; a

aflição, o luto e a humilhação, vem indicadas por vestes

grosseiras; já a desonra, a vergonha e a falta de boas obras é

indicada pela nudez; o erro e a miséria, pelo ato de beber uma

taça do vinho que os produz; a propagação da religião por

interesse monetário, pelo exercício de tráfico ou comércio,

com o povo a que se refere àquela religião; a adoração ou

serviço de falsos deuses de qualquer nação, pela prática de

adultério com os seus príncipes ou pela sua adoração; o

Conselho de um Reino, pela imagem do mesmo; a idolatria,

pela blasfêmia; a derrubada pela guerra, por uma ferida feita

por homem ou por animal; o duradouro flagelo da guerra, por

uma chaga ou tormento; a aflição ou a perseguição que sofre

um povo no trabalho de constituir um novo reino, pelas dores

de uma mulher no parto de um menino; a dissolução de um

corpo político ou eclesiástico, pela morte de um homem ou

animal; e a revivescência de um domínio que foi dissolvido,

pela ressurreição de um morto.

25

CAPÍTULO 3

DA VISÃO DA

IMAGEM

DE QUATRO METAIS

26

As profecias de Daniel ligam-se todas umas às

outras, como se fossem simples partes de uma profecia geral,

dada em várias épocas. A primeira deve ser compreendida em

primeiro lugar; e cada uma das que se seguem adicionam

algo de novo às anteriores. A primeira foi dada num sonho a

Nabucodonosor, rei da Babilônia, no segundo ano de seu

reinado. Tendo o rei esquecido do sonho que havia tido, a

mesma foi dada novamente a Daniel, também num sonho,

que o revela então à Nabucodonosor.

Assim Daniel tornou-se famoso por seu saber e

pela faculdade de revelar coisas secretas, de tal modo que

Ezequiel, seu contemporâneo, no décimo nono ano do

reinado de Nabucodonosor, assim fala ao rei de Tiro:

"Porque és mais sábio que Daniel, nenhum segredo há oculto

para ti" (Ezeq. 28:3). E o mesmo Ezequiel, noutra passagem,

reúne Daniel a Noé e a , como os mais distingüidos pelos

favores de Deus (Ezeq. 14:14, 16, 18, 20). E no último ano de

Baltazar, dele disse a rainha-mãe ao rei: "No teu reino há um

homem que tem em si o espírito dos deuses santos; e no

tempo de teu pai, manifestaram-se nele a ciência e a

sabedoria; por isto até o rei Nabucodonosor, teu pai, o

constituiu chefe dos magos, dos encantadores, dos caldeus e

dos agoureiros; porque um espírito superior aos dos outros, e

prudência, e inteligência, e interpretação de sonhos, e

declaração de segredos, e solução de dificuldades, tudo se

achou nele, isto é, Daniel, a quem o rei pôs o nome de

Baltazar" (Daniel v. 11, 12). Tinha Daniel o maior prestígio

entre os Judeus até o reinado do Imperador Romano Adriano.

Rejeitar suas profecias é rejeitar a religião

cristã, por isso que a religião está fundada nas profecias

27

concernentes ao Messias.

O fundamento de todas as profecias de Daniel

encontra-se na visão dessa imagem feita de quatro metais. Ela

representa um corpo de quatro grandes nações, que deveriam

reinar sucessivamente sobre todo o mundo então conhecido, a

saber: o povo da Babilônia, os Persas, os Gregos e os

Romanos. E uma pedra, arrancada sem auxílio de mãos

humanas, caiu sobre os pés da imagem, reduzindo a pedaços

os quatro metais; ela "tornou-se um grande monte que encheu

toda a terra", o que indica que um novo reino surgirá depois

do quarto e conquistará todas as nações; e durará até o fim

dos tempos.

A cabeça da imagem era de ouro e representava

as nações do Império Babilônico, que reinou primeiro,

conforme a interpretação do próprio Daniel. "Tu, pois, és a

cabeça de ouro", disse ele a Nabucodonosor. Estas nações

reinaram até Ciro conquistar a Babilônia e, poucos meses

depois dessa conquista, os Persas revoltaram-se, submetendo

os Medos. O peito e os braços eram de prata e representavam

os Persas, que reinaram a seguir. A barriga e as coxas eram

de latão e representavam os Gregos que, sob o domínio de

Alexandre o Grande, conquistaram os Persas e reinaram

depois daqueles.

As pernas eram de ferro e representavam os

Romanos, que dominaram depois dos Gregos e começaram a

conquistá-los no oitavo ano de Antíoco Epifânio. Pois

naquele ano submeteram Perseu, rei da Macedônia, principal

reino dos Gregos; daí por diante foram-se tornando um

Império poderoso e reinaram soberanamente até os dias de

Teodósio o Grande. Então, dada a incursão de muitas nações

do norte, rompeu-se numa porção de reinos menores, que são

28

representados pelos pés e dedos dos pés da imagem, feitos em

parte de ferro e em parte de barro. "Esse reino", diz Daniel,

"que terá sua origem na veia de ferro, será dividido; segundo

tu viste que o ferro estava misturado com a terra e com o

barro; também eles se misturarão por meio de parentescos

contraídos, mas não formarão um corpo único entre si, assim

como o ferro não pode se ligar ao barro". (Daniel 2:41, 43)

"No tempo, porém, daqueles reinos", diz Daniel,

"suscitará o Deus do céu um reino que não será jamais

destruído, e este seu reino não passará a outro povo; antes

esmigalhará e aniquilará todos esses reinos, e ele subsistirá

para sempre. Segundo o que viste, que uma pedra foi

arrancada do monte sem intervir mão de nenhum homem, e

esmigalhou o barro, e o ferro, e o cobre e a prata e o ouro."

(Daniel 2:44, 45).

29

CAPÍTULO 4

DA VISÃO

DAS QUATRO BESTAS

30

Na visão seguinte, a das quatro Bestas, repete-se

a mesma profecia dos quatro Impérios, porém com várias

adições, tais como as duas asas da Leoa, as três ordens de

dentes na boca do Urso, as quatro asas e as quatro cabeças do

Leopardo, os onze chifres que têm a quarta besta e o "Filho

do homem, que vinha com as nuvens do céu, e que chegou

até ao Ancião dos muitos dias", sentado em julgamento.

A primeira Besta era como uma Leoa, e tinha

asas de águia, para denotar os reinos da Babilônia e da

Média, que derrubaram o Império Assírio e o dividiram entre

si, tornando-se assim Impérios consideráveis. Na profecia

anterior o Império Babilônico era representado pela cabeça

de ouro; nesta, Babilônia e Média são representados juntos

pelas duas asas da Leoa. E diz Daniel: "quando eu estava

olhando para ela, foram-lhe arrancadas as asas, e foi

levantada da terra, pôs-se sobre os seus pés, como um

homem, e foi-lhe dado um coração de homem" (Daniel 7:4),

isto é, até que fosse humilhada e subjugada e reconhecesse

sua condição humana.

A segunda besta era como um Urso e representa

o Império que reinou depois dos Babilônicos, isto é, o

Império Persa. "O teu reino foi dividido e dado aos Medos e

aos Persas" (Daniel 5:28), diz ele ao Rei da Babilônia. Esta

Besta levantou-se e se pôs ao seu lado, pois estavam os

Persas dominados pelos Medos quando da queda de

Babilônia, mas depois levantaram-se e os dominaram. E

"tinha três ordens de dentes na sua boca" (Daniel 8:5) para

significar os reinos de Sardes, Babilônia e Egito, por eles

conquistados, mas que não pertenciam ao seu próprio corpo.

E devorava "carne em abundância", isto é, as riquezas

daqueles três reinos.

31

A terceira Besta é o reino que sucedeu aos

Persas, isto é, o Império dos Gregos (Daniel 7:6, 7, 20, 21).

Era como um Leopardo, para significar sua ferocidade; e

tinha quatro cabeças e quatro asas, para indicar que poderia

ser dividido em quatro reinos (Daniel 8:22), pois continuou

em regime monárquico durante o reinado de Alexandre o

Grande, seu irmão Arideus e seus filhos Alexandre e

Hércules, dividindo-se então em quatro reinos, de vez que os

governadores das províncias, por mútuo consenso, se tinham

feito coroar e reinaram sobre as mesmas. Cassandro reinou

sobre a Macedônia, a Grécia e o Épiro; Lisímaco sobre a

Trácia e a Bitínia; Ptolomeu sobre o Egito, a Líbia, a Arábia,

a Celosíria e a Palestina; e Seleuco sobre a Síria.

A quarta Besta é o Império que sucedeu ao dos

Gregos, isto é, o Império Romano. Esta Besta era

excessivamente terrível e tinha grandes dentes de ferro,

devorava e quebrava em pedaços, e calcava os restos com os

pés: tal era o Império Romano. Era maior, mais forte e mais

formidável e duradouro do que qualquer dos outros.

Conquistou o reino da Macedônia, com a Ilíria e o Épiro, no

oitavo ano de Antíoco Epifânio ou em 580; herdou o de

Pérgamo, em 515; conquistou a Síria em 718, datas todas

estas referidas a ano de Nabonassar. Por estas e outras

conquistas tornou-se maior e mais terrível que qualquer das

três Bestas anteriores. Este Império, o Romano, continuou

sua grandeza até o reinado de Teodósio o Grande; então se

dividiu em dez reinos, representados pelos dez chifres desta

Besta, continuando assim até que o Ancião de muitos dias se

sentasse num trono como uma chama viva e o julgamento

fosse feito, os livros abertos, as Bestas abatidas, seus corpos

destruídos e atirados às chamas; "num personagem que

32

parecia o Filho do homem, que vinha com as nuvens do céu,

e que chegou até ao Ancião dos muitos dias" (Daniel 7:13),

deu-lhe o poder sobre todas as nações e foi dada autoridade

aos Santos de Altíssimo e veio o momento em que estes

possuíram o reino.

Diz Daniel: "E vi que o animal tinha sido morto

e que o seu corpo perecera e fora entregue ao fogo para ser

queimado; vi também que tinha sido tirado o poder aos outros

animais, e que a duração de vida destes lhes tinha sido

assinalada até um tempo e um tempo" (Daniel 7:11, 12).

Assim, as quatro Bestas estão vivas, conquanto já passada a

dominação das três primeiras. A Caldéia e a Assíria ainda são

a primeira Besta; a Média e a Pérsia são a segunda; a

Macedônia, a Grécia, a Trácia, a Ásia Menor, a Síria e o

Egito ainda constituem a terceira Besta, enquanto as nações

da Europa, do lado da Grécia, ainda são a quarta Besta.

Vendo, assim, que o corpo da terceira Besta é

circunscrito pelas nações daquele lado do rio Eufrates, e que

o corpo da quarta Besta é circunscrito pelas nações deste lado

da Grécia, devemos procurar as quatro cabeças da terceira

Besta entre as nações daquele lado do Eufrates, porém os

onze chifres da quarta Besta devemos procurar entre as

nações deste lado da Grécia. Portanto na fragmentação do

Império Grego em quatro reinos dos Gregos, não devemos

incluir a Caldéia, a Média e a Pérsia, porque pertenciam aos

corpos das duas primeiras Bestas. Também não devemos

reconhecer o Império Grego, sediado em Constantinopla,

entre os chifres da quarta Besta, porque aquela cidade

pertencia ao corpo da terceira Besta.

33

CAPÍTULO 5

DOS REINOS

REPRESENTADOS PELOS

PÉS DE FERRO E BARRO

34

Era a Dácia uma grande região limitada ao sul

pelo rio Danúbio, a leste pelo rio Euxino e os montes Crapac,

e a oeste pelo rio Tibesis ou Teis, que corre para o sul até

lançar-se no Danúbio, um pouco acima de Belgrado.

Compreendia as regiões agora chamadas Transilvânia,

Moldávia e Valáquia e, a leste, a Hungria Superior. Seus

antigos habitantes chamavam a si mesmos de Godos, mas os

Gregos os chamavam Getas, e os Latinos os chamavam Daci.

Alexandre o Grande atacou-os e Trajano os conquistou,

reduzindo-os a uma província do Império Romano.

Por isso a propagação do Evangelho entre eles

foi muito incrementada.

Compunham-se de várias Nações Godas,

chamadas Ostrogodos, Vândalos, Lombardos, Burgúndios,

Alanos, etc.; todos semelhantes nas maneiras, falavam a

mesma língua, como Procópius faz notar. Quando sob o

domínio Romano, os Godos ou Ostrogodos estavam

localizados ao leste da Dácia, os Vândalos ao oeste, no Teis,

onde correm o Maresh e o Karesh; e entre aqueles ficavam os

Visigodos. De acordo com Jornandes, os Gépidas viviam no

Vístula. Os Burgúndios, povo Vândalo, ficavam entre o

Vístula e a nascente sul do Boristenes, a alguma distância dos

montes Crapac, para os lados do norte, onde os situa

Ptolomeu, com os nomes de Phrugundiones e Burgiones. Os

Alanos, outro povo Godo, ficavam entre a nascente norte do

Boristenes e a foz do rio Tanais, onde Ptolomeu situa o

monte Alanus e a margem oeste do Palus Maeotis (cf.

Procop.1 - 1- De Bello Vandalico).

Estes povos continuaram sob o domínio dos

Romanos até o segundo ano do imperador Filipe; então se

35

rebelaram, por falta de pagamento do seu soldo: os

Ostrogodos, estabelecendo um reino que sob o domínio dos

Reis Ostrogota, Cniva, Ararico, Geperico e Hermanarico se

desenvolveram até o ano de 376; então, por uma incursão dos

Hunos, vindos de além do Tanais, e pela morte de

Hermanarico, retalharam-se em diversos pequenos reinos.

Hunimundo, filho de Hermanarico, tornou-se rei dos

Ostrogodos; Ffridigern, dos Visigodos; Winithar ou Vinithar

reinou sobre uma parte dos Godos chamados Gruthingi por

Ammiano, Guthunni por Claudiano e, pelos outros,

chamados Sármatas e Citas. Athanarico reinou sobre outra

parte dos Godos na Dácia, chamada Thervingi; Box reinou

sobre os Antes na Sarmácia. Os Gépidas também tinham o

seu rei. No fim do reinado de Constantino o Grande, os

Vândalos fugiram de Geberico para o Danúbio; o Imperador

garantiu-lhes séde na Panónia, onde viveram pacíficamente

quarenta anos, ou até o ano 377, quando várias nações Godas,

fugindo dos Hunos, caíram sobre o Danúbio e tiveram suas

sédes garantidas na Mésia e na Trácia por Valente, então

Imperador Grego. Mas no ano seguinte, revoltaram-se alguns

Godos, Alanos e Hunos de além Danúbio, destroçaram o

exército romano, puseram em fuga o Imperador Valente e

espalharam-se pela Grécia e pela Panónia, até aos Alpes. Nos

anos de 379 e 380, foram batidos pelas armas dos

Imperadores Graciano e Teodósio e aceitaram uma paz

imposta. Os Visigodos e os Thervingi voltaram para suas

sédes no Danúbio e os Alanos e os Gruthingi obtiveram sédes

na Panónia.

Por volta do ano 373 ou 374, os Burgúndios

levantaram-se de sua séde no Vístula, com um exército de

oitenta mil homens para invadir a Gália; porém, encontrando

36

resistência, estabeleceram-se nas margens do Rheno, nas

alturas de Mentz. No ano 358, um corpo de Francos Sálicos,

com o seu rei, descendo do rio Sala, foram recebidos no

império por Juliano e sediados na Gália, entre o Brabante e o

Rheno. Seu rei, Mellobaudes, foi, pelo Imperador Graciano,

nomeado Comes Domesticorum. Outro nobre Franco Sálico,

Richomer, foi,por Teodósio, nomeado Comes

Domesticorum e Magister Utriusque Militiae e, em 374,

foi Cônsul com Clearchus. Richomer foi um grande favorito

de Teodósio e o acompanhou nas guerras contra Eugênio,

morrendo numa expedição e deixando um filho, chamado

Teodomiro, o qual foi posteriormente rei dos Francos Sálicos

do Brabante. Durante essa guerra, alguns Francos de além do

Rheno invadiram a Gália, sob a chefia de Genobaldo,

Marcomiro e Suno, mas foram repelidos por Stilicão;

Marcomiro tendo sido morto nesta guerra, sucedeu-lhe na

Germânia seu filho Ferramundo.

Enquanto estas nações ficaram sossegadas dentro

do império, submetidas aos Romanos, muitas outras

continuaram assim além do Danúbio, até a morte de

Teodósio, quando então levantaram-se em armas. Em sua

"Historia Miscellanea", livro 14, falando dos tempos que se

seguiram à morte daquele imperador, diz Paulus Diaconus:

"Ao mesmo tempo os Godos e numerosos outros povos

habitavam além do Danúbio. Destes, os mais humanos são

quatro, a saber: os Godos, os Visigodos, os Gépidas e os

Vândalos, apenas diferenciados quanto ao nome. Depois de

passarem o Danúbio, ao tempo de Arcádio e de Honório, eles

se estabeleceram em território romano; e os Gépidas, dos

quais, mais tarde, se separaram os Longobardos e os Ávaros,

viveram em aldeias perto do Singídono e do Sirmium". E, no

37

começo de sua "História Vandalica", Procopius nos diz a

mesma coisa. Até aqui o Império do Ocidente continuava

intacto; só depois é que partiu-se em muitos reinos.

O imperador Teodósio morreu em 395. Então,

sob o comando de Alarico, sucessor de Fridigern, os

Visigodos levantaram-se em sua séde na Trácia, devastaram a

ferro e fogo, durante cinco anos, a Macedônia, a Tessália, a

Acaia, o Peloponeso e o Épiro. Voltando-se depois para o

oeste, invadiram a Dalmácia, a Ilíria e a Panônia; dali

passaram à Itália em 402; e no ano seguinte foram de tal

forma batidos em Pollentia e Verona por Stilicão,

comandante das forças do Império do Ocidente, que

Claudiano chama o remanescente das tropas de Alarico de

"pequenos resíduos de povo de tão grande valor" e

Prudentius de "povo destruído". Nestas condições, Alarico

fez a paz com o Imperador, tendo sido tão humilhado que,

conforme cita Orosius, “oravam humildemente e com

simplicidade por uma paz melhor e algumas habitações". Esta

paz foi ratificada de parte a parte pelos reféns: Aetius foi

mandado como refém a Alarico e este continuou como

príncipe livre na séde que então lhe foi assegurada.

Quando Alarico se pôs em armas, os povos além

do Danúbio começaram a se movimentar; no inverno

seguinte, entre 395 e 396, grandes corporações de Hunos,

Alanos, Ostrogodos, Gépidas e outros povos do norte

desceram sobre o Danúbio gelado, a convite de Rufino; então

seus irmãos, que haviam obtido sédes dentro do império,

também correram às armas. Diz Jerome que essa multidão

era composta de Hunos, Alanos, Godos, Sarmatas, Quades e

Marcomanos; e que os mesmos invadiram todas as regiões

entre Constantinopla e os Alpes Julianos, devastando a Cítia,

38

a Trácia, a Macedônia, a Dardânia, a Tessália, a Acaia, o

Épiro, a Dalmácia e toda a Panônia. Os Suevos também

invadiram a Rhaetia; pois, enquanto Alarico devastava a

Panônia, os Romanos defendiam aquela região. Isto deu a

Alarico a oportunidade de invadir a Itália, conforme refere

Claudiano: “Os Getas só irromperam por traição, enquanto a

Rhaetia subjuga as nossas forças e, numa segunda batalha,

dispersa as nossas Cortes". E quando daí Alarico passou à

Itália, outros povos bárbaros invadiram a Nórica e a

Vindelícia, como o mesmo Claudiano nos descreve nos

seguintes versos: “Já os povos haviam desfeito as suas

alianças e, sabedores da derrota, os ferozes Lácios ocupavam

os desfiladeiros vendélicos e os campos da Nórica”

Isto se passou entre os anos de 402 e 403. Entre

aqueles povos, constato os Suevos, os Quades e os

Marcomanos, todos então em armas. Os Quades e os

Marcomanos eram Suevos; aqueles e estes vieram

origináriamente da Boêmia e do rio Suevos ou Sprake, na

Lusatia; achavam-se então unidos sob um rei comum,

chamado Ermerico, o qual logo depois os conduziu à Gália.

Por esse tempo os Vândalos e os Alanos deveriam estar

espalhados pela Nórica. Na mesma ocasião, Aldino

atravessou o Danúbio com um exército de Hunos, quando do

banimento de Crisóstomo, isto é, em 404, devastando a

Trácia e a Mésia. Radagásio, rei dos Gruthunni e sucessor de

Winithar, convidou mais bárbaros de além do Danúbio,

invadiu a Itália com um exército de mais de duzentos mil

Godos e, em um ou dois anos, de 405 a 406, foi derrotado por

Stilicão, perecendo com o seu exército. Nesta guerra, Stilicão

foi ajudado por um grande exército de Hunos e Ostrogodos,

sob a chefia de Uldino e de Sarus, mercenários ao serviço de

39

Honório. Em toda esta confusão, os Lombardos na Panônia

tiveram de se armar para a defesa da própria liberdade, de vez

que já os Romanos não eram capazes de o fazer.

Então Stilicão, pretendendo fazer-se coroar

imperador, proporcionou uma prefeitura militar a Alarico e

mandou-o para o Oriente, ao serviço de Honório, Imperador

do Ocidente, entregando-lhe algumas tropas Romanas, a fim

de aumentar a sua força de Godos e prometendo seguir, em

breve, com seu próprio exército. Sua intenção era

reconquistar algumas regiões da Ilíria, que o Imperador do

Oriente era acusado de deter com prejuízo do Ocidente. Mas

seu secreto desígnio era fazer-se imperador, com o auxílio

dos Vândalos e seus aliados: ele próprio era Vândalo. Com o

objetivo de facilitar o seu plano, convidou um grande

exército de povos bárbaros a invadir o Império do Ocidente,

enquanto ele e Alarico invadiam o Império do Oriente. Sob o

comando de vários reis, isto é, os Vândalos, comandados por

Godegésilo; os Alanos em duas corporações, respectivamente

sob as ordens de Goar e de Resplendial; e os Suevos, Quades

e Marcomanos chefiados por Ermerico; estas nações

marcharam através da Rhaetia, para os lados do Rheno,

deixando suas sédes na Panônia aos Hunos e Ostrogodos e

reunindo-se aos Burgúndios chefiados por Gundicar, vindo a

incomodar os Francos em sua marcha final. Por fim, em

Dezembro do ano de 406, passaram o Rheno em Mentz e

derramaram-se pela Germânia Prima e regiões adjacentes.

Entre outras ações, os Vândalos tomaram a Triers. Então

avançaram pela Bélgica e começaram a devastar aquela

região. Em conseqüência disto, os Francos Sálicos dos

Brabante tomaram as armas e, conduzidos por Teodomiro,

filho de Richomer, também chamado Ricimer, opuseram tão

40

tenaz resistência que mataram no campo da luta cerca de

vinte mil Vândalos, inclusive seu rei Godegésilo; o resto

escapou devido aos Alanos de Resplendial, que lhes

trouxeram uma ajuda oportuna.

Então os soldados Britânicos, alarmados pelos

boatos, revoltaram-se e nomearam seus tiranos: primeiro

Marcos, que logo assassinaram; depois Graciano, também

morto em poucos meses; por fim Constantino, sob cujo

comando invadiram a Gália em 408, no que foram

favorecidos por Goar e Gundicar. Tendo Constantino se

apoderado de boa parte da Gália, nomeou César a seu filho

Constâncio e mandou-o à Espanha, em 409, a fim de pôr

ordem nos negócios.

Entrementes, vendo Resplendial o supradito

desastre dos Vândalos, e que Goar se lançara sobre os

Romanos, retirou seu exército do Rheno e, com os Suevos e o

remanescente dos Vândalos, dirigiu-se para a Espanha;

entretanto, prosseguindo em suas vitórias, os Francos

operaram a retomada de Triers, que saquearam antes de a

entregar aos Romanos. A princípio, os Bárbaros haviam

parado nos Pireneus, o que fez com que se espalhassem pela

Aquitânia; mas no ano seguinte tiveram a passagem tomada,

graças à traição de alguns soldados de Constâncio; e entrando

na Espanha no dia 4 de Outubro de 409, conquistaram tudo

quanto puderam. Por fim, em 411, fizeram a partilha de sua

conquista: os Vândalos ficaram com a Bética e parte da

Galícia; os Suevos com o resto da Galícia; os Alanos com a

Lusitânia e a Província de Cartagena. Em homenagem à paz,

o Imperador os confirmou em suas sédes pelo Ato de 413.

Tendo feito Teodomiro rei, os Franco-Romanos

supra mencionados, logo depois da conquista dos Vândalos,

41

começaram a invadir os vizinhos. Os primeiros foram os

Gauleses de Brabante (i.é, “Galli Arborici”, daí o ter sido a

região chamada “Arboricbant” e, por contração, Brabante);

mas não encontrando resistência suficiente, preferiram sua

aliança. Assim aqueles Gauleses, separando-se dos Romanos,

firmaram sólida ligação com os Francos, a fim de se tornarem

um só povo, unindo-se pelo matrimônio e misturando usos e

costumes até não haver mais distinção entre eles. Deste

modo, pela entrada daqueles Gauleses, assim como dos

Francos, que pouco depois vieram para o Rheno, o Reino

Sálico em breve cresceu e tornou-se poderoso.

A expedição de Stilicão contra o Imperador

Grego foi sustada por ordem de Honório; então Alarico

passou do Épiro à Nórica e reclamou certa indenização pelos

seus serviços. O Senado estava inclinado a negar-lhe esta,

porém cedeu ante a interferência de Stilicão. Entretanto,

pouco depois, foi este acusado de conspiração traiçoeira com

Alarico e assassinado no dia 10 de Setembro de 408; em

vista disso, aquela soma foi negada também à Alarico, o qual

foi considerado inimigo do império; em conseqüência,

marchou diretamente para a Itália com o exército retirado do

Épiro e mandou seu irmão Adolfo seguí-lo com as forças

armadas de que dispunha na Panônia, as quais, apesar de não

muito grandes, não eram de se desprezar. Em vista disso, e

porque temesse ser encurralado em Roma, Honório retirou-se

para Ravena no mês de outubro do mesmo ano. E desde

então, esta passou a ser e se tornou a séde dos Imperadores do

Ocidente. Naqueles dias também os Hunos invadiram a

Panônia e, ocupando as sédes desertadas pelos Vândalos,

Alanos e Godos, fundaram aí um novo reino. Avançando

sobre Roma, Alarico sitiou-a, tomou-a no dia 9 de setembro

42

de 410, e, em seguida, naufragou ao tentar passar para a

África. Depois disso, Honório fez a paz e organizou um

exército para atacar o tirano Constantino.

Ao mesmo tempo Gerôncio, um dos seus

capitães, revoltou-se e fez-se Máximo Imperador da

Espanha. Em conseqüência, Constantino mandou Edobec,

outro de seus capitães, levar assistência aos Bárbaros

comandados por Goar e Gundicar, na Gália e reservas de

Francos e Alemães de além do Rheno; então seu filho

Constante cercou Viena, na Gália Narbonense. Adiantandose,

Gerôncio matou Constante em Viena e assediou

Constantino em Arles. Entretanto, ao mesmo tempo, Honório

mandou um exército sob as ordens de Constâncio, com o

mesmo propósito; Gerôncio escapou e Constâncio continuou

o cerco, reforçado pela entrada da maior parte dos soldados

de Gerôncio. Depois de quatro meses de resistência, tendo

Edobec conseguido auxílio, o rei bárbaro de Mentz, Goar e

Gundicar fizeram Jovino o Imperador e, com o mesmo,

mandaram auxílio à Arles. Diante de sua aproximação,

Constâncio retirou-se; perseguiram-no, mas foram derrotados

de surpresa. Como entretanto não tivessem prosseguido

depois dessa vitória, logo os Bárbaros se refizeram, muito

embora não tivessem podido evitar a queda dos tiranos

Constantino, Jovino e Máximo. A Bretanha não pôde ser

reconquistada pelo Império; depois disto ficou sempre um

reino distinto.

No ano seguinte, 412, tendo sido batidos os

Visigodos na Itália, na retirada invadiram a Aquitânia,

devastando-a violentamente, obrigando a retirada dos Alanos

e dos Burgúndios, que então a assolavam. Ao mesmo tempo,

estes foram pacificados e o Imperador lhes deu como herança

43

a região do Rheno, que haviam invadido; parece que outro

tanto foi feito aos Alanos. Mas, pouco depois, os Francos

retomaram Triers e, em 415, Castino foi mandado contra eles

com um exército: derrotou-os e matou seu rei Teodomiro. Foi

esta a segunda tomada de Triers pelos Francos. Entretanto a

mesma foi tomada quatro vezes: uma pelos Vândalos e três

pelos Francos. Teodomiro foi sucedido por Ferramundo,

Príncipe do Rei dos Francos Sálicos da Germânia. Dali,

este trouxe novas forças e reinou sobre todos; tinha sédes

garantidas ao seu povo dentro do Império, perto do Rheno.

Então os Bárbaros se aquietaram, constituiram-se

em vários reinos dentro do Império, não só pela conquista,

mas por concessão do Imperador Honório. Pois Rutilius, em

seu "Itinerario", escrito no outono do Ano Urbis 1169, isto é,

de acordo com os cálculos de Varro, então correntes, no ano

de 416, assim lamenta a devastação dos campos: “...por

aquelas partes muito devastadas por longas guerras”. E

acrescenta: "Destroçadas as herdades por longos incêndios, já

se podiam edificar casas de pastores”. E um pouco adiante:

"Para sempre te sulque o teu Rheno".

E Orosius, no fim de sua história, que foi

concluída em 417, descreve assim a pacificação geral das

nações bárbaras: "Refreavam, apertavam e dominavam povos

ferocíssimos”; chamando-as "imperio addictas" (adicionadas

ao Império), porque se haviam estabelecido no Império numa

liga, e compactadas e refreadas (no original: coangustatas),

porque não mais invadiram as regiões à sua vontade; antes,

pela mesma compacticidade, ficaram sossegadas nas sédes

que lhes haviam sido assinadas.

E estes foram os reinos surgidos dos pés da Besta

e que são representados por ferro e barro misturados, mas que

44

não se ligam um ao outro, pois são de energias diferentes.

45

CAPÍTULO 6

DOS DEZ REINOS

REPRESENTADOS PELOS

DEZ CHIFRES

46

Pelas guerras anteriormente discutidas, o Império

Romano do Ocidente, ao tempo em que Roma foi cercada e

tomada pelos Godos, dividiu-se nos seguintes reinos:

1. dos Vândalos e Alanos, na Espanha e África;

2. dos Suevos, na Espanha;

3. dos Visigodos;

4. dos Alanos, na Gália;

5. dos Burgúndios;

6. dos Francos;

7. dos Bretões;

8. dos Hunos;

9. dos Lombardos;

10. de Ravenos, na Ravena.

Sete destes são assim mencionados por Sigonius:

"No reinado de Honório, os Hunos entraram na Panônia; os

Vândalos, Suevos e Godos, na Espanha; e os Alanos,

Burgúndios e Godos, na França, com direito a certas

habitações”. Acrescentem-se os Francos, os Bretões e os

Lombardos e ter-se-ão os dez: pois estes se erigiram mais ou

menos no mesmo tempo que aqueles.

Entretanto, examinemo-los separadamente:

1. Os reis dos Vândalos eram: em 407,

Godegésilo; ainda em 407, Gunderico; em 426, Geiserico;

em 477, Hunerico; em 484, Gundemundo; em 496,

Trasamundo; em 523, Geiserico; em 530, Gelimer. Os

Vândalos foram conduzidos: por Godegésilo à Gália, em 406;

por Gunderico à Espanha, em 409; por Geiserico à África,

em 427. E Gelimer foi vencido por Belisário, em 533.

47

Seu reino durou na Gália, Espanha e África ao

todo 126 anos. E na África foram muito poderosos. Os

Alanos só tiveram própriamente dois reis na Espanha:

Resplendial e Ataces, também chamado Utacus ou Otacar.

Sob o domínio de Resplendial, entraram na França em 407 e

na Espanha em 409. Ataces foi morto com quase todo o seu

exército por Vália, o rei dos Visigodos, em 419.

Então, os remanescentes Alanos se sujeitaram a

Gunderico, rei dos Vândalos, na Bética, e com estes

passaram depois à África, conforme se lê em Procopius. Por

isso os reis dos Vândalos passaram a se denominar reis dos

Vândalos e Alanos, como se vê no Édito de Hunerico, citado

por Victor na sua "Perseguição Vandálica". Em conjunto com

os Chatti, estes Alanos deram nome a Cathalaunia, ou

Chatti-Alania, atual província de Catalunha. Entre os Alanos

havia também Gépidas; foi por isso que vieram à Panônia

antes que aqueles a deixassem. Aí tornaram-se súditos dos

Hunos até a morte de Átila, em 454, sendo finalmente

dominados pelos Ostrogodos.

2. Foram os seguintes os reis dos Suevos: em

407, Ermerico; em 438, Rechila; em 448, Rechiário; em 458,

Maldra; em 460, Frumário; em 463, Regismundo. Depois de

alguns reis desconhecidos, temos: em 558, Teodomiro; em

568, Miro; em 582, Eubórico; e em 583, Andeca. Depois de

se ter sediado na Espanha, este reino ficou sempre na Galícia

e na Lusitânia. Depois da queda do reino Alano, Ermerico

extendeu-o à toda a Galícia, forçando os Vândalos a se

retirarem para a Bética e para a província Cartaginesa.

Segundo Isidorus, este reino durou 177 anos, tendo sido

então conquistado por Leovigildo, rei dos Visigodos, e

48

transformado numa província de seu reino em 585.

3. Foram os seguintes os reis dos Visigodos: em

400, Alarico; em 410, Ataulfo; em 415, Sergerico e Vália; em

419, Teodomiro; em 451, Torismundo; em 452, Teodorico;

em 465, Eurico; em 482, Alarico; em 505, Gensalarico; em

526, Amalarico; em 531, Téudio; em 548, Teudisclo, etc.

Considero o início deste reino da data em que

Alarico deixou a Trácia e a Grécia, para invadir o Império do

Ocidente. No fim do reinado de Ataulfo, os Godos foram

humilhados pelos Romanos e tentaram passar da França à

Espanha. Sergerico reinou apenas uns poucos dias. No

começo do reinado de Vália, de novo assaltaram os Romanos,

mas foram repelidos mais uma vez, tendo sido feita a paz

com a condição de que, em favor do Império, invadissem os

reinos bárbaros da Espanha. E o fizeram, juntos com os

Romanos, nos anos de 417 e 418, destroçando os Alanos e

parte dos Vândalos. Então receberam do Imperador, como

doação, a Aquitânia, deixando-lhe em troca suas conquistas

na Espanha. Assim, as sédes conquistadas aos Alanos caíram

nas mãos dos Romanos. No ano de 455, assistido pelos

Burgúndios, Teodorico invadiu a Espanha, então quase toda

submetida aos Suevos, tomando-lhes uma parte. Em 506, os

Godos foram postos fora da Gália pelos Francos. Em 585,

conquistaram o reino Suevo e se tornaram senhores de toda a

Espanha. Em 713, foram invadidos pelos Saracenos, mas

logo reconquistaram seus domínios e desde então reinaram na

Espanha.

4. Os reis dos Alanos na Gália foram Goar,

Sambida, Eucárico, Sangibano, Beurgos e outros. Em 407,

49

sob o comando de Goar, invadiram a Gália e em 412

estabeleceram-se perto do Rheno. Sob o domínio de

Sambida, sucessor daquele, segundo Bucher, senão seu

próprio filho, obtiveram o território de Valência, dado por

Aetius, general do Imperador, no ano de 440. Sob o comando

de Eucárico, conquistaram uma região dos rebeldes Gauleses

de Brabante, que a estes havia sido dada pelo mesmo Aetius.

A esta região chamavam "Alancônio, espécie de cabeça de

comarca (“quasi Conventus”) dos Alanos”. No reinado de

Sangibano foram invadidos e Orléans, sua capital, foi cercada

por Átila, rei dos Hunos, com enorme exército de 500.000

homens. Aetius e os reis Bárbaros da Gália vieram para

levantar o cerco e derrotaram os Hunos em memorável

batalha, no ano de 451, em campos Catalúneos, assim

chamados da mistura entre os Chatti e os Alanos. A região é

agora chamada Champagne. Naquela batalha pereceram de

ambos os lados 162.000 homens. Um ou dois anos depois,

Átila voltou com um imenso exército para conquistar este

reino, mas foi novamente batido por eles, junto com os

Visigodos, numa batalha que durou três dias e com uma

carnificina quase igual à primeira. Sob o reinado de Beurgos,

também chamado Biorgor, infestaram toda a Gália até o

reinado do Imperador Máximo. Então passaram os Alpes no

inverno e penetraram na Ligúria, onde foram batidos, e

Beurgos foi morto por Richomer, também chamado Ricimer,

comandante das forças do Imperador, em 464. Outra vez

foram ainda batidos pelas forças reunidas de Odoacro, rei da

Itália e de Quilderico, rei dos Francos, por volta do ano de

480 e ainda por Teudoberto, rei dos Francos-Austríacos, aí

pelo ano de 511.

50

5. Foram os seguintes os reis dos Burgúndios:

em 407, Gundicar; em 436, Gundioc; em 467, Bilimer; em

473, Gundobaldo com seus irmãos; em 510, Sigismundo; em

517, Godomaro. Sob as ordens de Gundicar, invadiram a

Gália em 407, e em 412 obtiveram do Imperador sédes perto

do Rheno, na Gália Belga. Havia Saxões no seu meio e eram

tão poderosos que deles escreveu Orosius em 417, dizendo:

"Hoje as Gálias testemunham que os Burgúndios são um

exército muito poderoso e que, depois de as ocupar, aí se

mantêm”. Por volta do ano 435, Aetius lhes infligiu duros

golpes e em seguida o mesmo lhes fizeram os Hunos. Mas

cinco anos depois, a Sabóia lhes foi abjudicada, a fim de ser

partilhada por seus habitantes; e desde então tornou-se de

novo um reino forte, limitado pelo Ródano e que mais tarde

se extendeu ainda pelo centro da Gália. Gundobaldo

conquistou as regiões ribeirinhas do Araris e do Ródano, com

o território de Marselha; e, invadindo a Itália, ao tempo do

Imperador Glicério, dominou todos os seus irmãos.

Godomaro estabeleceu sua capital em Orleans, e desde então

o reino chamou-se Reino de Aureliano. Foi conquistado por

Clotário e Quildeberto, reis dos Francos, em 526. Daí em

diante, o reino esteve por vezes unido ao dos Francos até o

reinado de Carlos Magno, que fez de seu filho Carolotius o

rei da Burgúndia. Desde esse momento, teve reis próprios

durante cerca de trezentos anos, quando se dividiu no Ducado

de Burgúndia (Borgonha) e nos Condados de Burgúndia e de

Sabóia. Algum tempo depois, ainda se dividiram em

condados menores.

6. Foram os seguintes os reis dos Francos: em

407, Teodomiro; em 417, Ferramundo; em 428, Clôdio; em

51

448, Meroveu; em 456, Quilderico; em 482, Clodoveu, etc.

Windeline e Bucher, os dois melhores pesquisadores das

origens deste reino, fazem-no começar no mesmo ano de

invasão da Gália pelos Bárbaros, ou seja, em 407. Do

primeiro destes reis, a Biblioteca Labbe faz o seguinte

registro:

“Alguns excertos históricos das velhas árvores

genealóticas dos Reis da França: Genobaldo, Marcomero,

Suno e Teodomeris. Estes foram chefes ou “régulos” da

nação dos Francos em diversas ocasiões, desde o princípio.

Mas os historiadores deixaram incerta sua linha genealógica e

de sucessão”.

Pharamundus/ Faramundo: “Sob o domínio

deste seu primeiro rei, sujeitaram-se os Francos às leis

promulgadas por seus principais: Wisogastus, Atrogastus,

Salegastus e Chochilo. Este atravessou o Rheno, venceu os

Romanos na Floresta Carbonária, apoderou-se do Camaraco,

que conservou, reinando durante vinte anos. Durante o seu

reinado os Francos fizeram muitos progresssos”.

Merovechus: “Sob o domínio deste rei os

Francos destroem Treves, incendiam Metz e chegam até

Aureliano”.

Quanto a Genobaldo, Marcomero e Suno,

durante o reinado de Teodósio estes eram capitães dos

Francos TransRhenanos e não nos interessam para fins deste

estudo. Devemos começar com Teodomiro, primeiro rei dos

Sálios rebelados, que Ivo Carnotensis chama Thiedo ou

Theudemerus. Sua efígie existe numa moeda de ouro,

encontrada com a inscrição Theudemir Rex, conforme nos

diz Petavius e que, segundo Windeline, era ainda existente.

Isso mostra que era rei, e rei na Gália; mostra ainda que a

52

rude Germânia ainda não entendia de cunhagem de moedas

nem usava as letras ou palavras latinas. Teodomiro era filho

de Richomer, o favorito do Imperador Teodósio. Assim,

sendo ele um Franco-Romano de sangue real Sálico, foi feito

rei por meio de uma rebelião. Toda a história de seu reinado é

encontrada no “Excerptis Gregorii Turonensis”, de

Fredigarius; os capítulos 5, 6, 7 e 8 apresentam este reinado

como uma série de acontecimentos encadeados, tais como sua

elevação ao trono, a tirania de Jovino, o morticínio dos

partidários de Jovino, a segunda tomada de Triers pelos

Francos e sua guerra com Castino, na qual o rei foi morto.

Eis a seqüência, descrita por Fredigarius:

“Extintos os chefes entre os Francos, são

novamente criados reis da mesma estirpe dos que o eram

antes. Ao mesmo tempo, Jovino toma as insígnias reais.

Constantino foge para a Itália; mas é perseguido até o rio

Mentio pelos emissários do Príncipe Jovino e aí é decapitado.

Por ordem de Jovino, muitos nobres foram presos na

Auvergne e impiedosamente trucidados pelos capitães de

Honório. Pela ação de um dos Senadores, chamado Lúcio, a

cidade de Treves (Trevirorum) foi tomada pelos Francos e

incendiada. Castino, então "Comus Domesticorum", aceita a

expedição contra os francos, etc.”

Na pressa de falar de Teodósio, Fredigarius

acrescenta: “Os Francos, procurando, como anteriormente,

escolherem para si um rei que fosse da linhagem de Príamo,

de Frígio e de Francion, para que reinasse sobre eles,

elegeram a Teodemero, filho de Richomer, o qual foi morto

pelos Romanos, na batalha que acima referi”, isto é, na

batalha com as forças de Castino. Assim é a sua morte

relatada por Gregório Turonensis: "Temos lido, nas

53

consulares, que Teodomiro, rei dos Francos, filho de

Richomer, e sua mãe Aseila foram mortos a espada".

Com essa vitória dos Romanos, os Francos e

Gauleses rebelados, que ao tempo de Teodomiro se

guerreavam mútuamente, fizeram a paz e se uniram, a fim de

se fortalecerem, conforme nos conta Ordericus Vitalis, no

“Apud Bucherum, 50:14, c.9, n.8”: "Como os Gauleses

tivessem sido os primeiros a rebelarem-se contra os

Romanos, os Francos se lhes associaram e, juntos,

escolheram para seu rei a Ferramunduo, filho do capitão

Suno".

Prosper indica-nos a data: "No vigésimo quinto

ano de Honório, Ferramundo reina na França". Com razão é

que observou Bucher que isto se refere ao fim do ano de 416,

ou começo do ano seguinte, desde que se datem os anos de

Honório desde a morte de Valentiniano. E argumenta bem ao

dizer que, então, Ferramundo não só era rei segundo a

constituição dos Francos, mas coroado também por

consentimento de Honório e tinha uma parte da Gália, que

lhe fora concedida por um acordo. Talvez por isto os

escritores romanos o reconhecem como o primeiro rei. Não

compreendendo deste modo, outros escritores o consideram o

fundador deste reino, apoiado num exército de Francos

TransRhenanos. Poderia ter vindo com tal exército, mas foi o

sucessor de Teodomiro, por direito hereditário e pela vontade

do povo. A passagem de Fredigarius, já citada, relatando que

"extintos os chefes entre os Francos, são novamente criados

reis da mesma estirpe dos que o eram antes", implica a

continuação do reino sob essa família, eleita durante o

reinado de mais de um soberano. Se contarmos os anos de

Honório desde a morte de seu pai, o reinado de Ferramundo

54

deve começar dois anos mais tarde do que admite Bucher. As

leis Sálicas, feitas em seu reinado e ainda subsistentes,

mostram, por seu nome, que reinava sobre um reino Sálico e,

pelas multas em dinheiro que as mesmas continham, mostram

que, no lugar onde reinava, o dinheiro era abundante e,

conseqüentemente, era dentro do Império, pois a rude

Germânia, por todo o tempo enquanto não se misturou com

os Romanos, desconhecia o uso do dinheiro. No prefácio das

leis Sálicas, escrito especialmente logo após a conversão dos

Francos à religião cristã, isto é, no final do reinado de

Meroveu, ou pouco depois, a origem deste reino é assim

descrita: "E esse povo forte e poderoso, lutando, sacudiu o

jugo duríssimo dos Romanos, etc." Assim, não foi o reino

estabelecido por uma invasão, mas por uma rebelião, como

ficou descrito.

Fazendo o registro cronológico de seus reis, diz

Prosper: "Ferramundo reina na França; Clôdio reina na

França; Meroveu reina na França"; e não se pode imaginar

senão que em todos estes lugares se referia a uma só e mesma

França. E é certo que a "Francia" de Meroveu era a Gália.

Ainda mais, quando o pai de Ferramundo era rei

de um corpo de Francos na Germânia, no reinado do

Imperador Teodósio, Ferramundo devia reinar sobre os

mesmos Francos na Germânia, antes que sucedesse a

Teodomiro no reino dos Sálicos com o Império e mesmo

antes que começasse o reinado de Teodomiro. Admitimos que

tenha sido no primeiro ano de Honório ou possívelmente

quando aqueles Francos, ao serem expulsos por Stilicão,

perderam seus reis Marcomiro e Suno, um dos quais era pai

de Ferramundo. Então, os Francos Romanos, após a morte de

Teodomiro, deveriam ter convidado Ferramundo, com seu

55

povo de além do Rheno. Mas não queremos considerar o

reino de Ferramundo na Germânia: queremos, isto sim,

admitir o início deste reino a partir da data de seu

estabelecimento dentro do Império e considerá-lo reforçado

pelo acesso de outros Francos vindos de além do Rheno, quer

na gestão deste rei, quer na de seu sucessor, Clôdio. Isto

porque, no último ano do reinado de Ferramundo, Aetius lhe

tomou uma parte das possessões na Gália.

Mas seu sucessor, Clôdio, que Fredigarius

apresenta como sendo filho de Teodomiro, e que alguns

chamam Clógio, Clóvio e Claudio, convidando um grande

corpo de Francos de além do Rheno, recuperou tudo e levou

suas conquistas até o Soame. Dividindo então as conquistas

entre si, aqueles Francos constituíram novos reinos em

Colônia e em Cambray, como em algumas outras cidades,

todos posteriormente conquistados por Clodoveu, que

também expulsou os Godos da Gália e fixou sua capital em

Paris, onde permaneceu desde então. E esta foi a origem do

atual reino da França.

7. Foram estes os reis da Bretanha: em 407 ou

408, Marcos, Graciano e Constantino, sucessivamente; em

425, Vortigern; em 466, Aurélio Ambrósio; em 498, Uther

Pendragon (ou Pendraco); em 508, Artur; em 542,

Constantino; em 545, Aurélio Cunano; em 578, Vortiporeu;

em 581, Malgo; em 586, Carético; em 613, Cadwan; em 635,

Cadwalin; em 676, Cadwallader. Os três primeiros eram

tiranos romanos que se haviam rebelado contra o Império.

Orosius, Prosper e Zósimus ligam sua revolta à irrupção dos

Bárbaros na Gália e como uma conseqüência disto. Prosper,

com quem concorda Zósimus, fixam a revolta no ano

56

começado ao dia seguinte àquela invasão. Assim, fixam a

data certa: Marcos não reinou muitos dias; Graciano, apenas

por quatro meses; e Constantino, por três anos. Foi morto no

ano seguinte a tomada de Roma, isto é, em 411, no dia 14 de

outubro, enquanto que a revolta ocorreu na primavera de

408. Sozomen fixa a expedição de Constantino à Gália na

época da morte de Arcádio, ou pouco depois; e Arcádio

morreu a 1 de maio de 408. Entretanto, apesar de curto, o

reinado destes tiranos deu início ao reino da Bretanha, pelo

que devem ser considerados como seus três primeiros reis,

principalmente porque a descendência de Constantino, a

saber, seus filhos Aurélio Ambrósio e Uther Pendraco e seu

neto Artur reinaram depois. Porque, desde a revolta daqueles

tiranos, a Bretanha continuou como um reino distinto, isento

de submissão ao Império, pois o Imperador não dispunha de

soldados para remeter para lá, a fim de receber e guardar a

Ilha, pelo que a abandonou; é, pelo menos, o que lemos em

registros dignos de fé. Diz-nos Prosper: "Em 410, no

consulado de Variano, pelo poder militar dos Romanos

reduziram-se consideravelmente as forças da Bretanha". E,

aliando isto ao cerco de Roma, diz Sigebert: "As forças da

Bretanha ficaram muito reduzidas; entretanto subtraíram-se

ao domínio dos Romanos", E em seu livro 6, Zósimus diz:

"Os Bárbaros TransRhenanos invadiram todos os lugares,

submeteram os habitantes da ilha da Bretanha, bem como

certos povos Célticos daquela região, que se haviam

subtraído ao Império Romano; e, desde que não mais

obedeciam às leis romanas, viviam à vontade, em grupos

separados. Então, tomando das armas, os Bretões se

aventuraram em busca de sua mesma segurança e livraram

suas cidades da iminência do ataque dos Bárbaros. Deste

57

modo, todo o Brabante e algumas províncias dos Gauleses,

imitando os Bretões, conquistaram sua liberdade, expulsando

os presidentes romanos e organizando-se numa espécie de

comunidade, de acordo com seus gostos. Esta rebelião de

povos Bretões e Celtas ocorreu quando Constantino usurpou

o trono", conclui Zósimus.

Também Procopius, falando do mesmo

Constantino, assim se exprime em “Livro 1 Vandal”: "Tendo

sido vencido na batalha, Constantino foi morto com seus

filhos: E nunca mais os Romanos puderam reconquistar a

Bretanha que, desde então, ficou sob o domínio dos Tiranos".

Segundo Beda, Livro 1, capítulo 2: "Roma foi destruída pelos

Godos no ano de 1164 da fundação de Roma; desde então os

Romanos deixaram de reinar na Bretanha". Também

Ethelwaldus relata: "Ao tempo da conquista de Roma pelos

Godos, cessou o domínio dos Romanos na ilha da Bretanha,

bem como em muitas outras regiões escravizadas ao seu

jugo". E, no sermão nono, de “De Curand Graec Affect", por

volta do ano de 424, Teodoreto reconhece os Bretões entre as

nações que não se achavam submetidas ao Império Romano.

E Sigonius assim se exprime: "Nos anos de 411, depois da

retirada de Constantino, nulo foi na Bretanha o poder dos

Romanos".

Entre a morte de Constantino e o reinado de

Vortigern houve um intervalo de cerca de catorze anos, nos

quais os Bretões estiveram em guerra com os Pictos e os

Scots (Escoceses) e por duas vezes obtiveram a ajuda de uma

Legião Romana, que expulsou o inimigo, mas que não mais

deveria voltar. Sobre o começo do reinado de Vortigern

esse registro numa velha crônica de Nennius, citado por

Camden e outros: "Guortigerno ocupou o poder na Bretanha

58

no consulado de Teodósio e de Valentiniano (ano 425) e no

quarto ano de seu reinado chegaram os Saxões à Bretanha, no

consulado de Felix e de Tauro (ano 428)". Esta vinda dos

Saxões é referida por Sigeberto ao quarto ano de

Valentiniano, que cai no ano de 428, conforme a crônica

acima; e dois anos depois, os Saxões reunidos com os Pictos

foram batidos pelos Bretões. Depois disso, no reinado do

Imperador Matian, isto é, entre os anos 450 e 456, os Saxões,

sob o comando de Heugisto, foram convidados pelos Bretões;

mas, após seis anos, sublevaram-se contra os mesmos,

fizeram-lhe guerra com alguns sucessos, substituindo-os

pouco a pouco. Ainda os Bretões continuaram como um reino

florescente até o reinado de Carético. E entre as duas nações

a guerra continuou até o pontificado de Sérgio, no ano de

688, conforme consta no “Rolevinc Antiqua Saxonia, Livro

2, capítulo 6”.

8. Foram os seguintes os reis dos Hunos: em

406, Octar e Rugila; em 433, Bleda e Átila. Octar e Rugila

eram irmãos de Munzuc, rei dos Hunos na Gothia, para além

do Danúbio; e Bleda e Átila eram seus filhos e Munzuc era

filho de Balamiro. Segundo Jornanus, os dois primeiros

eram reis dos Hunos, mas não de todos eles e os dois últimos

foram seus sucessores.

Considero o reinado dos Hunos na Panónia desde

o momento em que os Vândalos e os Alanos lhes

abandonaram aquela região, em 407; Sigonius o considera

desde quando os Visigodos abandonaram a Panónia em 408.

Diz ele: “Consta que quando os Godos partiram da Ilíria, os

Hunos os sucederam, entraram na Panónia e a ocuparam. E

porque, entre tantas dificuldades, Honório se encontrasse

59

desprovido de forças para lhes resistir e forçá-los a

retroceder, achou mais acertado tomar uma atitude pacífica,

fazer aliança com eles, dar e receber reféns; e entre os que

foram dados recorda-se principalmente Écio [Aetius], que já

havia antes sido dado a Alarico”.

Fredigarius descreve como Aetius foi refém dos

Godos e Hunos. E, ao mencionar que Teodósio, então

Imperador do Oriente, tinha mandado ordens severas a João,

o qual, depois da morte de Honório, havia usurpado a coroa

do Império do Ocidente, acrescenta: “Movido por estes, Écio

[Aetius], que era então o administrador do palácio, com uma

grande quantidade de ouro foi enviado por João aos Hunos,

muito conhecidos ao tempo por suas ciladas, e que lhe eram

ligados por amizade de família”. E, pouco adiante,

acrescenta: “Durante três anos Écio [Aetius] foi prisioneiro

de Alarico, depois dos Hunos e finalmente genro de Carpílio,

ex ‘Comite Domesticorum’ e administrador do palácio de

João”.

Bucher então mostra que Aetius foi refém de

Alarico até o ano de 410, quando este morreu; dos Hunos

entre os anos de 411 e 415; tornou-se genro de Carpílio por

volta de 417 ou 418 e ‘Curopalater’ de lá para os fins de

423. Daí, provavelmente, ter sido feito refém dos Hunos entre

412 e 413, quando Honório fez aliança com quase todos os

povos bárbaros e lhes assegurou sedes. Entretanto, pensamos

com Sigonius que Aetius se tornou refém de Alarico no ano

de 403. É bem manifesto em Prosper que os Hunos tinham

posse pacífica sobre a Panónia em 432. Porque no primeiro

livro da “Crônica de Eusébio”, escreve Prosper: “Dez anos

depois da morte de Honório, e após a batalha com Bonifácio,

tendo Écio [Aetius] recorrido ao patrocínio dos Hunos, então

60

governados por Rugila, e impetrado auxílio, regressou ao

solo dos Romanos”. E no segundo livro diz: “No consulado

de Écio [Aetius] e Valério, pondo de lado a autoridade,

aquele expatriou-se entre os Hunos na Panónia, de cuja

amizade e auxílio se servira e conseguiu a graça dos

principais, para a interrompida autoridade”.

Por aqui parece-me que, ao tempo em que Rugila

– ou Rechila, como o chamou Maximus – reinava sobre os

Hunos na Panónia; e que esta não era bem considerada como

solo do Império, pois tinha sido outrora assegurada aos

Hunos; e que estes eram o mesmíssimo corpo de Hunos com

os quais, ao tempo em que foi seu hóspede, Aetius fez

amizade. Por força disto, tendo solicitado sua ajuda antes da

do tirano João, em 424, assim lhes proporcionou uma

intercessão espontânea junto ao Imperador.

Octar morreu em 430, pois nos diz Sócrates que

por aquele tempo, tendo os Burgúndios sido novamente

incomodados pelos Hunos, tendo conhecimento da morte de

Octar e os vendo sem um chefe, caíram de surpresa sobre

eles e com tanto vigor que, numa só batalha, 3000

Burgúndios mataram 10000 Hunos.

Já falamos de Rugila como rei da Panónia. Este

morreu em 433 e foi sucedido por Bleda, segundo relatam

Prosper e Maximus. Este Bleda e seu irmão Átila eram antes

reis dos Hunos do alto Danúbio, tendo dividido entre si o

reino de seu pai Munzuc; então reuniram aos seus o reino da

Panónia. Por isso diz Paulus Diaconus que “governavam o

reino entre a Panónia e a Dácia”. No ano de 441 começaram a

invadir o Império, reunindo às forças da Panónia novos e

grandes exércitos da Cítia. Mas foi posto um termo à guerra

e, tendo Átila visto Bleda inclinado à paz, assassinou-o em

61

444, herdou os seus domínios e novamente invadiu o

Império. Por fim, após várias guerras importantes com os

Romanos, Átila pereceu no ano de 454. Disputando seus

filhos por seus domínios, deram lugar a que os Gépidas,

Ostrogodos e outros povos seus súditos se revoltassem e lhes

fizessem guerra. No mesmo ano, os Ostrogodos tiveram o seu

estabelecimento garantido na Panónia pelos Imperadores

Marciano e Valentiniano; e, com os Romanos, expulsaram os

Hunos logo após a morte de Átila, no que concordam todos

os historiadores. Tal expulsão se deu no reinado de Avitus,

conforme se encontra em “Choronicum Boiorum” e em

“Carm. 7 in Avitum”, de Sidonius, que assim se refere ao

Imperador: “Este já estava resolvido à guerra, para

reconquistar assim as Panónias, perdidas há muitos séculos”.

Quis dizer este poeta que, com a vinda de Avitus, os Hunos

renderam-se mais facilmente aos Godos. Isto foi escrito por

Sidonius no começo do reinado de Avitus; e seu reino

começou no fim do ano de 455 e não durou nem um ano.

Diz-nos Jornandes: “No décimo segundo ano do

reinado de Vália, aos cinqüenta anos da invasão da Panónia

pelos Hunos, foram estes expulsos pelos Romanos e Godos”.

E assim se exprime Marcellinus: “No consulado de Hiério e

Ardabúrio, a Panónia, que durante cinqüenta anos estivera

ocupada pelos Hunos, foi reconquistada pelos Romanos”. Daí

poderia parecer que os Hunos tivessem invadido e dominado

a Panónia do ano 378 ou 379 até 427, quando teriam sido

expulsos. Porém, isto é puro engano. O certo é que o

Imperador Teodósio deixou o império intacto; e já

mostramos, com Prosper, que em 432 os Hunos estavam em

posse pacífica da Panónia. Naqueles dias nada tinham que

fazer com a Panónia, e os Ostrogodos continuavam

62

submetidos aos Hunos até a morte de Átila, em 454; e Vália,

rei dos Visigodos não reinou doze anos: começou seu reinado

no fim de 415, reinou três anos e foi morto em 419, como se

vê em Idacius, em Isidorus e no “Manuscrito Espanhol”,

citado por Grotius.

Olympiodorus, que leva sua história somente até

o ano de 425, cita a morte de Vália, rei dos Visigodos,

ligando-a à de Constantino, ocorrida em 420. Em

conseqüência disso, o Vália a que se refere Jornandes, e que

reinou pelo menos doze anos, é um “outro rei” qualquer.

Suspeitamos que tal nome tenha sido escrito por engano, em

lugar de Valamir, rei dos Ostrogodos, porque a ação referida

aí era de Romanos e Ostrogodos expulsando os Hunos da

Panónia, depois da morte de Átila. E é improvável que algum

historiador referisse a história dos Ostrogodos nos anos dos

reis Visigodos. Esta ação ocorreu no fim de 455, que

considero como o décimo segundo de Valamir na Panónia, e

que é quase cinqüenta anos após 406, quando os Hunos ali

sucederam aos Vândalos e Alanos.

Quando cessou a linhagem de Hunimundo, filho

de Hermanerico, os Ostrogodos viveram cerca de quarenta

anos dominados pelos Hunos e sem reis próprios. E, quando

Alarico começou a guerrear os Romanos, no ano de 444, fez

Valamir, com seus irmãos Teodomiro e Videmir, netos de

Vinethar, capitães ou reis destes Ostrogodos, por ele

dominados. No décimo segundo ano do reinado de Valamir,

contado daquela época, os Hunos foram expulsos da Panónia.

Os Hunos ainda não haviam sido expulsos, mas

se achavam em luta com os Romanos, quando a cabeça de

Denfix, filho de Átila, foi levada para Constantinopla, em

469, no consulado de Zeno e de Marciano, conforme relata

63

Marcellinus. Também não tinham sido ainda completamente

expelidos do Império: porque além de suas relíquias na

Panónia, diz-nos Sigonius que, quando os Imperadores

Marciano e Valentiniano haviam garantido a Panónia aos

Godos, o que se deu em 454, garantiram parte da Ilíria a

alguns Hunos e Sármatas. E no ano de 526, quando os

Lombardos, agitando-se na Panónia, aí combateram os

Gépidas e os Ávaros, parte dos Hunos que haviam tomado

esse nome de um de seus reis, ajudaram os Lombardos.

Depois disso, quando passaram à Itália, estes deixaram suas

sédes na Panónia aos Ávaros, em recompensa por sua

amizade.

Daí por diante os Hunos tornaram-se muito

poderosos. Seus reis, a quem chamavam Chagan, causaram

grandes perturbações ao Império, durante os reinados de

Maurício, Focas e Heráclio. Esta é a origem do atual reino da

Hungria, o qual, daqueles Hunos e Ávaros misturados, tomou

o nome de Hun-Avaria e, por contração, Hungria.

9. Antes de vir para o Danúbio, eram os

Lombardos comandados por dois capitães: Ibor e Ayon.

Depois da morte destes tiveram os seguintes reis: Agilmundo,

Lamisso, Lechu, Hildehoc, Gudehoc, Clafo, Tato, Wacho,

Walter, Andoino, Alboim, Cleopis e outros.

Agilmundo era filho de Ayon e, segundo Prosper,

tornou-se rei no consulado de Honório e de Teodósio, em

389, reinando trinta e três anos, conforme Paulus

Warnefridus, tendo sido morto em combate pelos Búlgaros.

Prosper coloca sua morte no consulado de Marinianus e de

Asclepiodorus, isto é, no ano de 423.

Lamisso bateu os Búlgaros e reinou três anos,

64

enquanto Lechu reinou quase qüarenta anos. Gudehoc foi

contemporâneo de Odoacro, rei dos Hérulos na Itália; levou

seu povo da Panónia para a Rúgia, região ao norte da Nórica,

pouco acima do Danúbio; daí então Odoacro levou sua gente

para a Itália.

Tato bateu o rei dos Hérulos acima do Danúbio.

Wacho conquistou os Suevos, reinou, então, limitado a leste

pela Bavária, a oeste pela França e ao Sul pela Burgúndia.

Andoino voltou para a Panónia em 526 e aí venceu os

Gépidas. Em 511, Alboin submeteu o reino dos Gépidas e

matou seu rei, Chunnimund. Em 563, ajudou o Imperador

Grego contra Totila, rei dos Ostrogodos na Itália; e em 568

levou seu povo da Panónia para a Lombardia, onde

dominaram até o ano de 774.

De acordo com Paulus Diaconus, os

Lombardos, com muitos outros povos Godos, vieram para o

Império de além do Danúbio, no reinado de Arcádio e de

Honório, isto é, entre os anos de 395 e 408. Mas deveriam ter

vindo um pouco mais cedo: sabemos que, sob comando de

seus capitães Ibor e Ayon, os Lombardos venceram os

Vândalos em combate; e Prosper situa essa vitória no

consulado de Ausonius e de Olybrius, isto é, no ano de 379.

Antes desta guerra, os Vândalos haviam ficado quietos

durante qüarenta anos, nas sedes garantidas na Panónia por

Constantino o Grande. Portanto, se se trata dos mesmos

Vândalos, esta guerra deve ter sido na Panónia e deve ter tido

como causa a chegada dos Lombardos ao Danúbio, na

Panónia, um ou dois anos antes da batalha. Assim foi posto

um fim a um repouso de qüarenta anos.

Depois que Graciano e Teodósio tinham

pacificado os Bárbaros, ou estes se haviam retirado para o

65

Danúbio ou tinham ficado sossegados sob o domínio romano,

até a morte de Teodósio. Então, ou invadiram novamente o

Império, ou rejeitaram toda sujeição. Por suas guerras,

primeiramente com os Vândalos e depois com os Búlgaros,

uma nação Cita, assim chamada a partir do nome do Rio

Volga de onde vieram, parece que já naqueles dias era um

reino não desprezível.

10. O reinado dos Ravenos: Examinados foram

estes nove reinos. Agora devemos considerar o resíduo do

Império do Ocidente. Enquanto ainda continuasse intacto, o

Império do Ocidente era a própria Besta; mas os seus restos

são apenas uma parte sua. Então, se esta for considerada

como um chifre, o reino deste pode datar da trasladação da

capital do Império de Roma para Ravena, o que se deu em

Outubro do ano de 408. Porque, então, o Imperador Honório,

temendo que Alarico o cercasse em Roma, caso ficasse por

ali, retirou-se então para Milão e depois para Ravena. O cerco

e o saque de Roma o levaram a estabelecer ali sua residência,

de modo que os seus sucessores acabara, fazendo de Ravena

a sua capital. Segundo Macchiavel, na sua “Historia

Florentina”, tendo deixado Roma, Valentiniano transferiu a

capital para Ravena.

A Rhoetia pertenceu aos Imperadores do

Ocidente enquanto durou o Império; depois passou, com a

Itália e o Senado Romano, para Odoacro, rei dos Hérulos na

Itália, e depois dele, a Teodorico, rei dos Ostrogodos e seus

sucessores, com a garantia dos Imperadores Gregos. Por

morte de Valentiniano II, os Germanos e Suevos invadiram a

Rhoetia em 455. Mas não encontro traço de nenhum reino

que aí os mesmos tivessem estabelecido, pois, no ano de 457,

66

quando ainda devastavam a Rhoetia, foram atacados e batidos

por Barto, estribeiro mor do rei Maiorano; e nada mais se

fala sobre a sua invasão da Rhoetia. Por volta do ano 496,

Clodoveu, rei da França, conquistou o reino dos Germanos e

matou seu último rei, Ermerico. Mas esse reino estava

situado na Germânia, e apenas se limitava com a Rhoetia;

pois o seu povo fugiu de Clodoveu pelas vizinhanças do reino

dos Ostrogodos, sob o domínio de Teodomiro, que os recebeu

como amigos e em seu favor escreveu uma carta amigável a

Clodoveu. Foi assim que se tornaram habitantes da Rhoetia,

como súditos e sob o governo dos Ostrogodos.

Quando o Imperador Grego conquistou os

Ostrogodos, e os sucedeu no reino de Ravena, não só por

direito de conquista, mas por direito de herança, o Senado

Romano ainda existia nesse reino. Portanto podemos

reconhecer que este reino continuava no Exarcado de Ravena

e Senado de Roma, pois o remanescente do Império do

Ocidente ficou com o Senado de Roma, por direito que ainda

conservou, e por fim exercitou, quando escolhia um novo

Imperador do Ocidente.

Enumerei, pois, os dez reinos em que se dividiu

o Império do Ocidente em sua primeira divisão, isto é,

quando Roma foi cercada e tomada pelos Gregos. Por fim,

caíram alguns destes reinos, e outros se erigiram. Mas, seja

qual for o seu número posteriormente, são ainda chamados

“os dez reis”, de acordo com seu número inicial.

67

CAPÍTULO 7

DO

DÉCIMO PRIMEIRO

CHIFRE

DA

QUARTA BESTA

68

Diz Daniel: “Estava eu contemplando os chifres,

e eis que vi um outro chifre pequeno, que nascia do meio

deles; e três dos primeiros chifres foram arrancadas de

diante dele; e reparei que neste chifre havia uns olhos como

de homem, e uma boca que falava com insolência” (Daniel

7:8) e “se tinha tornado maior do que os outras, e eis que

aquele chifre fazia guerra contra os santos e prevalecia

sobre eles” (Daniel 7:20 e 21). E um anjo aproximou-se e deu

a Daniel a interpretação dessas coisas, dizendo-lhe: “Os dez

chifres deste reino serão dez reis; e depois deles se levantará

outro, e será mais poderoso do que os primeiros, e humilhará

três reis. E falará insolentemente contra o EXCELSO, e

atropelará os santos do ALTÍSSIMO, e imaginará que pode

mudar os tempos e as leis; e os santos serão entregues nas

suas mãos até um tempo, e dois tempos e metade de um

tempo”. (Daniel 7:24 e 25)

Os reis representam os reinos, como já foi dito.

Portanto, o pequeno chifre é um pequeno reino. Era um chifre

da quarta Besta e arrancou três dos primitivos. Por isso

devemos procurá-los entre as nações do Império Latino,

depois do aparecimento dos dez chifres. Mas era um reino

com um rei diferente dos outros, tendo uma vida ou alma que

lhe era peculiar, caracterizada com tendo olhos e boca. Por

seus olhos era, portanto, um Vidente, e por sua boca, falando

insolências e mudando os tempos e as leis, era ao mesmo

tempo um profeta e um rei. Tal vidente, profeta e rei é a

Igreja de Roma.

Um vidente, , é um bispo, no

sentido literal do vocábulo; e essa Igreja reivindica o bispado

69

universal.

Com a boca, dá leis aos reis e nações, assim

como um Oráculo o faz; arroga-se a infalibilidade e pretende

que os seus decretos ou éditos, tidos como Dogmas,

obriguem o mundo inteiro; o que quer dizer que se arroga o

papel de um Profeta no seu mais alto grau.

No oitavo século, destruindo e conquistando o

Exarcado de Roma, o reino dos Lombardos e o Senado e o

Ducado de Roma, adquiriu o ‘Patrimônio de Pedro’ além dos

seus domínios, tornando-se assim um Príncipe ou Rei

temporal, ou chifre da quarta Besta.

Num pequeno livro publicado em Paris em 1689,

sob o título “Dissertação Histórica sobre Algumas Moedas de

Carlos Magno, Ludovicus Pius, e seus Sucessores,

estampadas em Roma” registra-se que, nos dias do Papa Leão

X, havia no Vaticano, e continuava em exposição, uma

inscrição em honra a Pipino, pai de Carlos Magno, nos

seguintes termos: “Foi o piedoso Pipino o primeiro a abrir

caminho à difusão da Igreja Romana, com o Exarcado de

Ravena e com muitas outras dádivas”. Isto é, Pipino, o

piedoso, foi o primeiro a abrir caminho à grandeza de Roma,

concedendo-lhe o Exarcado de Ravena e muitas outras

oferendas.

Antes e durante o reinado dos Imperadores

Graciano e Teodósio, o Bispo de Roma vivia

esplêndidamente; mas isto era, de acordo com o relato de

Ammianus, à custa das senhoras romanas. Depois daqueles

reinados, a Itália foi invadida por nações estranhas e não se

saiu dessas dificuldades antes da queda do reino da

Lombardia. Foi, certamente, pela vitória da Sé de Roma

sobre o Imperador Grego, o Rei da Lombardia e o Senado de

70

Roma, que a mesma adquiriu o “Patrimônio de Pedro” e se

levantou na sua grandeza. A DÁDIVA DE CONSTANTINO

É UMA FICÇÃO, portanto, assim como TAMBÉM o É A

DÁDIVA DOS ALPES COTTIAE ao Papa, por Ariperto, rei

dos Lombardos, mesmo porque os Alpes Cottiae faziam parte

do Exarcado e, ao tempo de Ariperto, pertenciam ao

Imperador Grego, e não ao Romano.

A invocação dos mortos e a veneração de suas

imagens [como sendo a de santos] tinham sido introduzidas

gradativamente nos séculos 4 a 7. Contra a adoração de

imagens declarou-se Filípico, Imperador Grego, já em 711 ou

712. E, para pôr fim a isto, o Imperador Leo Isaurus (Leão

III) convocou uma assembléia de Conselheiros e Bispos no

seu palácio, em 726; a mesma recomendou então um Édito

contra a adoração das imagens e enviou uma carta ao Papa

Gregório II, pedindo a convocação de um Concílio em Roma,

conforme citado por Sigonius em “De Regno Italiae, ad

Ann. 726”. Em conseqüência disto, este Papa convocou um

Concílio em Roma, porém, ao contrário do esperado,

CONFIRMOU A ADORAÇÃO DAS IMAGENS,

EXCOMUNGOU O IMPERADOR GREGO, ABSOLVEU

O POVO POR SUA LEALDADE, proibindo-o de pagar

tributo ou manifestar de qualquer forma sua obediência ao

Imperador. Então o povo de Roma, Campânia, Ravena e

Pentápolis, com as cidades aí compreendidas, revoltou-se,

atacou os magistrados Romanos, matou o Exarca Paulo em

Ravena e pôs abaixo a Pedro, Duque de Roma, que havia

ficado cego. E quando Exileratus, Duque da Campânia,

incitou o povo contra o Papa, os Romanos invadiram a

Campânia e o mataram, bem como a seu filho Adriano. Então

o novo Exarca, Eutíquio, vindo à Napoles, mandou alguns

71

conspiradores secretamente, a fim de tirar a vida do Papa e

dos nobres de Roma. Mas a conspiração foi descoberta e

novamente os Romanos se revoltaram contra o Imperador

Grego e comprometeram-se a defender a vida do Papa e os

seus Estados (i.é, o “Patrimônio de Pedro”), bem como a

obedecer Sua autoridade em todas as coisas. Assim Roma,

com o seu Ducado, inclusive parte da Toscana e da

Campânia, revoltou-se no ano de 726, tornando-se um Estado

livre, governado apenas pelo Senado da cidade. Daí por

diante foi absoluta a autoridade do Senado em assuntos civis,

enquanto que a autoridade do Papa se limitava aos negócios

da Igreja.

Por esse tempo os Lombardos, que eram zelosos

pela adoração das imagens, e pretendiam favorecer a causa

do Papa, invadiram as cidades do Exarcado; por fim, em 752

tomaram Ravena e acabaram com o Exarcado. (Sigonius em

“De Regno Italiae, ad Ann. 726, 752”).

Este foi o primeiro dos três reinos a cair diante

do pequeno chifre da profecia de Daniel.

No ano de 751, o Papa Zacarias depôs a

Quilderico, preguiçoso e inútil rei da França (cf. “De Regno

Italiae, Ann. 750”), o último da linhagem de Meroveu.

Desligando os seus súditos do juramento de fidelidade, deu o

reino a Pipino, que era senão apenas o mordomo do Palácio,

constituindo assim um novo e poderoso amigo. Seu sucessor,

o Papa Estêvão III (cf. “De Regno Italiae, Ann. 753, 754,

755”), sabia tratar melhor o Imperador Grego do que os

Lombardos; Este foi, no ano seguinte, ao rei dos Lombardos

a fim de persuadí-lo de devolver o Exarcado ao Imperador.

Como não fosse bem sucedido, foi até a França e persuadiu

Pipino que este devia tomar dos Lombardos o Exarcado e

72

Pentápolis, A FIM DE OS DAR “À SÃO PEDRO”. Em

conseqüência disto, em 754 Pipino veio com um exército à

Itália e obrigou Astolfo, rei dos Lombardos, a prometer

rendição; mas no ano seguinte Astolfo, ao contrário, para se

vingar do Papa diretamente, cercou a cidade de Roma. Diante

disso o Papa escreveu a Pipino, dizendo-lhe que “SE NÃO

VIESSE A TODA PRESSA contra os Lombardos sitiantes da

cidade, PELO PODER QUE LHE HAVIA SIDO DADO

POR SÃO PEDRO, PIPINO PERDERIA O REINO DE

DEUS E TAMBÉM A VIDA ETERNA”, SENDO

EXCOMUNGADO. Temeroso muito mais da revolta dos

seus súditos, e ainda se sentindo obrigado para com a Igreja

de Roma, que o colocou no Poder, Pipino marchou

rapidamente com um exército sobre a Itália, levantou o cerco,

sitiou os Lombardos em Pávia e os forçou a entregar ao Papa,

por força de sua rendição, o Exarcado e a região de

Pentápolis, em posse perpétua.

Assim o Papa tornou-se Senhor de Ravena e do

Exarcado, com exceção de umas poucas cidades. E as chaves

foram então mandadas à Roma e “postas sobre a confissão de

São Pedro, isto é, sobre o seu túmulo no Altar-mor, em sinal

de verdadeiro e perpétuo domínio, mas por benevolente

piedade do rei Pipino”, como se lê na inscrição de uma

moeda de Pipino, cunhada neste tempo.

Isto aconteceu em 755, e daí por diante os

Papas, como Príncipes de poder temporal, DEIXARAM DE

INSCREVER em suas Cartas e Bulas O ANO REFERIDO

AOS IMPERADORES Gregos, como haviam feito até então.

Depois disto os Lombardos invadiram os

domínios do Papa (cf. “De Regno Italiae, Ann. 773”). Então

o Papa Adriano pediu a Carlos Magno, filho e sucessor de

73

Pipino, que viesse em seu auxílio. Concordando, Carlos

Magno entrou com um exército na Itália, invadiu a

Lombardia, derrubou o trono e tornou-se senhor de suas

regiões, devolvendo ao Papa não só o que lhe havia sido

tomado, mas ainda os restos do Exarcado, que eles

anteriormente haviam prometido a Pipino entregar ao Papa e,

entretanto, não o haviam feito ainda. Deu-lhe ainda outras

cidades Lombardas. Em troca, os Romanos o fizeram

“patrício” e deram-lhe a autoridade de confirmar a eleição

dos Papas. Estas coisas foram feitas nos anos de 773 e 774.

Este Reino dos Lombardos foi o segundo a cair

diante do pequeno chifre visto por Daniel. Mas Roma, que

deveria ser a séde de seu reino, ainda lhe não pertencia.

Tendo sido eleito Papa em 796 (cf. “De Regno

Italiae, Ann. 796”), Leão III comunicou sua eleição a Carlos

Magno, por seus Legados, mandando-lhe de presente as

“chaves de ouro da Confissão de Pedro e a Bandeira da

Cidade de Roma”; as primeiras eram o agradecimento do

Papa pela dádiva das cidades do Exarcado e da Lombardia,

concedidas por Carlos Magno; a bandeira queria dizer que

este Monarca poderia vir e submeter o Senado e o povo de

Roma, como havia feito com o Exarcado e com o Reino dos

Lombardos. Porque, ao mesmo tempo, desejava o Papa que

Carlos Magno mandasse à Roma alguns de seus Príncipes, a

fim de submeter o povo romano e ligá-lo por juramento, em

fidelidade e submissão à Carlos Magno, conforme citado por

Sigonius. Um poeta anônimo, publicado por Boeclerus em

Strasburgo, assim se expressa: “E com súplicas piedosas o

exortou a enviar alguns dos seus principais e pusesse o povo

romano sob seu domínio, comovendo-a a respeitar as alianças

e os grandes juramentos de fidelidade”.

74

Disto surgiu um desentendimento entre o Papa e

a cidade, resultando que, dois ou três anos depois, ajudados

por alguns Clérigos, os Romanos se levantaram com tanto

tumulto contra o Papa, que se criou um novo estado de coisas

em todo o Ocidente. Dois dos Clérigos o acusaram de crimes;

com uma força armada, os Romanos apanharam ao Papa,

despiram-lhe seus hábitos sacerdotais e o prenderam em um

mosteiro. Porém, auxiliado por alguns amigos, este conseguiu

fugir para a Germânia a procura de Carlos Magno, a quem se

queixou dos Romanos, dizendo que os mesmos agiam contra

o Imperador, além de tentarem derrubar a autoridade da

Igreja e reconquistar sua antiga liberdade.

Na ausência do Papa, os seus acusadores, com

aquelas forças de ataque, devastaram as possessões da Igreja

e enviaram a acusação contra Este a Carlos Magno, o qual,

antes do fim do ano, mandou o Papa de volta a Roma com

um grande cortejo de nobres e bispos. Os nobres e bispos da

França, que acompanharam o Papa em cortejo, investigaram

o chefe da acusação em Roma e mandaram, sob custódia, os

seus acusadores para a França Isto ocorreu em 799. No ano

de 800, isto é, o seguinte, o próprio Carlos Magno veio à

Roma e, num dia pré-fixado, presidiu a um Concílio de

Bispos Italianos e Franceses, o qual deveria ouvir a ambas as

partes. Mas, enquanto os adversários do Papa ainda

esperavam ser ouvidos, o Concílio declarou (vide

“Anastasium”) que o Papa era o supremo juiz de todos os

homens e estava acima de qualquer julgamento por quem

quer que fosse, exceto por si próprio; diante disso, o Papa

fez a declaração solene de sua inocência diante de todo o

povo, com o que foi considerado absolvido.

Pouco depois, pela época do Natal, já tinha o

75

povo de Roma feito a eleição de seus Bispos e reconhecido

que ele e o Senado haviam herdado os direitos do antigo

Senado e do Povo de Roma, elegeu Carlos Magno como

Imperador, se submetendo ao mesmo tal qual o velho

Império Romano e seu Senado eram submetidos aos

Imperadores Romanos. O Papa então o coroou e o ungiu

com os santos óleos e prostrou-se de joelhos, adorando-o,

conforme era praticado com os velhos Imperadores Romanos.

Segundo aquele mesmo poeta citado, lemos:

“Depois de proferidos os louvores, o Sumo-Sacerdote o

adorou, como antigamente era costume devido aos

Príncipes”. Por outro lado, o recém-nomeado Imperador fez

ao povo o seguinte juramento: “Eu, Carlos Magno,

Imperador, em nome de Cristo e diante de Deus e do

bem-aventurado Apóstolo Pedro, prometo e me proponho

defender a santa Igreja Romana em todas as ocasiões,

enquanto receber o auxílio divino, como souber e puder”.

Também o Imperador foi feito Cônsul de Roma e

seu filho, também chamado Pipino, foi coroado como Rei da

Itália. Em vista disso, o Imperador passou a chamar-se

Carolus serenissimus, Augustus, a Deo coronatus,

magnus, pacificus, Romae gubernans imperium, ou

Imperator Romanorum. Sua efígie foi, daí por diante,

cunhada nas moedas de Roma.

Quanto àqueles inimigos do Papa, em número de

trezentos romanos e dois ou três Clérigos traidores, foram

condenados à morte. Os trezentos romanos foram degolados

num mesmo dia nos campos de Latrão; mas, por intercessão

do próprio Papa, os três Clérigos foram perdoados e

desterrados para a França. Assim, o título de Imperador

Romano, que até então pertencia aos Imperadores Gregos, foi

76

por este Ato transferido para o Ocidente, aos Reis da França.

Depois disto (citado por Sigonius, em “De

Regno Italiae”), Carlos Magno deu ao Papa a Cidade de

Roma, subordinando-a a Si mesmo, como Imperador de

Roma; passou o inverno organizando os negócios de Roma e

os da Sé Apostólica, bem como os de toda a Itália, quer civis,

quer eclesiásticos, para os quais fez novas leis; no verão

seguinte voltou para a França, deixando a cidade governada

pelo Senado e ambos pelo Papa e por ele próprio.

Mas, ao Carlos Magno saber que as novas leis

por ele decretadas não eram observadas nem pelos juízes que

as deviam aplicar, nem pelo povo que as devia cumprir, e que

os homens importantes escravizavam, tanto homens livres

quanto das Igrejas e dos Mosteiros, para o trabalho em suas

vinhas, campos, pastos e casas, e continuavam a extorquirlhes

gado e vinho e a oprimir aos que serviam nas Igrejas,

escreveu a seu filho Pipino, ordenando-lhe que pusesse fim a

tais abusos, tivesse cuidado com a Igreja e vigiasse para que

as leis fossem observadas.

Assim, pois, profeticamente, considero o

Senado, o Povo e o Principado de Roma como o terceiro

reino que o pequeno chifre derrubou e, mesmo, o mais

importante dos três. Porque esse povo elegera o Papa e o

Imperador, e agora, elegendo o Imperador também Cônsul,

foi reconhecido como retendo a mesma autoridade do velho

Senado e do Povo Romano. A cidade de Roma havia sido a

metrópole do velho Império Romano, representada em

Daniel pela quarta Besta. Submetendo o Senado, o Povo e o

Ducado, tornou-se metrópole do pequeno chifre daquela

Besta e completou o Patrimônio de Pedro, que era o reino

representado por aquele chifre.

77

Além disso, essa vitória teve maiores

conseqüências do que as dos OUTROS DOIS REINOS, pois

fortaleceu o Império do Ocidente, o qual continua até os

nossos dias. Colocou o Papa acima da judicatura do Senado

Romano e acima da do Concílio dos Bispos Italianos e

Franceses e mesmo acima de qualquer judicatura humana;

deu-lhe a supremacia sobre as Igrejas do Ocidente e sobre

os seus Concílios no mais alto grau, tornou-a “Maior do

que as outras”. Assim, quando esta nova religião começou a

se estabelecer na mente dos homens, ele não só se agarrou

aos Reis, mas ao próprio Imperador do Ocidente.

É digno de menção o hábito de beijar os pés do

Papa, honra superior àquela tributada aos Reis e Imperadores

e que se estabeleceu historicamente por essa época. Há

alguns exemplos disso no nono século: diz-nos Platina que

“os pés do Papa Leão IV foram beijados, de acordo com o

antigo costume, por todos os que chegavam a sua presença”;

e na opinião de outros, tal hábito foi iniciado por Leão III,

sob a desculpa de que sua mão havia sido contaminada pelo

beijo de uma senhora.

Por esse tempo também os papas começaram a

canonizar santos e a conceder indulgências e perdão. Para

uns, quem começou tais coisas foi Leão III.

É digno de nota que ao longo de 21 anos, entre

775 e 796, Carlos Magno conquistou a Germânia, desde o

Rheno e o Danúbio para o norte até o mar Báltico, e para

leste até o rio Teis e extendeu suas conquistas também à

Espanha, até o rio Ebro. Por essas conquistas, estabeleceu o

fundamento de um Novo Império e, ao mesmo tempo,

propagou a religião Católica-Romana em todos os seus

domínios, obrigando os Saxões e os Hunos, que eram pagãos,

78

a aceitar a fé Romana, e distribuindo suas conquistas no norte

pelos Bispados, garantindo ao Clero a cobrança de dízimos e

ao Papa a ‘moeda de Pedro’. Com tudo isto, a Igreja de Roma

aumentou, enriqueceu-se, exaltou-se e se firmou.

Na já mencionada “Dissertação Histórica sobre

Algumas Moedas de Carlos Magno, Ludovicus Pius, e seus

Sucessores, estampadas em Roma”, há um desenho de uma

peça de Mosaico, que o Papa Leão III mandou fazer em seu

palácio, perto da Igreja de São João de Latrão, em memória

da remessa do estandarte ou bandeira da cidade de Roma,

curiosamente desenhada, à Carlos Magno, e que ainda pode

ser vista estampada naquele livro. No mosaico aparece Pedro

com três chaves no colo; com sua mão direita está estendendo

o Pallium ao Papa, e com a esquerda a bandeira da cidade à

Carlos Magno. Junto ao Papa está a inscrição: SCISSIMUS

D. N. LEO PP; perto do Rei, lê-se: D. N. CARVLO REGI;

e sob os pés de Pedro, o seguinte: BEATE PETRE, DONA

VITAM LEONI PP, ET BICTORIAM CARVLO REGI

DONA. Este quadro dá o título de Rei à Carlos Magno e,

portanto, foi feito quando, supostamente, Pedro estava

entregando o Pallium ao Papa e o Papa mandando a bandeira

da cidade à Carlos Magno, isto é, no ano de 796. As palavras

acima: “SANTISSIMUS DOMINUS NOSTER LEO

PAPA, DOMINO NOSTRO CAROLO REGI” referem-se

à mensagem; e as palavras abaixo “BEATE PETRE DONA

VITAM LEONI PAPAE & VICTORIAM CAROLO

REGI DONA” são uma prece pedindo à Deus a preservação

da vida do Papa e a Vitória do Rei sobre os Romanos. As três

chaves no colo de Pedro significam as chaves das três partes

de seu Patrimônio: a de Roma, com o seu Ducado, que o

Papa reclamava e estava conseguindo, a de Ravena com o

79

Exarcado, e a dos territórios tomados aos Lombardos, esta

última novamente conquistada. Estes são os três domínios,

cujas chaves estavam no colo de Pedro, cuja coroa agora orna

a cabeça do Papa e por cuja conquista se formou o

PEQUENO CHIFRE DA QUARTA BESTA. A entrega de

Pallium ao Papa por Pedro com a mão direita e a referência

ao Papa, antes que ao Rei, naquela inscrição, deve ser

entendida como um reconhecimento da realeza do Papa

acima da dos reis da terra, dignidade esta só então

conquistada por esta época.

Depois da morte de Carlos Magno, seu filho e

sucessor, Ludovicus Pius confirmou, a pedido do Papa, a

doação de seu avô e de seu pai à Sé de Roma. Confirmandoa,

nomeia em primeiro lugar Roma com seu Ducado (cf.

citado no recital de confirmação em “De Regno Italiae, Ann.

817”), estendendo-a até à Toscana e à Campânia, depois ao

Exarcado de Ravena com a Pentápolis e, em terceiro lugar,

os territórios tomados aos Lombardos. São estes as três

conquistas e ele as devia possuir para o uso da Igreja ‘sub

integritate’, completamente, sem que o Imperador aí se

metesse, isto é, sob a jurisdição e poder do Papa, salvo

casos especiais, em que o rei a isso fosse chamado. Esta

ratificação do Imperador Ludovicus foi feita sob juramento.

E assim como o Rei dos Ostrogodos que, em

homenagem ao Imperador Grego de quem possuíra o Reino

da Itália, cunhava em suas moedas a efígie do Imperador no

anverso e a própria no reverso, também mesmo fez o Papa,

em reconhecimento ao Imperador do Ocidente. Desde então,

e por muito tempo, os Papas começaram a cunhar moedas, e

estas traziam a efígie dos Imperadores Carlos Magno,

Ludovicus Pius, Lotharius e seus sucessores de um lado, e no

80

reverso a inscrição do Papa.

81

CAPÍTULO 8

DO PODER DO

UNDÉCIMO CHIFRE

DE MUDAR

OS TEMPOS E AS LEIS

82

No reinado do Imperador Grego Justiniano e, de

novo, no reinado de Focas, os Bispos de Roma obtiveram

algum domínio sobre as Igrejas Gregas, mas não de longa

duração. Seu domínio permanente foi apenas sobre as

nações do Império do Ocidente, representado pela quarta

Besta de Daniel. Tal jurisdição foi estabelecida pelo seguinte

édito dos Imperadores Graciano e Valentiniano (Vide “Anais

de Baronius, Ano 381, Seção 6”), como se lê abaixo:

“Segundo determinação de Dámaso, queremos

que, quem quer que seja condenado por um Concílio de cinco

ou de sete Bispos, ou pela opinião de pessoas católicas, e

relutante em apresentar-se ao juízo sacerdotal, seja remetido

ao juízo episcopal pelos ilustres Prefeitos do Pretório da

Gália e da Itália, ou os seus substitutos, ou ainda pelos

Cônsules ou vigários, e que venham a Roma sob guarda. Ou,

se se verificar crime de monta em lugares muito afastados,

seja o caso levado ao exame do Metropolitano da mesma

província do Bispo. Mas, se o criminoso for o próprio

Metropolitano, sem demora seja este levado à Roma ou aos

juizes designados pelo Bispo de Roma. E, em caso de

suspeita de crime atribuído aos Metropolitanos ou a

quaisquer sacerdotes, recorra-se ao Bispo Romano ou ao

Concílio de quinze Bispos das vizinhanças. E o que for

resolvido depois do exame, isto seja respeitado”.

Este édito, que aparece sem os nomes de Valente

e de Teodósio no cabeçalho, foi feito no período que

entremeou seus reinados, isto é, no fim do ano de 378 ou

começo de 379. Era dirigido aos Prefeitos Pretórios da Italia e

Gália e, conseqüentemente, tinham caráter geral, pois o

Prefeito Pretório da Itália governava não só a Itália, mas

83

também a Ilíria Ocidental e a África, enquanto que o Prefeito

Pretório da Gália governava não só a Gália, mas também a

Espanha e a Bretanha.

A concessão de tal jurisdição ao Papa deu

oportunidade para que muitos lhe escrevessem quando

deviam resolver sobre casos duvidosos, aos quais respondia

mediante cartas decretais. E daí por diante o Papa legislou

para as Igrejas Ocidentais por meio de tais Cartas Papais.

Escrevendo Himerius, Bispo de Tarragonha,

capital de uma província da Espanha, ao Papa Dámaso,

pedindo-lhe instruções sobre certos assuntos eclesiásticos, a

carta só chegou a Roma depois da morte daquele Papa, em

384. O Papa Sirício, seu sucessor, deu-lhe resposta com

autoridade legislativa, dizendo-lhe, com respeito a um dos

assuntos:

“Proíbo que tal se faça, pois os decretos gerais já

haviam sido enviados às Províncias pelo meu predecessor

Libério, de veneranda memória”. E de outro, assim se

referiu: “Saibam achar-se despojados de todas as honras

eclesiásticas, de que se tornaram indignos pela autoridade da

Sé Apostólica”. E de um terceiro assunto, decretou: “Saibam

os Sumos-Sacerdotes Pagãos, de todas as Províncias, que, se

alguns desses se elevarem às ‘ordens sacras’, do seu ou de

outros Estados, em atitude contrária aos Cânones ou às

Nossas Interdições, será lavrada competente sentença pela Sé

Apostólica”.

E assim o Papa Sirício conclui esta sua Carta

Papal: “... exortamos o teu espírito fraterno a que observes os

Cânones e cada vez mais guardes as Decretais: por isto

respondemos à tua consulta, para que dês conhecimento dela

não só à Todos os Bispos de tua diocese, mas também à todos

84

os Cartagineses, Béticos, Lusitanos e Gauleses (povos da

Gália) bem como àqueles cujas províncias te são vizinhas, às

quais é de salutar efeito que recebam as Nossas Ordenações

através das tuas letras. E, ainda, reiterando que nenhum

sacerdote do Senhor deva ignorar quanto é estabelecido pela

Sé Apostólica e pelos Cânones veneráveis, é contudo

conveniente, já pela antigüidade do teu sacerdócio, já para a

tua própria glória, que aquilo que em geral te é escrito

diretamente, por tua solicitude seja comunicado a todos os

nossos irmãos; enquanto o que por nós é instituído, não

irrefletidamente, mas com segurança e muita cautela,

permaneça inviolável e que, para o futuro seja fechada a porta

à todas as ‘excusas’, para que nada fique ‘exposto’. Dado a 3

de Fevereiro de 385, sendo cônsules os ilustríssimos senhores

Arcádio e Bautone

No reinado de Joviano ou de Valentiniano I, o

Papa Libério mandou Decretos gerais às províncias,

ordenando que os Arianos não deveriam ser rebatizados. E o

fez de acordo com a resolução do Concílio de Alexandria, de

que nada mais se lhes deveria exigir (aos Arianos) do que a

renúncia às suas opiniões. Diz-se que o Papa Dámaso

decretou, num Concílio Romano, que impostos e dízimos

deveriam ser pagos sob pena de maldição (anátema) e que no

fim dos Salmos dever-se-ia sempre dizer ou cantar: “Glória

ao Pai, Glória ao Filho e ao Espírito Santo, Amém”.

Mas a primeira Carta Decretal ainda

conservada é esta de Sirício, pela qual o Papa o fez Seu

Vigário sobre a Espanha, promulgando seus Decretos e

insistindo que os mesmos fossem observados. Os Bispos de

Sevilha por vezes foram Vigários do Papa: pois assim escreve

Simplício ao Bispo Zenon: “Alegrando-nos, pois, com tais

85

indícios, julgamos oportuno delegar-te a autoridade de

Vigário de nossa Sé, para que, revestido de tal poder, de

modo algum permitas sejam transgredidos nem os Decretos

Apostólicos, nem as lições dos santos Padres”.

E o Papa Hormisda fez o Bispo de Sevilha seu

Vigário na Bética e na Lusitânia (Hromisd., em “Cartas 24 e

26”) e ao Bispo de Tarragonha fez seu Vigário sobre todo o

resto da Espanha, como se compreende a partir de suas

respectivas Cartas.

Em sua Carta decretal à Victrícius, Bispo de

Ruão, na França, em 404, em prosseguimento ao Édito de

Graciano, o Papa Inocêncio I baixou o seguinte decreto: “Se,

porém, surgirem contendas entre os Clérigos, quer de ordens

maiores, quer de menores, estas sejam resolvidas, de acordo

com o Sínodo de Nicéia, pela congregação dos bispos da

mesma província; e a ninguém da Igreja Romana, cujo

respeito deve ser guardado em todas as coisas, seja lícito ir

para outras províncias, deixando esses sacerdotes que na

mesma província regem a Igreja de Deus pela vontade divina.

E se o fizer, fica privado do ofício do Clericato e será

condenado à perda dos direitos. Desde, porém, que se trate de

causas mais graves, sejam então remetidos à Sé Apostólica,

como prescreveu o Sínodo e exige o Santo Costume, após o

pronunciamento da sentença episcopal”.

Por estas cartas, parece-me que a Gália estava

então submetida ao Papa e assim o tinha sido por algum

tempo; e que aquele Bispo de Ruão era então o seu Vigário,

ou um deles: pois o Papa lhe diz que dirija as causas maiores

à Sé de Roma, de acordo com o costume. Entretanto, pouco

depois, o Bispo de Arles tornou-se Vigário do Papa para toda

a Gália; pois em 417, ordenando o Papa Zósimo que ninguém

86

tivesse acesso a sua pessoa sem as credenciais de seus

Vigários, conferiu a Patroclo, Bispo de Arles, tal autoridade

para toda a Gália, nos termos do seguinte decreto:

Zósimo à Todos os bispos constituídos na Gália

e nas Sete províncias: Assim decreta a Sé Apostólica que, se

alguém de qualquer parte da Gália, de qualquer grau

eclesiástico, pretende vir a nós em Roma, ou ir a qualquer

outra parte, não o faça sem que os Bispos Metropolitanos

hajam recebido as Cartas, com as quais fique provado o seu

sacerdócio e o lugar de seu exercício. Teremos isto por

estatuto, pelo fato de que muitos falsos Bispos, presbíteros e

eclesiásticos, não possuindo qualquer documento, pelo que

possam ser recusados, se insinuam à veneração e recebem

indevida reverência. Qualquer, pois, ilustríssimo irmão, que

se nos apresente sem as ditas cartas, seja ele Bispo,

presbítero, diácono ou de graus imediatamente inferiores,

saiba que não será por nós recebido. É necessário tornar esta

ordem conhecida em todas as regiões, para que seja

observado aquilo que decretamos por estatuto. E se alguém,

por sua própria vontade, a infringir temerariamente, saiba que

fica privado de Nossa Comunhão. Mas este privilégio das

Cartas nós o concedemos a Patroclo, nosso santo irmão e

nosso Bispo, em atenção aos seus méritos especiais”.

Que o Bispo de Arles era por vezes o Vigário do

Papa em toda a França é afirmado também por todos os

Bispos da Diocese de Arles em sua carta ao Papa Leão I: “A

quem tanta honra e dignidade foram concedidas, não só para

governar estas províncias com autoridade própria, mas

também, por delegação da Sé Apostólica, manter as Gálias

sob toda a regra eclesiástica”.

Em 556, diz o Papa Pelágio I, em sua Carta a

87

Sapandus, Bispo de Arles: “Desejando, com o valioso favor

de Deus, seguir as pegadas dos nossos antepassados e imitar

todos os seus atos, impomos à tua caridade, para toda a Gália,

a representação da Sé Apostólica, a que presidimos pela

graça divina”.

Por influência do mesmo Édito Imperial, não só

a Espanha e a Gália, mas ainda a Ilíria sujeitaram-se ao Papa.

Dámaso fez de Acholius, então Bispo da Tessalônica,

metrópole da Ilíra Oriental, o seu Vigário auditor das causas;

em 382, Acholius, notificado por aquele Papa, veio à um

Concílio em Roma. O Papa Sirício, seu sucessor, decretou

que na Ilíria nenhum Bispo poderia ser ordenado sem o

consentimento de Anísio, sucessor de Acholius. E os Papas

seguintes deram a Rufo, sucessor de Anísio, o poder de

convocar Concílios Provinciais, pois, nas “Coleções de

Holstenius” há o relato de um Concílio de Roma, convocado

na gestão do Papa Bonifácio II, no qual foram exibidas Cartas

Decretais de Dámaso, de Sirício, de Inocêncio II, de

Bonífácio I e de Celestino, Bispos de Roma, à Acholius e à

Rufo, Bispos da Tessalônica, nas quais Aqueles dão ordens

para ouvirem as causas na Ilíria, ordens, que são concedidas

pelo Senhor e pelos Santos Cânones à Sé Apostólica, sobre

toda aquela Província.

Eis o que o Papa Sirício diz em sua Carta à

Anísio: “Há tempos te escrevemos, ilustríssimo irmão, por

intermédio do Bispo Candidiano, que nos precedeu na

presença do Senhor, a respeito de não ser facultada à Iliria a

pretensão de se ordenarem bispos sem o seu consentimento:

Carta esta que ele não pôde saber se havia efetivamente

chegado às tuas mãos. Na verdade muitas coisas foram feitas

pelos Bispos, no tocante às ordenações, com o espírito de

88

luta, o que a tua caridade conhece melhor... Para refreares

toda a audácia dessa natureza, deves vigiar a tua solicitude,

abrasando-te no amor do Espírito Santo, de modo que ou tu,

se for possível, ou quem dos Bispos tu julgares idôneo, com o

teu consentimento escrito, possa ordenar, segundo os

Estatutos do Sínodo de Nicéia e da Igreja Romana, como

Bispo Católico a um Clérigo digno do clero, de vida e

costumes provados, para suceder ao falecido ou ao deposto”.

O Papa Inocêncio I, em sua Carta à Anísio, diz:

“...A quem (Anísio) os Bispos predecessores de

tão ilustre homem, isto é, Dámaso, de santa memória, Sirício,

como também o precitado homem, mandaram que seja

comunicado tudo quanto ocorrer em todas aquelas regiões”.

E na Carta a Rufo, sucessor de Anísio, diz:

“Assim, observados os intervalos por nós marcados às

igrejas, aprende a consultar, a fim de que com prudência e

seriedade possas cuidar das coisas que ocorrerem nas igrejas

da Acaia, da Tessália, do Antigo Épiro, do Novo Épiro, de

Creta, da Dácia Central, da Dácia Marítima, da Mésia, da

Dardânia e da Provália. E se Cristo o aprovar, nós também o

aprovamos. Realmente, é devido aos Seus sacratíssimos

conselhos que recomendamos - à tua sinceridade, prudência e

virtude - este Cuidado, não decretando isto de nossa

iniciativa, senão imitando aos nossos predecessores

Apostólicos, que confiaram este encargo aos felicíssimos

Acólio e Anísio, dados os seus méritos”.

Na Carta decretal à Rufo e aos outros Bispos da

Ilíria, diz Bonifácio I: “Ao Bispo de Tessalônica delegamos a

nossa autoridade e, como já disse reiteradamente, ninguém

ouse ordenar sem seu consentimento”.

E o Papa Celestino, na sua decretal aos Bispos da

89

Ilíria assim se exprime: “Rufo é o nosso delegado para a

vossa Província; à ele, pois, deveis levar quaisquer causas.

Ninguém seja ordenado sem o seu conselho; sem o seu

conhecimento ninguém ouse administrar a Província; e sem a

sua vontade ninguém congregue os Bispos”.

E na causa relacionada a Perigenes, no título de

sua Carta, assim estão enumeradas as Províncias sujeitas

àquele Bispo: “À Rufo e aos demais Bispos instituídos para a

Macedônia, Acaia, Tessália, Velho Épiro, Novo Épiro,

Prevália e Dácia”.

Numa decretal aos mesmos Bispos, assim diz o

Papa Xisto: “Todas as igrejas da Iliria, conforme as

recebemos de nossos predecessores, e também nós o fizemos,

estão atualmente sob os cuidados do Bispo de Tessalônica,

para que, por sua solicitude, haja unidade entre os irmãos, e,

como de costume, observe e ponha termo às ações; e à Ele

sejam referidas as ações de cada sacerdote. Haja Concílio

sempre que for o caso e toda vez que, à vista de urgente

necessidade, seja determinado”.

Já na sua Carta decretal à Anastácio, Bispo de

Tessalônica, assim escreve o Papa Leo I: “Mas, assim como a

cada Metropolitano é dado o poder de ordenar em suas

Províncias, também queremos que ordenes os

Metropolitanos, todavia com julgamento maduro e acabado”.

A Ilíria Ocidental compreendia as duas Panônias,

a Sávia, a Dalmácia, a Nórica Central e a Nórica Marítima;

sua metrópole era Sirmium, e assim foi até que Átila a

destruiu. Depois, Laureacum tornou-se a capital da Nórica e

das duas Panônias, e Salona tornou-se a capital da Dalmácia.

Então, conforme “Caroli a S. Paulo-

Geographiam sacram, págs. 72 e 73”, os Bispos de

90

Laureacum e de Salona recebiam o Pallium do Papa; e

Zósimo, na sua Carta decretal à Hesíquio, Bispo de Salona,

diz-lhe “que denuncie os decretos apostólicos não só aos

Bispos de sua circunscrição, como aos das Províncias

vizinhas”.

Parece que a submissão dessas Províncias à Sé

de Roma começou com Anémius, consagrado Bispo de

Sirmium por Ambrósio, Bispo de Milão, o qual, no Concílio

de Aquileia, presidido pelo Papa Dámaso em 381, declarou

sua sentença nestes termos: “A capital da Ilíria não é senão a

cidade de Sírmium. Eu, pois, sou o Bispo daquela cidade.

DECLARO EXCOMUNGADO A QUEM NEGAR QUE O

FILHO DE DEUS É ETERNO E COETERNO AO PAI

SEMPITERNO”.

No ano seguinte Anémio e Ambrósio, com

Valeriano, Bispo de Aquileia, Acholius, Bispo de Tessalônica

e vários outros, foram ao Concílio de Roma, que se reuniu

para dominar a Igreja Grega por maioria de votos e exaltar a

autoridade da Sé Apostólica, como já fora tentado no

Concílio de Sárdica.

Aquileia era a segunda cidade do Império do

Ocidente e por alguns era chamada a “segunda Roma”. Era a

metrópole da Ístria, do Forum Julium e da Venécia; sua

submissão à Roma era manifesta pela Carta decretal de Leão

I, dirigida a Nicetas, seu Bispo, em 458, pois assim começa a

Epístola do Papa:

“Tendo regressado à nós o nosso filho Adeodato,

Diácono de nossa Sé, conta haver rogado à tua caridade que

aceitasse de nós o poder da Sé Apostólica no que se refere a

estas coisas que, certamente, parecem trazer grande

dificuldade de julgamento”. Em seguida responde a algumas

91

perguntas de Nicetas e por fim conclui: “Depois farás chegar

esta nossa carta, enviada para consulta à tua fraternidade, à

todos os irmãos e aos bispos de tua província, para que a

autoridade concedida seja útil na observância de todas as

coisas”.

Em 591, Gregório Magno citou Severo, Bispo de

Aquileia, a vir à sua presença, para ser julgado por um

Concílio em Roma (cf. “Greg. M.Lib. 1, indic. 9, Epist. 16”)

Os Bispos de Aquileia e de Milão criavam-se

reciprocamente e, pois, tinham a mesma autoridade e a

mesma submissão à Sé de Roma. Em 557, o Papa Pelágio o

testemunha (cf. “Apud Gratianum, de Mediolanensi &

Aquileiensi Episcopis”) nas seguintes palavras: “Era antigo

costume que, não podendo tomar ordens do Apostólico (o

Papa), devido à distância e dificuldades do caminho, os

Bispos de Milão e de Aquileia se ordenavam

reciprocamente”.

Tais palavras implicam que a ordenação desses

dois Bispos pertencia à Sé de Roma. Lourenço, Bispo de

Milão (cf. “Greg. M. Lib. 3, Epíst. 26, & Lib. 4, Epíst. 1”),

havia excomungado a Magno, um de seus presbíteros; e

tendo falecido aquele, o Papa Gregório Magno absolveu (cf.

“Lib. 5, Epíst. 4”) o presbítero e mandou o Pallium à

Constantino, recém-eleito Bispo. No ano seguinte,

repreendeu a este por parcialidade no julgamento de

Fortunato (cf. “Lib. 9, Epísts. 10 e 67”) e ordenou que este

viesse à Roma para aí ser julgado. Quatro anos depois,

nomeou os Bispos de Milão e Ravena para ouvirem a causa

de Máximo; e, dois anos mais tarde, ou seja em 601, -

quando, por morte de Constantino, o povo de Milão havia

eleito Deusdedit como seu sucessor (cf. “Lib. 11, Epísts. 3 e

92

4”), e os Lombardos tinham escolhido um outro, - Gregório

escreveu ao Notário, Clérigo e Povo de Milão, que, “pela

autoridade de suas letras, Deusdedit devia ser ordenado e que

aquele que os Lombardos tinham ordenado era indigno

sucessor de Ambrósio”.

Disso se conclui que a Igreja de Milão havia

continuado no estado de subordinação à Sé de Roma desde os

dias de Ambrósio, pois o próprio Ambrósio reconhecia a

autoridade daquela Sé:

“A Igreja Romana, cujo tipo e forma em tudo

seguimos, não tem este costume ... e desejo em tudo seguir a

Igreja Romana.” (cf. “Ambros. Lib. 3 – de sacramentis, C.

1”) E, comentando o capítulo terceiro da Primeira Carta de

Paulo à Timóteo, diz ainda: “Desde que o mundo inteiro é de

Deus, diz-se que Sua casa é a Igreja, da qual Dâmaso é hoje o

chefe”. E em sua oração pela morte de seu irmão Sátiro,

conta como este, tendo ido a uma certa cidade na Sardenha,

“chamou o Bispo local e lhe perguntou, interessado, se estava

de acordo com os Bispos católicos, isto é, com a Igreja

Romana”. E, em conjunto com o Sínodo de Aquileia, em 381,

numa Carta sinodal ao Imperador Graciano, diz ele:

“Tivemos necessidade de rogar à Vossa Clemência que não

permitisse ser perturbada a Igreja Romana, cabeça de todo o

mundo romano e da sacrossanta fé dos Apóstolos, de onde,

com efeito, dimanam todos os direitos da veneranda

comunhão”.

Assim, pois, as Igrejas de Aquileia e de Milão

estavam subordinadas à Sé de Roma desde os dias do

Imperador Graciano.

Auxêncio, o predecessor de Ambrósio, não estava

sujeito à Sé de Roma. Conseqüentemente, esta submissão da

93

Igreja de Milão teve início com Ambrósio. A Diocese de

Milão compreendia a Ligúria, com a Insúbria, os Alpes

Cottiae e a Rhoetia e era dividida da Diocese de Aquileia

pelo rio Addua. No ano de 844, o Bispo de Milão rompeu

com a Sé de Roma e esta separação continuou durante

duzentos anos, segundo o relato de Sigonius (em “de Regno

Italiae, Lib. 5”):

“No mesmo ano, Angilberto, Arcebispo de

Milão, por motivo pouco averigüado, separou-se da Igreja

Romana; e tanto influiu com esse exemplo que só depois de

duzentos anos a Igreja de Milão voltou-se à obediência e à

autoridade da Igreja Romana”.

O Bispo de Ravena, metrópole da Flamínia e da

Emília, também estava subordinado ao Papa pois, no ano de

417, Zósimo excomungou alguns presbíteros daquela Igreja e

escreveu uma Carta de comunicação ao seu Clero como

sendo um ramo da Igreja de Roma. Diz ele: “Na sua, isto é,

na nossa Igreja Romana, etc.”. Quando o povo de Ravena

elegeu um novo Bispo e deu notícia disto ao Papa Xisto, este

o pôs de lado, ordenando em seu lugar a Pedro Crisólogo (cf.

“Baronius. Op. Cit. Anno 433, sect. 24”).

Em sua Carta à Eutíquio, conservada nos “Atos

do Concílio de Calcedônia”, escreveu Crisólogo: “Por amor à

paz e à lealdade, não podemos ouvir as causas da fé sem o

consentimento do Bispo da Cidade de Roma". Consultado

por Leão, Bispo de Ravena, sobre algumas questões, o Papa

Leão I lhe respondeu por meio de uma Carta decretal, datada

do ano de 451. E o Papa Gregório Magno, repreendendo a

João, Bispo de Ravena, a respeito do uso do Pallium (cf.

“Greg. M. Lib. 3, Epíst. 56, 57 e Lib 5. Epísts. 25 e 56”), dizlhe

de um preceito de um de seus predecessores:

94

"Determinando que deviam ser conservados todos os

privilégios anteriormente concedidos ao Bispo e à Igreja de

Ravena, ao que João deu uma resposta submissa"; e, depois

da morte de João, o Papa Gregório ordenou a visitação da

Igreja de Ravena, confirmou os privilégios concedidos antes

disso e mandou o seu Pallium conforme um antigo costume,

ao novo Bipo, Mariniano.

Esta Igreja ainda se separou algumas vezes da de

Roma, mas sempre voltou à sua obediência.

O resto da Itália, com as ilhas adjacentes,

contendo as regiões suburbanas, ou dez Províncias sob o

poder temporal do Vigário de Roma, isto é: a Campânia; a

Toscana e a Úmbria; a Picenun Suburbicarium; a Sicília; a

Apúlia e a Calábria; a Brutii e Lucânia; a Samnium; a

Sardenha; a Córsega; e a Valéria. Estas dez constituíam

própriamente as províncias do Bispado de Roma. Aliás, no

seu ‘quinto canon’, o Concílio de Nice determinava a

realização de Concílios em cada província, durante a

primavera e o outono. De acordo com este ‘canon’, os bispos

das províncias deviam encontrar-se em Roma de seis em seis

meses. Neste sentido, o Papa Leão I aplicou o canon à Roma

e, numa Carta decretal aos Bispos da Sicília, escrita no

Consulado de Alípio e de Ardabúrio Coss, em 447, diz:

"Porque os santos padres salutarmente

ordenaram que todos os anos houvesse duas reuniões em cada

uma das províncias, três de vós devereis sempre acorrer à

Roma três dias antes do mês de outubro. E tal prática vós a

deveis observar francamente. Pois que, assim, com a ajuda da

graça de Deus, mais serão evitados escândalos e erros na

Igreja de Cristo, e porque da discussão conjunta na presença

do Apóstolo Pedro resultará que todos os decretos canônicos

95

permaneçam inviolados por todos os Sacerdotes do Senhor".

Assim, pois, a Província de Roma compreendia a

Sicília, parte da Itália e as ilhas circunvizinhas, pois

anualmente mandavam os Bispos aos Concílios anuais de

Roma: mas não se estendia às Províncias de Ravena,

Aquileia, Milão, Arles e outras. Estas tinham seus próprios

Concílios.

Os Bispos de cada província do Império Romano

eram convocados pelo Metropolitano ou Bispo da capital da

província, o qual presidia o respectivo Concílio; mas o Bispo

de Roma não só presidia o Concílio dos Bispos das regiões

suburbanas: dava ainda ordens aos Metropolitanos de todas

as outras Províncias do Império do Ocidente, como seu

governador universal. Tudo isto se verifica dos exemplos

seguintes:

Em 417, o Papa Zósimo citou a Próculo, Bispo

de Marselha, para que este comparecesse a um Concílio em

Roma, para tratar a respeito de sua ordenação ilegítima; e o

condenou, como se pode ver de várias de suas Cartas. Em

419, à vista de uma representação do Clero de Valência

contra o Bispo Máximo, o Papa Bonifácio I ordenou aos

Bispos de toda a Gália e das Sete Províncias que reunissem

um Concílio contra aquele. E em sua Carta, diz que “assim

agiam os seus predecessores”. O Papa Leão I convocou um

Concílio Geral de todas as Províncias da Espanha, para se

reunirem na Galícia, contra os Maniqueus e os Pricillianos,

conforme diz em sua Carta decretal à Turríbio, um dos

Bispos espanhóis. Numa Carta decretal à Nicetas, Bispo de

Aquileia, ordena-lhe a convocação de um Concílio dos

Bispos daquela Província contra os Pelágios, e a fim de serem

confirmados os Decretos sinodais já ratificados pela Sé de

96

Roma contra aquela heresia. E em sua Carta decretal à

Anastácio, Bispo de Tessalônica, ordenou-lhe que reunisse

anualmente dois Concílios Provinciais, mas que as causas

mais difíceis fossem remetidas à Sé de Roma; e que se em

momentos extraordinários fosse necessário convocar um

Concílio, os bispos não deveriam ser tão incomodados: que

se contentasse com convocar dois Bispos de cada Província e

que os mesmos não fossem convocados por mais de quinze

dias.

Na mesma Carta é descrita a forma de governo

da Igreja, então estabelecida e consistente na subordinação à

Sé de Roma:

"Desta maneira também nasceu a distinção dos

Bispos e foi largamente previsto que nem todos se

considerassem com autorização para todas as coisas; mas

que, em cada província, houvesse alguém a quem coubesse a

sentença de maior autoridade e que, nas cidades grandes,

alguns que fossem designados tomassem um cuidado mais

amplo e, por seu intermédio, chegasse tal cuidado à Sé de

Pedro, única da Igreja universal; e que nada estivesse

truncado de sua cabeça. Quem, pois, se vê colocado à frente

de outros, não se melindre se alguém lhe for preposto; mas

ele próprio preste a obediência que exige; e assim como não

quer levar uma carga pesada, também não se atreva a impôr

aos outros um peso insuportável".

Essas palavras mostram, fartamente, a forma

monárquica de governo então estabelecida nas Igrejas do

Império do Ocidente, sob o domínio do Bispo de Roma, por

meio do Decreto Imperial de Graciano e dos apelos e Cartas

decretais nele baseados.

Tendo o Papa Leão, num Concílio em Roma,

97

lavrado uma sentença contra Hilário, Bispo de Arles, por

aquilo que este havia feito num Concílio Provincial na Gália,

aproveitou a ocasião para, baseado no seguinte Édito de

Valentiniano III, Imperador do Ocidente, estabelecer a mais

absoluta autoridade de sua Sé sobre todas as outras do

Império do Ocidente:

"De Teodósio e Valentiniano, Imperadores

augustos, ao ilustre senhor Écio [Aetius], ajudante, mestre

das duas milícias e patrício, escrevem: É certo que o nosso

amparo e o do Nosso Império está unicamente no favor da

suprema Divindade e, para o merecer, favorecemos, acima de

tudo, a veneranda fé e a religião. Tendo, pois, a autoridade do

Sínodo consolidado o digno primado da Sé Apostólica de São

Pedro, que é o príncipe da Coroa Episcopal e a dignidade da

Cidade de Roma, ninguém se atreva a cometer coisas ilícitas

contra a autoridade dessa Sé, porque, finalmente, só será

guardada a paz das Igrejas em toda parte, quando o mundo

conhecer o seu Chefe. Quando estas coisas até aqui vinham

sendo inviolavelmente observadas, Hilário de Arles, segundo

um relato fiel do venerável Leão, Papa Romano, com

obstinada ousadia tentou coisas que se presumem ilícitas e,

por isso, uma abominável confusão invadiu as igrejas transalpinas,

como o prova principalmente o recente exemplo.

Hilário, que se diz Bispo de Arles, empreendeu,

temerariamente, as ordenações de Bispos, (tarefas) que lhe

não eram devidas sem consultar o Pontífice da Igreja

Romana. Removeu uns sem motivo, ordenou outros indignos

e contra a vontade dos cidadãos. E quando eles não eram

facilmente recebidos por ‘aqueles que os não haviam eleito’,

juntava força armada e punha cerco aos claustros de modo

hostil ou os levava (aqueles Bispos), por meio de guerras,

98

para as suas sedes, onde então pregava a tranqüilidade da

paz. Praticadas estas coisas contra a majestade do Império e

contra o respeito à Sé Apostólica; e, discutidas com

conhecimento por ordem do religioso homem, Papa da

Cidade, com razão foi dada sentença contra ele, por motivo

d’Aqueles que este havia ordenado mal.”

“E a mesma sentença havia de valer para as

Gálias, mesmo sem a confirmação imperial. Pois que há que

não possa a autoridade do Pontífice? Mas esta razão

também provocou em nós uma deliberação violenta. Nem a

Hilário, a quem a benigna autoridade do Bispo de Roma

permite ainda nomear-se Bispo, nem a outro qualquer, seja

mais permitido misturar as armas com as coisas eclesiásticas

ou opôr-se aos preceitos do Bispo de Roma, pois com tais

abusos são ofendidas a fé e a reverência do Nosso Império. E

não só fazemos retirar isto, que é grande pecado, como, para

que não surja confusão entre as Igrejas, nem pareça diminuir

em algo a disciplina da religião, com perene sanção

decretamos não ser lícito aos Bispos da Gália e de outras

províncias a tentar contra o antigo costume, sem a

autoridade do venerando homem, Papa da Cidade

Eterna. Mas tenham por lei, eles e todos, tudo o que

estabeleceu e venha a estabelecer a autoridade da Sé

Apostólica, de tal maneira que se algum dos Bispos,

chamado ao tribunal do Bispo Romano, não comparecer,

pelos Governadores da mesma província seja forçado a

estar presente. Guarde-se, pois, tudo quanto os nossos

divinos genitores augustos concederam à Igreja Romana, oh

Écio [Aetius], pai caríssimo. Pelo que a tua ilustre e preclara

magnificência, pela autoridade do presente Edital, fará

guardar o que acima foi estabelecido e cobrar a nossa multa

99

de dez libras-ouro de cada juiz que permitir a violação das

nossas ordens. Guarde-te Deus, caríssimo pai, por muitos

anos! Dado em Roma, no oitavo dia de Junho do ano de 445,

isto é, oitavo ano do Consulado, por Valentiniano".

Por este Édito, o Imperador Valentiniano

impôs à todas as Igrejas de seu Império a absoluta

obediência ao Bispo de Roma; e declara que qualquer

tentativa dos Bispos no sentido de obter alguma coisa sem a

autoridade do Papa é contrária ao antigo costume, e que o

Bispo intimado a comparecer perante sua judicatura deve aí

ser forçado a ir pelo Governador da Província. Tais

privilégios da Sé de Roma são considerados como concessão

de seus antepassados, isto é, do Édito de Graciano e de

Valentiniano II, como já vimos, e pelos quais, reconhecendo

que o domínio da Igreja de Roma já durava sessenta e seis

anos e que, se em todo esse tempo o mesmo não fora

suficientemente estabelecido, o novo Édito era bastante para

o firmar acima de qualquer dúvida no Império do Ocidente.

Por isso, todos os Bispos da província de Arles,

em 450, pedindo ao Papa Leão a restituição dos privilégios de

seu Metropolitano, dizem: "Pelo bem-aventurado Pedro,

Príncipe dos Apóstolos, a sacrossanta Igreja Romana traz

consigo o principado sobre as Igrejas de todo o mundo".

E Cerácio, Solônio e Verano, três Bispos da

Gália, dizem na Carta “25 apud Holstenium”, dirigida ao

mesmo Papa: "Sentimos crescer inefavelmente a satisfação,

porque ‘aquela página de vossa especial doutrina’ é festejada

de tal maneira nas reuniões privadas de todas as Igrejas que,

realmente, pode ser declarada opinião uniforme de todos; ali

vemos, com razão, estabelecido o principado da Sé

Apostólica, de onde serão tirados os oráculos do espírito

100

apostólico".

E o próprio Leão, em sua Carta aos Bispos

Metropolitanos da Ilíria, diz: "Porque o nosso cuidado se

estende por todas as Igrejas, de nós exigindo isto o Senhor,

que entregou ao bem-aventurado Pedro o primado da

dignidade apostólica, como prêmio da sua fé, e coloca a

Igreja Universal sobre a solidez deste fundamento".

Quando essa Dominação Eclesiástica se achava

em desenvolvimento, as nações bárbaras invadiram o Império

do Ocidente e aí fundaram diversos reinos, de religião diversa

da Igreja Romana. Pouco a pouco, entretanto, esses reinos

foram abraçando a fé Romana, ao mesmo tempo que se foram

submetendo à autoridade do Papa. Os Francos, na Gália,

submeteram-se no fim do quinto século; os Godos, na

Espanha, se submeteram no fim do sexto século; e os

Lombardos, na Itália, foram conquistados por Carlos Magno

em 774. Entre os anos de 775 e 794 o mesmo Carlos Magno

estendeu a autoridade do Papa sobre toda a Germânia e a

Hungria, até o rio Theysse e o Mar Báltico. Então colocou o

Papa acima de qualquer judicatura, deu-lhe assistência, e

lhe submeteu a Cidade e o Ducado de Roma.

Pela conversão dos DEZ REINOS à

RELIGIÃO ROMANA, o Papa apenas tinha alargado o seu

domínio espiritual; mas não tinha ainda surgido como um

"chifre da Besta". Foi o seu poder temporal que o

converteu naquele "chifre". E um tal domínio foi

adquirido na segunda metade do oitavo século, pelo

arrancamento de três daqueles "chifres", como já vimos.

Então, alcançado o poder temporal e um

domínio acima de qualquer judicatura humana, ela "se

tinha tornado maior do que os outros chifres/ reinos” (cf.

101

Daniel 7:20) e "os tempos e as leis DAÍ POR DIANTE

foram entregues nas suas mãos, até um tempo, e dois tempos

e metade dum tempo" (cf. Daniel 7:25), ou sejam, três

tempos e meio proféticos, isto é, por 1260 anos, desde que se

considere como um tempo o ano calendárico de 360 DIAS, e

um dia como um ano solar. Depois disso É QUE "se

realizará o juízo, a fim de que lhe seja tirado o poder" (cf.

Daniel 7:26), não de uma vez, mas gradativamente, "até que

ele seja destruído e pereça para sempre, e seja dado o reino,

o poder e a grandeza do reino, que está debaixo de todo o

céu, ao povo dos Santos do Altíssimo, cujo reino é um reino

eterno, e ao qual servirão e obedecerão todos os reis" (cf.

Daniel 7:27).

102

CAPÍTULO 9

DOS REINOS

REPRESENTADOS

PELO CARNEIRO

E

PELO BODE

103

O segundo e o terceiro Impérios, representados

pelo Urso e pelo Leopardo, são novamente representados

pelo Carneiro e pelo Bode; mas com a diferença que o

Carneiro representa os reinos da Média e da Pérsia desde o

começo dos quatro Impérios e o Bode representa o reino dos

Gregos no fim dos quatro Impérios. Desta maneira, e sob as

alegorias de um Carneiro e um Bode, são novamente

descritos os tempos dos quatro Impérios. Diz Daniel:

"E levantei os meus olhos e olhei; e eis que

estava em pé, diante duma lagoa um carneiro, o qual tinha

uns chifres elevados, e um chifre era mais alto que o outro, e

crescia pouco a pouco" (Daniel 8:3).

Os dois chifres do Carneiro são os reinos da

Média e da Pérsia: não são duas pessoas, mas sim dois reinos

- o da Média e o da Pérsia; e este (Pérsia) era o chifre maior,

o qual cresceu mais que o outro. O reino da Pérsia levantouse

quando Ciro, tendo recentemente conquistado a Babilônia,

revoltou-se contra Dário, rei dos Medos, bateu-o em

Pasargadae e assim elevou os Persas sobre os Medos. Foi este

o chifre que veio por último, e crescendo. O que veio

primeiro era o reino dos Medos, desde a época em que

Ciaxares e Nabucodonosor haviam derrubado Nínive e

dividido entre si o Império Assírio. Os Impérios da Média e

da Babilônia eram contemporâneos e levantaram-se

simultâneamente pela queda do Império Assírio. A profecia

das quatro Bestas começa com um destes Impérios, e a do

Carneiro e do Bode com o outro destes Impérios. Enquanto o

Carneiro representa os reinos da Média e da Pérsia desde o

começo dos Quatro Impérios, o Bode representa o Império

dos Gregos no fim daquelas Monarquias.

104

No reino deste chifre maior e dos quatro outros

que o sucederam, aquele Império é por eles representado

durante o reino de Leopardo; e no reino do pequeno chifre,

que permanecia no final do reino dos quatro e que, depois da

queda destes se tornou poderoso, mas não pelo próprio poder,

é por ele representado durante o reino da quarta Besta.

Conforme Daniel 8:21, "o Bode é o rei dos

Gregos", isto é, o reino ou Império dos Gregos; "e o grande

chifre que ele tinha entre os seus dois olhos é o primeiro dos

seus reis" - não o primeiro monarca, mas sim o primeiro

reino, aquele que durou enquanto dominaram Alexandre

Magno, seu irmão Arideu e seus dois filhos, Alexandre e

Hércules. "E quanto aos quatro chifres que, depois de

quebrado aquele primeiro, se levantaram em seu lugar, são os

quatro reis, que se levantarão de sua nação mas sem terem a

sua força" (cf. Daniel 8:22).

Os quatro chifres são, pois, quatro reinos.

Conseqüentemente, o primeiro grande chifre ao qual estes

quatro sucederam é o primeiro grande reino dos Gregos e

que foi fundado por Alexandre Magno, no ano de 414 de

Nabonassar, e que durou até a morte de seu filho Hércules,

no ano de 441 de Nabonassar. E os quatro reinos são os de

Cassandra, Lisímaco, Antígono e Ptolomeu.

"E, depois de seu reinado, quando tiverem

crescido as iniqüidades, levantar-se-á um rei (reino)

descarado e compreendedor de enigmas; e o seu poder se

firmará, mas não pelas suas próprias forças". (Daniel 8:23 e

24).

Este reino era o último chifre do Bode, o qual

saiu de um dos quatro e se tornou bastante grande. O fim

deste reino foi quando os Romanos começaram a sua

105

conquista, isto é, quando submeteram a Perseu, rei da

Macedônia, a parte fundamental do reino dos Gregos. Então

os transgressores foram às últimas, pois ocorreu que o cargo

do sumo-sacerdócio foi arrematado em leilão e os adornos

ou utensílios do Templo foram vendidos a fim de pagar

dívidas; e o sumo-sacerdote, com alguns Judeus, conseguiram

uma licença de Antíoco Epifânio para agirem segundo as

ordenações pagãs e abriram uma escola em Jerusalém, a fim

de serem ensinadas aquelas ordenações. Então Antíoco

Epifânio tomou Jerusalém com uma força armada, matou

quatro mil Judeus, fez muitos prisioneiros para os vender,

saqueou o Templo, interditoou a adoração, mandou

queimar a lei de Moisés e estabeleceu a adoração dos

deuses pagãos em toda a Judéia. No mesmo ano, isto é, em

580 de Nabonassar, os Romanos conquistaram a Macedônia,

o mais importante dos quatro reinos. Até então o Bode foi

poderoso por seu próprio poder, mas daí por diante começou

a sê-lo sob o domínio Romano.

Daniel distingue os tempos, descrevendo

cuidadosamente as ações dos reis do Norte e do Sul, dois dos

quatro chifres que se limitavam com a Judéia até que os

Romanos conquistaram a Macedônia; daí por diante apenas

se refere às principais revoluções ocorridas no âmbito das

nações representadas pelo Bode. Neste período final o

pequeno chifre devia persistir e tornar-se forte, mas não por

sua própria força.

As três primeiras Bestas de Daniel tinham

perdido seus domínios, cada qual ao surgir a Besta seguinte;

mas suas vidas se haviam prolongado e todas se acham ainda

vivas. A terceira Besta, o Leopardo, reinou por suas quatro

cabeças até o levantamento da quarta Besta, o Império dos

106

Latinos; e sua vida foi prolongada sob o poder destes últimos.

Reinando por suas quatro cabeças, esse Leopardo representa

o mesmo que o Bode com seus quatro chifres.

Conseqüentemente, o Bode reinou pelos quatro chifres até o

levantamento da quarta Besta de Daniel, isto é, o Império dos

Latinos, mas sua vida continuou sob o domínio destes.

Os Latinos não estão compreendidos entre as

nações representadas pelo Bode nesta profecia: seu poder

sobre os Gregos é apenas referido para distinguir os tempos

em que o Bode era poderoso por si mesmo, daqueles em que

não o era por sua própria força. Ele era poderoso por seu

próprio valor até que foi submetido pelos Latinos; depois

disso sua vida foi prolongada sob o domínio destes, e tal

prolongamento se deu nos dias do último chifre, pois nesses

dias o chifre do Bode tornou-se forte, mas não pela própria

força.

Entretanto, porque este chifre era de um Bode,

devemos considerá-lo entre as nações que compõem o seu

corpo. Entre estas é que ele deveria surgir e tornar-se forte.

Realmente, "dum destes chifres saiu um chifre pequeno, que

se tornou grande contra o meio-dia (Rei do Sul), contra o

oriente (Rei do Norte) e contra a terra forte" (Israel) (cf.

Daniel 8:9). Então devia erguer-se no Noroeste daquelas

nações e estender seu domínio ao Egito, à Síria e à Judéia. No

último tempo do reino dos quatro chifres, devia surgir de um

deles e dominar os restantes, mas não pelo seu próprio poder.

Deveria ser assistido por um poder estranho, um poder que

lhe era superior e que tirou o poder da terceira Besta e que

era, naturalmente, o da quarta Besta. Este pequeno chifre foi

o reino da Macedônia, desde que ficou sujeito aos

Romanos. Pela vitória dos Romanos sobre Perseu, rei da

107

Macedônia, no ano 580 de Nabonassar, aquele reino deixou

de ser um dos quatro chifres do Bode, passando a ser um

domínio de outra espécie: não um chifre da quarta Besta,

porque a Macedônia fazia parte do corpo da terceira; mas um

chifre da terceira Besta apresentado sob nova forma, um

chifre do Bode que se tornou forte, mas não por seu próprio

poder; um chifre que se ergueu e tornou-se poderoso graças a

um poder estranho, isto é, o poder dos Romanos.

Pelo legado de Átalo, último rei de Pérgamo, os

Romanos herdaram esse reino no ano 615 de Nabonassar,

inclusive toda a Ásia Menor neste lado do Monte Taurus. Em

684 e 685 de Nabonassar conquistaram a Armênia, a Síria e a

Judéia; em 718 de Nabonassar submeteram o Egito. E por tais

conquistas, o pequeno chifre "se tornou grande contra o

meio-dia (Rei do Sul), contra o oriente (Rei do Norte) e

contra a terra forte (Israel). E elevou-se até contra a fortaleza

do céu; e deitou abaixo muitos dos fortes e muitas das

estrelas e pisou-as aos pés" (cf. Daniel 8:9 e 10), isto é, sobre

o povo e os grandes homens dos Judeus. "E elevou-se até

contra o príncipe da força", isto é, o Messias, o Príncipe

dos Judeus, o qual levaram à morte no ano de 780 de

Nabonassar; "e tirou-lhe o sacrifício perpétuo, e destruiu

o lugar do seu santuário" (cf. Daniel 8:11), isto é, nas

guerras das nações de Leste, sob o comando dos Romanos,

contra a Judéia, quando Nero e Vespasiano eram

imperadores (nos anos de 816, 817, 818 de Nabonassar). "E

foi-lhe dado poder contra o sacrifício perpétuo, por causa

dos pecados do povo; e a verdade será abatida sobre a

terra, e ele empreenderá tudo e tudo lhe sucederá

conforme o seu desejo" (Daniel 8:12). Esta transgressão está

expressa nas palavras seguintes como a "transgressão da

108

desolação", referida por Daniel (Daniel 11:31); refere-se

principalmente a adoração de Júpiter Olímpico em seu

templo, construído pelo Imperador Adriano, no local do

templo dos Judeus e à revolta destes, sob a chefia de

Barchochab, determinada por aquele motivo, e à desolação

da Judéia, em consequência de tudo isso, pois que, como

arremate, os Judeus foram desterrados da Judéia sob

pena de morte.

Continua Daniel (cap. 8: 13 e 14): "Então ouvi

um dos santos que falava; e um santo perguntou a outro que

lhe falava: Até quando durará o que a visão anuncia quanto

ao sacrifício perpétuo e ao pecado causa da desolação que foi

feita; e até quando será calcado aos pés o santuário e a

fortaleza de Israel? E ele respondeu: Até dois mil e trezentos

dias completos, isto é, compostos de tarde e manhã; e depois

o santuário será purificado".

Os dias de Daniel representam anos; e estes anos

talvez possam ser contados desde a destruição do templo

pelos Romanos, no reinado de Vespasiano, ou desde a

contaminação do Santuário pela adoração de Júpiter

Olímpico, ou da desolação da Judéia, no fim da guerra

judaica, isto é, pelo banimento de todos os Judeus de seu

país, ou, finalmente, partindo de qualquer outro período que o

tempo descobrirá.

Em consequência, o último chifre do Bode

continuou forte, sob a dominação romana, até o reinado de

Constantino o Grande e de seus filhos. Então, pela divisão do

Império Romano entre os Imperadores Grego e Latino,

aquele se separou dos Latinos, tornando-se apenas o Império

Grego, mas ainda sob o domínio de uma família romana. E

então se torna forte sob o domínio dos Turcos.

109

Embora não muito judiciosamente, alguns

tomam este chifre como sendo Antíoco Epifânio. Lembremos,

entretanto, que um chifre da Besta nunca representa um

indivíduo, mas um novo reino. E o reino de Antíoco era

velho. Antíoco reinou sobre um dos quatro chifres e o

pequeno era um quinto chifre e tinha seus reis próprios.

Inicialmente era pequeno; depois tornou-se muito grande, o

que não aconteceu com Antíoco; é mesmo descrito como se

tendo tornado maior que os outros, o que não se deu com

Antíoco; seu reino, ao contrário, era fraco e tributário dos

Romanos; e ele não o ampliou. É dito que o chifre era "um rei

arrogante, que destruía muitíssimos e prosperava em suas

práticas contra o povo eleito; mas Antíoco foi enxotado do

Egito por uma simples mensagem dos Romanos e logo depois

derrotado e desfeiteado pelos Judeus. O chifre era forte

devido a um outro poder, enquanto Antíoco agia por conta

própria. O chifre elevou-se contra o Príncipe DA FORÇA

DO CÉU, o Príncipe dos Príncipes, o que caracteriza uma

atitude própria de Anticristo, e não Antíoco. O chifre

derrubou o Santuário, e Antíoco não fez nada disto; ao

contrário, deixou-o de pé.

O Santuário e o Messias foram calcados aos pés

durante 2300 dias; mas nas profecias de Daniel os dias

representam anos e, por outro lado, a profanação do Templo

no reino de Antíoco não durou tantos dias naturais. Estes

deveriam durar até o fim, até o extremo da indignação contra

os Judeus. E esta ainda não chegou ao seu termo. Deveriam

durar enquanto o Santuário derrubado não fosse purificado: e

o Santuário não o foi ainda.

Esta profecia do Cordeiro e do Bode está

repetida na última profecia de Daniel. Nesta, o Anjo diz a

110

Daniel (Cap. 11: 1 e 2): E eu, Gabriel, desde o primeiro ano

de Dário Medo, estava junto dele para o sustentar e fortificar.

E agora eu te anunciarei a verdade. Eis que haverá ainda três

reis na Pérsia" (isto é: Ciro, Cambises e Dário Hystaspis) "e

o quarto (Xerxes) se elevará, pela grandeza de suas riquezas,

acima de todos; e depois que se tiver tornado poderoso com

as suas riquezas, excitará todos os povos contra o reino da

Grécia". Isto se refere ao Carneiro, cujos dois chifres

representam os reinos da Média e da Pérsia. Então ele

continua descrevendo os chifres do Bode, dizendo assim:

"Levantar-se-á um rei forte, que dominará com grande poder,

e que fará o que lhe aprouver" (Daniel 11:3) e pelo

esfacelamento de seu reino em quatro menores, os quais não

passarão à posteridade. Depois disso descreve as ações de

dois desses reinos que confinam com a Judéia, a saber, o

Egito e a Síria, aos quais chama de reis do Sul e do Norte,

naturalmente em relação à Judéia; e continua a descrição até

o fim do reino dos quatro (chifres) e até o reinado de Antíoco

Epifânio, quando os transgressores chegariam ao máximo.

No oitavo ano de Antíoco, quando este profanou

o Templo e estabeleceu na Judéia os deuses pagãos; quando

os Romanos conquistaram o reino da Macedônia; o Anjo da

Profecia deixa de descrever os negócios dos reis do Sul e do

Norte, e começa a descrever os dos Gregos sob o domínio

dos Romanos, nas seguintes palavras: "E estarão do seu lado

os braços (de homens poderosos) que violarão o santuário

da fortaleza, e farão cessar o sacrifício perpétuo, e porão

no Templo a abominação da desolação" (Daniel 11:31).

O vocábulo hebraico em Daniel 11:8 significa

"contra o rei", em Daniel 11:31 significa "contra ele" e

possivelmente em Daniel 8:9 signifique "contra um deles".

111

Nestas profecias de Daniel encontra-se, a cada

passo, o vocábulo "braços" no sentido de poder militar de um

reino, quando se levantam para conquistas e quando se

tornam poderosos. Os Romanos conquistaram a Ilíria, o Épiro

e a Macedônia no ano 580 de Nabonassar; trinta e cinco anos

depois, pela vontade e testamento de Átalo, último rei de

Pérgamo, herdaram este rico e florescente reino, isto é, a Ásia

deste lado do Monte Taurus; e sessenta e nove anos mais

tarde conquistaram o reino da Síria, reduzindo-o a uma

província. Trinta e quatro anos depois o mesmo foi feito ao

Egito. Em todos estes passos, os braços Romanos (forças de

armas) ergueram-se sobre os Gregos; e, depois de noventa e

cinco anos, numa guerra contra os Judeus, violaram o

santuário da fortaleza e fizeram cessar o sacrifício perpétuo,

substituindo-o pela abominação que tornou a terra

desolada.

Mas esta abominação foi posta depois dos dias

de Cristo (como se lê em Mateus 24:2), mais específicamente

no décimo sexto ano do Imperador Adriano, ou seja, em 132

d.C., quando o Templo de Júpiter Capitolino foi erigido

no lugar onde fora o Templo de Deus em Jerusalém. Por

isto, os Judeus, chefiados por Barchochab, pegaram em

armas contra os Romanos, numa guerra em que foram

destruídas cinqüenta cidades, novecentas e oitenta e cinco

de suas melhores vilas e quinhentos e oitenta mil homens

passados a fio de espada. No fim da guerra, em 136, foram

todos banidos da Judéia sob pena de morte. E naqueles

dias a terra ficou desolada de seus velhos habitantes (os

judeus).

E, desde que o anjo da profecia passa, deste

modo, dos quatro reinos dos Gregos ao domínio dos

112

Romanos sobre aqueles, temos a confirmação de que, a seguir

é descrita a situação dos Cristãos, no final do tempo, nas

seguintes palavras (Daniel 11:33, 34 e 35): "E os que forem

doutores entre o povo ensinarão a muitos; e cairão vítimas da

espada, e da chama, e do cativeiro e das rapinas prolongadas.

E, quando caírem arruinados, firmar-se-ão por um fraco

auxílio (isto é, no reinado de Constantino o Grande). E

muitos se juntarão à eles fingidamente. E dos sábios cairão

alguns, para que sejam acrisolados e purificados e

branqueados até ao tempo devido".

E um pouco adiante, diz que até o fim haverá

"um tempo, e tempos e meio tempo", o que se refere à

duração do reino do último chifre da quarta Besta, vista por

Daniel, e da Mulher e sua Besta, descrita no livro de

Apocalipse.

113

CAPÍTULO 10

DA PROFECIA

DAS

SETENTA SEMANAS

114

A visão da estátua feita de quatro metais foi dada

em sonho, primeiro a Nabucodonosor e depois a Daniel. Este

começou a tornar-se célebre pela faculdade de decifrar coisas

secretas, como se lê em Ezequiel 28:3. A visão das “quatro

Bestas” e a “do Filho do Homem vindo nas nuvens” lhe foi

também dada em sonho. Já a “do Carneiro e do Bode” lhe

apareceu em pleno dia, quando se encontrava nas margens do

rio Ulai, e lhe foi explicada por Gabriel, o Anjo da Profecia.

Esta se refere ao Príncipe da Força e ao Príncipe dos

Príncipes; entretanto, no primeiro ano do reinado de Dário, o

Medo, sobre a Babilônia, aquele Anjo da Profecia tornou a

aparecer a Daniel e lhe explicou o que significam Filho do

Homem, Príncipe da Força e Príncipe dos Príncipes.

A profecia do Filho do Homem vindo nas nuvens

refere-se à segunda vinda do Cristo; a do Príncipe da Força, à

sua primeira vinda; já a profecia do Messias ou Príncipe dos

Príncipes, explicando-as, a ambas se refere, e lhes marca o

tempo.

Esta profecia, como aliás todas as outras de

Daniel, divide-se em duas partes: uma profecia introdutória e

a sua explicação. Assim o traduzo e interpreto, como um

todo:

"Setenta semanas foram cortadas (“cortar” é o

termo original, significando cronometradas ou demarcadas,

pois vem da prática de marcar valores fazendo entalhes na

pedra ou madeira) sobre o teu povo e sobre a tua cidade santa

a fim de que: a prevaricação se consuma, e o pecado seja

selado (isto é, seja consumado, selando aquilo que já está

concluído); e a iniquidade se apague; e a justiça eterna seja

trazida (de volta); e as visões (profecias) e o Profeta se

115

cumpram; e o Santo dos santos (templo) seja ungido. Sabe,

pois, isto, e adverte-o bem: Desde a saída da ordem (ou

Édito) para Jerusalém ser reedificada até ao Cristo chefe

(Cristo em grego, Messias em hebraico, Ungido em inglês),

passarão sete semanas e sessenta e duas semanas e (em

Jerusalém) serão reedificadas as praças e os muros nos

tempos de angústia. E depois das sessenta e duas semanas,

será morto o Cristo, e o povo (judeu de Jerusalém) que O há

de negar não será mais seu povo. E um povo com o seu

capitão, que há de vir, então destruirá a cidade e o seu

santuário (templo), e o seu fim será uma ruína total. E depois

do fim da guerra, virá a desolação decretada. E o Cristo

confirmará com muitos a sua nova aliança durante uma

semana; e no meio da semana fará cessar a hóstia e o

sacrifício; e estará no templo a abominação da desolação; e a

desolação durará até a consumação e até o fim" (Daniel 9: 24

a 27).

"Setenta semanas foram decretadas sobre o teu

povo e a tua cidade, a fim de que a prevaricação se consume,

etc." Aqui, substituindo uma semana por sete anos, obtemos

um período de 490 anos, desde o tempo em que os Judeus

dispersos deveriam ser reincorporados (Vide Isaías 23:13) em

um povo e uma cidade santa, até a morte e a ressurreição de

Cristo; pelo que (ou: quando então) a prevaricação seria (ou

estaria) consumada, o pecado teria o seu fim, a iniquidade

apagar-se-ia, a justiça eterna seria trazida e esta visão seria

cumprida e morto o Profeta, aquele mesmo Profeta que os

Judeus esperavam; por isso seria ungido o Santo dos Santos,

o mesmo que também é chamado o Ungido, isto é, o Messias

ou o Cristo. Assim, ligando a visão à expiação dos pecados,

os 490 anos terminaram com a morte e ressurreição do Cristo.

116

Entretanto, os Judeus dispersos tornaram-se um

povo e uma cidade quando pela primeira vez se constituiram

num corpo político, o que se deu no sétimo ano de Artaxerxes

Longimano, quando Ezra voltou do cativeiro com uma leva

de Judeus e reviveu o culto judaico e, por ordem do rei,

nomeou magistrados em toda parte, a fim de que julgassem e

governassem o povo de acordo com as leis de Deus e do Rei,

como se lê em Esdras 7:25.

Houve apenas dois retornos do cativeiro: o de

Zorobabel e o de Ezra. No primeiro, apenas tiveram licença

para construir o Templo; com Ezra, antes de mais nada,

tornaram-se um organismo político ou uma cidade, com

governo próprio.

Assim, os anos de Artaxerxes começaram dois

ou três meses depois do solstício de verão e o seu sétimo ano

caiu no terceiro ano da 80a. Olimpíada, na segunda metade

do qual Ezra chegou a Jerusalém, o que se deu no ano de

4257 do Período Juliano. Contando-se desta data até a

morte do Cristo, acham-se exatamente 490 anos! Se

contarmos em anos judaicos, começando no outono e

partindo do primeiro outono após a chegada de Ezra a

Jerusalém, quando pôs em execução o Decreto/ Édito do rei,

a morte do Crsito cairá no ano 4747 do Período Juliano ou

em 34 de nosso tempo.

As semanas serão semanas judaicas, terminando

por anos sabáticos, o que tomamos como certo. Entretanto, se

colocarmos a morte do Cristo um ano antes, como se faz

comumente, devemos encontrar, lá atrás, o ano da viagem

de Ezra. E isto condiz com a Profecia: "Sabe, pois isto, e

adverte-o bem: Desde a saída da ordem (ou Édito) para

Jerusalém ser reedificada até o Cristo chefe, passarão sete

117

semanas e sessenta e duas semanas". A primeira parte da

Profecia refere-se à primeira vinda do Cristo, sendo datada

para sua vinda como um Profeta; a data da sua vinda para ser

Príncipe ou Rei parece referir-se à sua segunda vinda. Então

o Profeta está já morto e o Santo dos Santos ungido (com seu

sangue) e Aquele que foi ungido vem entãopara ser Príncipe

e reinar.

AS PROFECIAS DE DANIEL ALCANÇAM O

FIM DO MUNDO, e quase não se encontram no Velho

Testamento profecias referentes ao Cristo que, deste ou

daquele modo, não se refiram à sua segunda vinda.

Se alguns dos antigos, como Irineu (cf. “Livro 5,

Haer. c. 25”), Júlio Africano (cf. “Apud Hieron. in h. 1”),

Hipólito martir e Apolinário, Bispo em Laodicéia,

consideram a meia semana referida aos tempos do Anti-

Cristo, porquê não poderemos então, com a mesma

“liberdade de interpretação”, aplicar as sete semanas (49

anos) ao tempo em que o Anti-cristo será destruído pelo

brilho da chegada do Cristo?

Nos dias dos antigos Profetas, quando as dez

tribos se achavam no cativeiro, os Israelitas esperavam um

duplo retorno (das tribos); e que primeiro os Judeus deveriam

construir um novo Templo, inferior ao de Salomão, até que

aquele período fosse completado; depois disso voltariam, de

todos os lugares onde se achassem cativos, para construir

Jerusalém e o Templo de maneira gloriosa (cf. Tobias 14: 4 a

6). E, para exprimir a glória e a excelência dessa cidade ainda

não erguida, diz-se figuradamente que será construída com

pedras preciosas (cf. Tobias 13: 16 a 18 e Isaías 54: 11 e 12),

e é chamada não só de ‘Nova’ Jerusalém, mas também de a

Jerusalém Celeste, a Cidade Santa, a Esposa do Cordeiro, a

118

Cidade do Grande Rei, a Cidade aonde os Reis da Terra

trarão Sua Glória e Sua Honra.

Entretanto, enquanto essa volta do cativeiro era o

anseio de Israel, mesmo antes dos tempos de Daniel, não sei

porquê este a haveria de omitir em sua profecia. E desde que

esta parte da profecia ainda não se realizou, não tentarei

interpretá-la; contentar-me-ei com fazer notar que aquelas

setenta semanas, bem como as sessenta e duas, eram semanas

judaicas, terminando por anos sabáticos.

Assim, as sete semanas são o compasso de um

Jubileu da mais alta natureza, por que um Jubileu deve ser

celebrado; e que, desde que o Édito para voltar e reconstruir

Jerusalém precede o Messias ou Príncipe em 49 anos, talvez

(tal Édito) não decorra dos Judeus propriamente, mas de

algum outro reino amigo, e precede a sua volta do cativeiro, e

lhe dá motivos; e por fim, que essa reconstrução de Jerusalém

e outros lugares devastados de Judá está predita em Miquéias

7:11; em Amós 9:11 e 14; em Ezequiel 36: 33, 35, 36, 38; em

Isaías 54:11, 12; 55:12; 61:4; 65:18, 21, 22; Tobias 14:5; e

que a volta do cativeiro, a vinda do Messias e seu reino são

descritas em Daniel 7; em Atos 1; em Mateus 24; em Joel 3;

Em Ezequiel 36 e 37; em Isaías 60; 62; 63; 65 e 66, além de

muitas outras passagens das Escrituras. Como? Não sei. Que

o tempo seja o intérprete.

"Passarão sete semanas e sessenta e duas

semanas; e serão reedificadas as praças e os muros nos

tempos de angústia. E depois das sessenta e duas semanas,

será morto o Cristo, e o povo que o há de negar não será mais

seu povo. E um povo com o seu capitão, que há de vir,

destruirá a cidade e o santuário, etc." Tendo predito ambas as

vindas do Cristo e datado a última da volta e da reconstrução

119

de Jerusalém, a fim de evitar a referência à reconstrução de

Jerusalém por Nehemias, ele distingue esta daquela, dizendo

que daquele período até o Ungido haverá não sete semanas,

mas sessenta e duas semanas, e isto não será em dias felizes,

mas em tempos de angústia; e no fim dessas semanas o

Messias não será o Príncipe dos Judeus, mas será eliminado;

os Judeus não possuirão mais Jerusalém, porque a cidade e o

santuário serão destruídos.

Ora, Nehemias veio a Jerusalém no vigésimo ano

do reinado de Artaxerxes, enquanto Ezra lá continuou, como

se vê em Nehemias 12:36; achou a cidade devastada e as

casas e os muros desmoronados, como informa o mesmo

Nehemias em outra passagem (caps. 2:17 e 7:4); e

concluíram os muros no dia 25 do mês de Elul, ainda

segundo Nehemias 6:15, no vigésimo oitavo ano do rei, isto

é, em Setembro de 4278 do Período Juliano. Contando

sessenta e duas semanas a partir daquela data, isto é, 434

anos, alcançaremos o mês de setembro do ano de 4712 do

período Juliano, como aquele em que nasceu o Cristo, com o

que são concordes Clemente de Alexandria, Irineu, Eusébio,

Epifânio, Jerônimo, Cassiodoro e outros antigos. Tal foi a

opinião geral até que Dionisius Exiguus inventou a 'era

vulgar', na qual o nascimento do Cristo foi posto dois anos

mais tarde. Se, conforme alguns, considerarmos o nascimento

do Cristo três ou quatro anos antes da era vulgar, o fato

ocorrerá ainda dentro da última parte da última semana, o que

já é suficiente.

É bem sabido como o Cristo foi eliminado e a

cidade e o santuário destruídos pelos Romanos.

"E o Cristo confirmará com muitos a sua Nova

Aliança durante uma semana". E isto se deu, apesar de sua

120

morte, até a expulsão dos Judeus e a vinda de Cornélio e dos

gentios, no sétimo ano depois de sua paixão.

"E no meio da semana fará cessar a hóstia e o

sacrifício", isto é, pela guerra dos Romanos contra os Judeus,

a qual, depois de algumas comoções, começou no décimo

terceiro ano de Nero, isto é, na primavera de 67, quando

Vespasiano conduziu um exército e invadiu a Judéia; a guerra

terminou no sEgundo ano de Vespasiano, ou seja, no ano de

70, no outono, aos 7 de setembro, quando Tito tomou a

cidade, tendo sido o Templo incendiado vinte e sete dias

antes. Assim a guerra acabou por durar três anos e meio

(1260 dias!)

"E estará no Templo a abominação da desolação;

a desolação dUrará até a consumação e até o fim" (Daniel

9:27 - Nalgumas Bíblias, especialmente nas traduções em

português, francês e inglês, utilizou-se a expressão "sobre A

ASA das abominações virá o assolador"). Representando os

reinos por Bestas e Aves, os Profetas distendem suas asas

sobre uma região, simbolizando exércitos que as invadem ou

as governam. Assim, uma "asa de abominação", muitas vezes

nas Escrituras, também simboliza um falso deus: CAMOS é

chamado a ‘abominação de Moab’, e MOLOC a ‘abominação

de Amon’ (I Reis 11:7). A significação é, pois, que a gente de

um Príncipe que há-de-vir destruirá o santuário e abolirá o

culto diário do verdadeiro Deus e espalhará sobre toda a

região um exército de falsos deuses; e, estabelecendo o seu

culto e domínio, causará a desolação dos Judeus, até ser

preenchida a época dos Gentios. Pois o mesmo Cristo nos diz

que a abominação da desolação, a que se refere Daniel,

deveria ser estabelecida nos dias do Império Romano (cf.

Mateus) 24:15.

121

Assim, nesta curta Profecia, temos a predição

dos períodos principais, relacionados com a vinda do

Messias: a data de seu nascimento, a de sua morte, a da

rejeição dos Judeus, a duração da "guerra Judaica", que

ocasionou a destruição da cidade e do santuário e a data de

sua segunda vinda. Assim, a interpretação que aqui damos é

mais extensa e completa e melhor adequada ao nosso

desígnio, do que se nos restringíssemos à sua primeira vinda,

como realmente fazem os intérpretes. Evitamos ainda

violentar a linguagem profética de Daniel, tomando as sete

semanas e as sessenta e duas semanas como um número

único. Se Daniel tivesse tal intenção, teria dito apenas

sessenta e nove semanas e não sete semanas e sessenta e duas

semanas, modo de contar que, convenhamos, nenhum povo

adota.

Por outro lado trata-se de anos judaicos

lunissolares.

[EXTENSO COMENTÁRIO DE RODAPÉ

ENCONTRADO NO LIVRO: O antigo ano solar das nações

orientais é composto de 12 meses de 30 dias cada; daí veio a

divisão do círculo em 360 graus. Parece que tal sistema foi

usado por Moisés em sua história do dilúvio e por João no

Apocalipse, onde um tempo, tempos e meio tempo ou 42

meses ou ainda 1260 dias se equivalem. Mas, ao se calcular

vários destes anos, deve-se levar em conta os restos de dias

que terão de ser adicionados no seu final. Pois os Egípcios

somavam cinco dias ao fim destes anos; o mesmo faziam os

Caldeus muito antes de Daniel, como se vê na Era de

Nabonassar; e os Magos Persas usavam o mesmo ano de 365,

até o Império Árabe. Os antigos Gregos também usavam o

122

mesmo ano solar de 12 meses iguais ou 360 dias; mas de dois

em dois anos intercalavam um mês de 10 e de 11 dias,

alternadamente. O ano dos Judeus, já desde sua saída do

Egito, era lunissolar. Era solar porque a colheita ocorria

sempre depois da Páscoa e os frutos da terra eram sempre

colhidos antes da Festa dos Tabernáculos, como se lê em

Levítico capítulo 23. Mas os meses eram lunares, pois Moisés

mandava que no começo de cada mês o povo tocasse

trombetas sobre os seus holocaustos e libações - como se vê

em Números 10:10; 28:11 e 14 -, e essa solenidade ocorria na

lua nova - como declaram Ps. [Salmos?] 81:3, 4, 5; [1 ou 2?]

Crônicas 23:31. Estes meses eram por Moisés chamados

primeiro, segundo, terceiro, quarto, etc, e o primeiro mês

também era chamado Abib; o segundo, Zif; o sétimo, Etanim;

o oitavo, Bul; - como se lê em Êxodo 13:4; I Reis 6:37, 38;

8:2. Mas no cativeiro da Babilônia os Judeus usaram os

nomes dos meses caldaicos, pelos quais compreendiam os

meses de seu próprio ano. De modo que os meses judaicos

perderam seus antigos nomes, substituídos por vozes

caldaicas. Os Judeus começavam o ano civil desde o

equinócio de outono e o ano sagrado desde o vernal; e o

primeiro dia do primeiro mês era na lua nova visível mais

próxima do equinócio. Se Daniel usava o ano Caldaico ou o

ano Judaico, isto não é de grande importância, pois a

diferença é apenas de 6 horas por ano ou 4 meses em 480

anos. Mas penso que eram anos Judaicos, primeiro porque

Daniel era Judeu e, mesmo com os nomes caldaicos nos

meses, os Judeus "compreendiam" os meses de seu próprio

ano Judaico; em segundo lugar porque esta profecia está

baseada na profecia de Jeremias, relativa aos 70 anos de

cativeiro e tem portanto que ser entendida como do mesmo

123

tipo de anos desta outra; estes eram, portanto, anos Judaicos

já que a profecia foi dada na Judéia e antes do cativeiro;

finalmente, porque Daniel toma as semanas de anos, o que é

uma peculiar maneira de contar os anos entre os Judeus. Pois

desde que seus dias eram contados por sete e o último dia de

cada sete era um sábado, os anos também se contavam em

ciclos de sete anos e o último de cada sete era um ano

sabático; e sete dessas semanas de anos fazem, para os

Judeus, um Jubileu, compreendido como 49 anos. Fim do

comentário].

As setenta semanas de anos são semanas

judaicas, terminando em anos sabáticos, o que é muitíssimo

notável. Porque tanto terminam no ano do nascimento do

Cristo, dois anos antes da era vulgar, quanto no ano de sua

morte, ou sete anos depois desta: todos estes são anos

sabáticos! Outros [comentaristas] contam apenas como anos

lunares ou por semanas não Judaicas; e o que é pior, ligam

sua interpretação a uma cronologia errada, das quais se

excetua apenas a opinião de Funccius acerca das setenta

semanas, a qual coincide com a nossa. Aqueles situam Ezra

(Esdras) e Nehemias no reinado de Artaxerxes Mnemon, e a

construção do Templo no reinado de Dárius Nothus,

contando as semanas de Daniel a partir desses dois reinados.

Passemos agora ao estabelecimento das bases da

Cronologia aqui seguida, o que farei tão rapidamente quanto

possível.

A guerra do Peloponeso começou na primavera

do ano I da Olimpíada 87. Com isto concordam Diodoro,

Eusébio e todos os outros. Começou dois meses antes que

Pyhtodorus deixasse de ser arconte, conforme Tucídides, em

seu livro segundo, isto é, em Abril, dois meses antes do fim

124

do ano olímpico. Mas os anos dessa guerra são determinados

com mais precisão pela distância de 50 anos que vai de seu

primeiro ano à morte de Xerxes, inclusive, conforme o

mesmo Tucídides, livro segundo, ou de 48 anos, exclusive,

de acordo com Eratóstenes, citado por Clemente de

Alexandria; pelos 69 anos contados do começo do reinado de

Alexandre na Grécia; pela realização dos Jogos Olímpicos no

quarto e no décimo anos desse reinado, como nos diz

Tucídides no livro quinto; e pelos três eclipses do Sol e um

da Lua, mencionados ainda por Tucídides e por Xenofonte.

Ora, diz-nos Tucídides, testemunha insuspeita,

que a notícia da morte de Artaxerxes Longimano foi trazida à

Éfeso e daí para Atenas por alguns atenienses, no sétimo ano

dessa guerra do Peloponeso, em meados do inverno. Então,

ele morreu no ano 4 da Olimpíada 88, no fim do ano 4289 do

Período Juliano; suponhamos que falecera um ou dois meses

antes do meio do inverno, pois as notícias deviam vir muito

lentamente naquela época.

Mas Artaxerxes Longimano reinou 40 anos,

conforme Diodoro, Eusébio, Jerônimo e Sulpício; ou 41

anos, de acordo com Ptolomeu citado por Clemente de

Alexandria, Alexandre Abulfarago e Nicéforo, inclusive o

reinado de seus sucessores Xerxes por dois meses e Sodgian

durante sete meses; mas o reinado destes não é contado a

parte, quando se contam os anos dos reis, mas inclui-se nos

40 ou 41 anos do reinado de Artaxerxes. Excluam-se esses

nove meses e o domínio de Artaxerxes será de trinta e nove

anos e três meses.

Conseqüentemente, desde que seu reinado

terminou no começo do inverno de 4289 do Período Juliano,

deve ter começado entre o meio verão e o outono de 4250

125

P.J. Chego ao mesmo resultado por outro caminho.

Cambises começou o seu reinado na primavera

de 4185 P.J. e reinou oito anos, inclusive os cinco meses de

Smerdis; então subiu Darius Hystaspis, na primavera de 4193

P.J., e reinou trinta e seis anos, no que são concordes todos os

cronologistas. Os reinados destes dois reis são marcados por

três eclipses da Lua, observados na Babilônia e registrados

por Ptolomeu. Assim não pode haver dúvidas. Um (eclipse)

foi no sétimo ano de Cambises, no dia 16 de Julho de 4191 P.

J., às 11:00 da noite; outro foi no vigésimo ano de Dário, no

dia 19 de Novembro do ano de 4212 P.J., às 11:45 da noite; e

o terceiro no trigésimo primeiro ano de Dário, a 25 de Abril

de 4223 P.J., às 11:30 da noite. Por tais eclipses e pela

comparação das profecias de Ageu e de Zacarias, é manifesto

que os seus anos começaram depois do dia 24 do undécimo

mês judaico e antes de 25 de Abril: conseqüentemente ao

final de Março. Xerxes, pois, começou a reinar na primavera

de 4229 P. J., pois Dário morreu no quinto ano depois da

batalha de Maratona, conforme Heródoto, em seu “livro 7” e

Plutarco. Aquela batalha foi em Outubro de 4224 P. J., dez

anos antes da batalha de Salamina. Portanto Xerxes começou

a reinar menos de um ano depois de Outubro de 4228, P. J.,

talvez na primavera seguinte: pois gastou seus primeiros

cinco anos e alguns meses preparando a expedição contra os

Gregos; e esta expedição foi feita ao tempo dos Jogos

Olímpicos do ano I da Olimpíada 75, sendo Calíade arconte

de Atenas, 28 anos depois do Regifúgio e do Consulado do

primeiro Cônsul Junius Brutus, no ano 273 da fundação de

Roma, sendo então cônsules Fábio e Fúrio. A passagem do

exército de Xerxes pelo Helesponto começou no fim do

quarto ano da Olimpíada 74, isto é, em Junho de 4234 P. J. e

126

levou um mês; e no outono, isto é, três meses depois, na lua

cheia, no dia 16 do mês de Munychion, deu-se a batalha de

Salamina, pouco depois de um eclipse do Sol que, conforme

os cálculos, ocorreu a 2 de Outubro.

Assim, pois, o seu sexto ano começou um pouco

antes de Junho, talvez na primavera de 4234 P.J.;

conseqüentemente, seu primeiro ano teve início na primavera

de 4229 P.J. Ora, de acordo com todos os escritores, ele

reinou quase vinte e um anos. Somem-se a isto os sete meses

do reinado de Artabano e teremos 21 anos e quatro ou cinco

meses, que terminam entre o meio verão e o outono de 4250

P.J. Então, começa o período do sucessor de Artaxerxes,

como queríamos demonstrar.

O mesmo é confirmado por Júlio Africano que,

além de outros escritores, nos diz que o vigésimo ano desse

Artaxerxes era o 115 a contar do começo do reinado de Ciro

na Pérsia, e caía no ano 4 da Olimpíada 83. Começou,

portanto, com o Ano Olímpico, logo depois do Solstício de

Verão de 4269 P.J. Subtraindo-se 19 anos, seu primeiro ano

começará na mesma época do ano 4250 P.J., como já vimos.

Seu sétimo ano, pois, começou depois do meio

verão de 4256 P.J., e a viagem de Ezra para Jerusalém, na

primavera seguinte, cai no começo do ano 4257 P.J., como

ficou dito.

127

CAPÍTULO 11

DA

ÉPOCA DO

NASCIMENTO

E DA

PAIXÃO DE CRISTO

128

As datas do nascimento e da paixão de Cristo,

em todas as suas belezas, não foram suficientemente

consideradas pelos primeiros cristãos, de vez que não

representam papel fundamental para a religião. Os que

primeiro começaram a celebrá-las, as colocaram nos períodos

cardeais do ano, como 25 de Março, que era o Equinócio

vernal, quando Júlio César corrigiu o Calendário; a festa de

João Batista, a 24 de Junho, que era o Solstício de verão; a

festa de São Miguel, a 29 de Setembro, que era o Equinócio

de outono; e o nascimento do Cristo, no Solstício de inverno,

a 25 de Dezembro, com as festas de Santo Estêvão, São João

e dos Inocentes, tão próximas quanto possível desta última

data. E porque, em tempo, a data do Solstício foi mudada de

25 de Dezembro, seguidamente, para 24, 23, 22 e mais para

trás, nos séculos seguintes alguns chegaram a colocar o natal

do Cristo a 23 de Dezembro e, por fim, a 20. Parece que por

estas razões a festa de São Tomás foi fixada a 21 de

Dezembro e a de São Mateus a 21 de Setembro.

Assim também a entrada do Sol nos signos do

Zodíaco, segundo o Calendário Juliano, foi tomada para a

festa de outros santos, como, por exemplo, a Conversão de

Paulo, a 25 de Janeiro, quando o Sol entrava em Aquário; a

de São Matias a 25 de Fevereiro, ou a entrada em Peixes; a de

São Marcos, a 25 de Abril, ou a entrada no Touro; o Corpus

Cristi a 26 de Maio, quando o Sol entrava nos Gêmeos; a de

São Tiago a 25 de Julho, ou seja, a entrada em Câncer; a de

São Bartolomeu a 24 de Agosto, ou quando alcançava a

Virgem; a de Simão e Judas, a 28 de Outubro, quando o Sol

atingia o Escorpião. E se houvesse outros dias notáveis no

Calendário Juliano, eles o marcavam com as festas de outros

129

santos, como São Barnabé, a 11 de Julho, que, segundo

Ovídio, devia ser a festa de Vesta e Fortuna e da deusa

Matuta; a de São Felipe e Tiago, a primeiro de Maio, dia

dedicado a Bona Dea ou Magna Mater e, também, à deusa

Flora, ainda hoje celebrado com os seus ritos.

Tudo isto mostra que essas festas foram fixadas à

vontade, primeiro nos Calendários Cristãos, por matemáticos

que se não apegaram à tradição, e que depois os Cristãos

consideraram aquilo que estava nos Calendários.

Também não existe uma tradição segura a

respeito dos anos do Cristo. Pois os Cristãos que primeiro

fizeram inquérito sobre tais assuntos, como Clemente de

Alexandria, Orígenes, Tertuliano, Júlio Africano,

Lactâncio, Jerônimo, Santo Agostinho, Sulpício, Severo,

Prósper e tantos outros, colocam a morte do Cristo no

décimo quinto ou décimo sexto ano de Tibério, e dizem que a

pregação de Cristo foi apenas de um ou dois anos. Por fim,

Eusébio descobriu quatro Páscoas sucessivas no Evangelho

de João, a vista do que estabeleceu a opinião de que ele havia

pregado durante três anos e meio; assim teria morrido no

décimo primeiro ano de Tibério. Posteriormente outros,

encontrando a opinião de que a morte se dera no Equinócio, a

25 de Março, o que estava mais de acordo com as datas da

Páscoa Judaica dos anos décimo sétimo e vigésimo,

colocaram a sua morte num daqueles anos.

Igualmente, não há certeza nas opiniões relativas

à data de seu nascimento. Os primeiros Cristãos colocaram

seu batismo próximo ao começo do décimo quinto ano de

Tibério; daí, contando para trás trinta anos, colocaram seu

nascimento no quadragésimo terceiro ano Juliano, no

quadragésimo segundo de Augusto e no vigésimo oitavo da

130

vitória de Actium. Esta a opinião dominante nos primeiros

tempos, até surgir Dionysius Exiguus, o qual colocou o

batismo do Cristo no décimo sexto ano de Tibério, mal

interpretando o texto de Lucas 3:23, como se Jesus só tivesse

atingido os 30 anos ao ser batizado; assim inventou a Era

Vulgar, na qual o nascimento de Jesus é colocado dois anos

mais tarde.

Assim sendo, e uma vez que não existe tradição

digna de fé, ponhamos tudo de lado e examinemos o que

pode ser colhido em relatos fidedignos.

O décimo quinto ano de Tibério começou a 28 de

Agosto de 4727 P.J. Logo que passou o inverno e a

temperatura se tornou suficientemente quente, imaginamos

que João teria começado a batizar; e antes do inverno

seguinte sua fama se espalhou em outras terras e todo mundo

acorreu ao seu batismo, inclusive Jesus. Assim, a primeira

Páscoa depois de seu batismo, referida por João 2:13, foi no

décimo sexto ano de Tibério. Depois dessa festa, Jesus veio

para as terras da Judéia, onde se demorou batizando,

enquanto João fazia o mesmo em Enon, conforme se lê em

João 3:22, 23. Mas quando soube que João havia sido preso,

partiu para a Galiléia (cf. Mateus 4:12), receoso porque os

Fariseus tinham sabido que ele batizava mais discípulos do

que João (João 4:1). E, na viagem, passou pela Samaria

quatro meses antes da colheita (cf. João 4:35), isto é, mais ou

menos pelo Solstício de inverno, pois aí a colheita se fazia

entre a Páscoa e o Domingo de Pentecoste e começava cerca

de um mês depois do Equinócio vernal. Diz ele: "Não dizeis

vós que ainda há quatro meses, e depois vem a colheita? Mas

eu digo-vos: Levantai os vossos olhos e vede os campos que

já estão branquejando para a colheita" (João 4:36),

131

significando que no campo o povo estava preparado para o

Evangelho, como se vê de suas palavras seguintes.

[OUTRO EXTENSO COMENTÁRIO DE

RODAPÉ ENCONTRADO NO LIVRO: Noto que Jesus e

seu precursor, João, tinham por hábito, em suas parábolas,

aludir a coisas presentes. Quando os velhos Profetas queriam

descrever as coisas enfáticamente, construíam suas parábolas

com as coisas que se lhes apresentavam, como por exemplo,

o rasgão de uma capa, cf. I Samuel cap. 15; o ano sabático,

cf. Isaías 37; os vasos de um oleiro, cf. Jeremias 18, etc; mas

também quando faltam os objetos adequados eles o fornecem,

como por exemplo, rasgando sua própria capa, cf. 1 Reis 11;

atirando flechas, cf. 2 Reis 13, despindo seus corpos, cf.

Isaías 20; dando nomes expressivos a seus filhos, cf. Isaías

cap. 8; escondendo um cinto nas barrancas do Eufrates, cf.

Jeremias 13; quebrando uma bilha de barro, cf. Jeremias 19;

fazendo prisões e cadeias, cf. Jeremias 27; prendendo um

livro a uma pedra e os lançando no Eufrates, cf. Jeremias 51;

situando uma cidade pintada por eles, cf. Ezequiel 4;

dividindo seu cabelo em três partes, cf. Ezequiel 5; fazendo

uma cadeia, cf. Ezequiel 7; carregando trastes de mudança

como um cativo medroso, cf. Ezequiel 12, etc. Deste jeito é

que os Profetas gostavam de se expressar.

E tendo o Cristo um espírito profético mais

nobre que os outros, a todos excedeu na maneira de falar, já

não se referindo a suas próprias ações, pois seria menos

solene e elegante, mas transformando em parábolas as coisas

tais quais se apresentavam; quando a colheita material se

aproximava, advertia mais uma vez os discípulos quanto à

colheita espiritual, cf. João 4:35; Mat. 9:37. Vendo os lírios

132

do campo, admoesta os discípulos acerca das roupagens

bonitas, cf. Mateus. 6:28. Aludindo a estação dos frutos, que

vai passando, lembra-lhes que os homens devem ser

conhecidos por suas obras, cf. Mateus 7:16. Por ocasião da

Páscoa, quando as árvores estão enfolhadas, ensina aos

discípulos: "Aprende uma comparação tirada da figueira:

Quando os seus ramos estão tenros e as folhas têm brotado,

sabeis que está próximo o verão, etc." cf. Mateus 24:32;

Lucas 21:29. Na mesma ocasião, aludindo à estação do ano e

à sua paixão próxima, a se verificar dois dias depois, fez a

parábola da aproximação da colheita, e do assassínio do

herdeiro, cf. Mateus 21:33; na mesma ocasião, aludindo aos

cambistas, por ele mesmo recentemente expulsos do Templo

e à sua paixão próxima, contou a parábola do nobre que foi à

terras distantes, para receber um reino e que confiou os seus

bens aos seus servos e, na volta, condenou o servo preguiçoso

que não havia feito render o seu dinheiro, cf. Mateus 25:14;

Lucas 19:12. Estando próximo do Templo, onde muitos

carneiros estavam presos a fim de serem vendidos para os

sacrifícios, falou por meio de parábolas de muitas coisas a

respeito de carneiros, pastores e a porta do aprisco, e

esclareceu que aludia aos apriscos que se alugavam no

mercado, dizendo que nos mesmos um ladrão não poderia

passar pela porta gradeada e corrediça, nem o pastor abri-la,

mas que o porteiro a abria ao pastor, cf. João 10:1. Sendo o

Monte das Oliveiras um lugar muito fértil, onde, pois, não

poderiam faltar parreiras, falou de muitas coisas

místicamente, como do esposo, da vinha e de seus ramos, cf.

João cap. 15. Encontrando um cego, advertiu sobre a cegueira

espiritual, cf. João 9:39. Diante da visão de uma criança,

descreveu mais uma vez a inocência dos escolhidos, cf.

133

Mateus 18:2 e 19:13. Ouvindo que Lázaro havia morrido e

podia ser ressucitado, discorreu sobre a ressurreição e a vida

eterna, cf. João 11:25,26. Ouvindo falar de um morticínio a

mando de Pilatos, fez advertências sobre a morte eterna, cf.

Lucas 13:1. Aos seus pescadores falou sobre pescadores de

homens, cf. Mateus 4:10 e fez uma outra parábola relativa

aos peixes, cf. Mateus 13:47. Achando-se no Templo, falou

do templo de seu corpo, cf. João 11:19. Durante a ceia, falou

por parábola sobre a ceia mística no reino dos céus, cf. Lucas

cap. 14. No momento da alimentação material, chamou a

atenção dos discípulos para o alimento espiritual e para a

comida de sua carne e a bebida de seu sangue misticamente,

cf. João 6:27, 53. Quando os seus discípulos estavam faltos

de pão, advertiu-os contra o fermento dos Fariseus, cf.

Mateus 16:6. Convidado a comer, respondeu que havia outros

manjares, cf. João 4:31. No grande dia da Festa dos

Tabernáculos, quando os Judeus, segundo a tradição,

trouxeram muita água do rio Shiloah (Siloé) para o Templo,

levantou-se e disse: "Se alguém tem sêde venha a mim e

beba. Aquele que crê em mim, como diz a Escritura, do seu

seio correrão rios de água viva”, cf. João 7:37, 38. No dia

seguinte, aludindo aos servos que eram libertados por motivo

do ano sabático, disse que a verdade libertaria aqueles que

guardassem as suas palavras. Os Judeus interpretaram isto

literalmente, como se se referisse à libertação dos escravos e

retorquiram: "Nós somos descendentes de Abraão, e nunca

fomos escravos de ninguém; como dizes tu: Sereis livres? Cf.

João 8:33. Sustentavam sua liberdade com um duplo

argumento: primeiro porque eram descendentes de Abraão e,

portanto, se acaso fossem novamente libertados, já teriam

sido escravos; mas nunca tinham sido escravos. Na última

134

Páscoa, quando Herodes fez passar o seu exército através da

Judéia contra Aretas, rei da Arábia, porque fosse este um

agressor e militarmente mais forte, como aparece dos fatos,

aludindo o Cristo a esse estado de coisas, compôs a parábola

do rei fraco, conduzindo seu exército contra outro mais forte

que lhe fez guerra, cf. Lucas 14:31. Não duvido que outras

parábolas tivessem sido construídas sobre outras ocorrências

cuja história nos escapou. [fim do extenso comentário de

rodapé].

Portanto, João foi preso pelas alturas de

Novembro, no décimo sétimo ano de Tibério; em

consequência o Cristo passou da Judéia para Caná da Galiléia

em Dezembro, onde foi recebido pelos Galileus, os quais

tinham visto tudo quanto ele havia feito durante a Páscoa em

Jerusalém. E quando um nobre de Cafarnaum soube de sua

volta para a Galiléia, procurou-o e pediu que lhe curasse o

filho, ele ainda não foi para lá, mas apenas disse: "Vai, o teu

filho vive. E, quando este já ia de volta para casa, vieram os

seus criados ao seu encontro, e deram-lhe novas de que o

filho vivia. Perguntou-lhes então a hora em que o doente se

achara melhor. E eles disseram-lhe: Ontem, à hora sétima, o

deixou a febre. Reconheceu então o pai ser aquela mesma a

hora em que Jesus lhe dissera: "Teu filho vive"; e creu nele, e

toda a sua casa, cf. João 4:50 a 53. Este foi o começo de seus

milagres na Galiléia. E assim o Evangelho de João é

completo e claro relativamente às ações nesse primeiro ano,

ações estas omitidas pelos outros evangelistas.

O resto de sua história, dali em diante, é descrita

mais completamente pelos outros evangelistas do que por

João, pois o que aqueles relatam, este omite.

135

Daí por diante, Jesus ensinou aos sábados nas

Sinagogas da Galiléia, sendo aplaudido por todos. E vindo à

sua própria cidade, Nazaré, aí pregou:

"E todos os que estavam na sinagoga, ouvindo

isto, encheram-se de ira. E levantaram-se e lançaram-no fora

da cidade e conduziram-no até ao cume do monte sobre o

qual estava fundada sua cidade, para o precipitarem. Mas ele,

passando pelo meio deles, retirou-se. E foi a Cafarnaum,

cidade da Galiléia, e ali ensinava aos sábados" (Lucas 4: 28 a

31).

Podemos admitir que nesta ocasião ou a Páscoa

havia passado ou se aproximava ainda. Mateus passa sobre

esse período em poucas palavras e só então começa a relatar a

pregação e os milagres do Cristo. Diz ele:"E, tendo Jesus

ouvido que João fora preso, retirou-se para a Galiléia. E,

deixada a cidade de Nazaré, foi habitar em Cafarnaum,

cidade marítima nos confins de Zabulon e Neftali". "Desde

então, começou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos

porque está próximo o reino dos céus" (Mateus 4:12, 13, 17).

Depois disso, chamou os discípulos Pedro, André, Tiago e

João (Mateus 4:18, 21), e "percorria toda a Galiléia,

ensinando nas suas Sinagogas, e pregando o Evangelho do

reino de Deus, e curando todas as doenças e todas as

enfermidades entre o povo. E espalhou-se a sua fama por toda

a Síria, e trouxeram-lhe todos os que tinham algum sinal,

possuídos de vários achaques e dores, e os possessos, e os

lunáticos, e os paralíticos; e curava-os. E seguiram-no

multidões da Galiléia, e da Decápole, e de Jerusalém, e da

Judéia e do país de além do Jordão. (Mateus 4:23 a 25).

Tudo isto foi feito antes do Sermão da

Montanha; portanto, podemos dizer que certamente a

136

segunda Páscoa decorreu antes daquele sermão. As multidões

que o seguiam de Jerusalém e da Judéia mostraram que aí

estivera anteriormente durante a Festa. O Sermão da

Montanha foi feito quando a ele vieram multidões de toda

parte, seguindo-o pelos campos abertos, o que vem a ser um

argumento em favor da estação de verão. Nesse sermão,

apontou os lírios dos campos então em flor, ante os olhares

do auditório. Diz ele:

"E porque vos inquietais com o vestido?

Considerai como crescem os lírios do campo; eles não

trabalham nem fiam. E digo-vos todavia que nem Salomão,

em toda a sua glória, se vestiu jamais como um deles. Se pois

Deus veste assim uma erva do campo, que hoje existe e que

amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de

pouca fé!" (Mateus 6:28 a 31)

Assim, pois, as ervas do campo estavam em flor

e, conseqüentemente, com a Páscoa havia passado o mês de

Março.

Vejamos então como decorre o resto da Festa, na

ordem em que se acha no Evangelho de Mateus, porque este

foi testemunha ocular e dirá as coisas em ordem cronológica,

o que não fazem nem Marcos nem Lucas.

Algum tempo depois do Sermão da Montanha,

quando chegou o momento em que devia ser recebido, isto é,

quando se aproximava a data de uma Festa em que os Judeus

o deviam receber, preparou-se Ele para ir a Jerusalém; e,

quando em caminho com os discípulos, tendo um Samaritano

lhe negado hospedagem ao atravessar a Samaria, disse-lhe

um certo Escriba:

"Mestre, eu seguir-te-ei, para onde quer que

fores. E Jesus disse-lhe: As rapôsas têm as suas covas, e as

137

aves do céu os seus ninhos; porém o Filho do Homem não

tem onde reclinar a cabeça" (Mateus 8: 19, 20; Lucas 9: 57,

58)

O Escriba disse ao Cristo que lhe faria

companhia na jornada; e este lhe respondeu que queria

alojamento. Penso então que se tratava da Festa dos

Tabernáculos, porque logo após encontramos o Cristo e os

seus Apóstolos no mar de Tibiríades em tão grande

tempestade que o barco era lavado pelas águas e ameaçava

sossobrar, até que o Cristo "imperou aos ventos e ao mar"

(Mateus 8: 23 a 26). Ora, essa tempestade mostra que havia já

chegado para eles o inverno.

Depois disso "Jesus ia percorrendo todas as

cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas deles, e pregando

o Evangelho do reino, e curando toda a doença e toda a

enfermidade" (Mateus 9:35). "E, convocados os seus doze

discípulos, deu-lhe Jesus poder sobre os espíritos imundos,

para os expelirem, e curarem todas as doenças e todas as

enfermidades" (Mateus 10:1). Finalmente, quando recebeu

uma mensagem a respeito de João, o Batista, e lhe respondeu,

disse às multidões: "Desde os dias de João Batista até agora,

o reino dos céus adquire-se à força, e os violentos arrebatamno"

(Mateus 11:12); e censurou as cidades de Corazin, de

Betsaida e de Cafarnaum, onde a maioria de suas obras

haviam sido feitas, porque as mesmas não se haviam

arrependido (Mateus 11:20, 21). Como se pode ver em muitas

passagens, muito tempo era decorrido desde a prisão de João:

o inverno havia passado, a nova Páscoa aproximava-se; pois

logo a seguir, no capítulo 12, diz Mateus: "Naquele tempo,

num dia de sábado, passava Jesus por umas searas, e seus

discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas e a

138

comê-las" (Mateus 12:1) e, na expressão de Lucas,

"machucando-as nas mãos". Portanto não só o trigo estava

largando as espigas, mas já estavam maduras;

consequentemente a Páscoa, na qual os primeiros frutos eram

sempre oferecidos antes da colheita, havia chegado ou já

passara.

Lucas chama esse sábado

, isto é, o segundo "primeirosábado",

ou a segunda das duas grandes festas da Páscoa. Nós

chamamos Páscoa, e sua oitava, Pasquela (Nota do Tradutor:

Em inglês, "Passover", como expressão genérica, ou Easter,

que dá os compostos High-easter e Low-easter,

correspondente a Páscoa e Pasquela.); assim Lucas chama a

Festa do Sétimo Dia Dos Pães Ázimos de "o segundo dos

dois 'primeiros-sábados' ".

Num dos sábados seguintes foi ele à Sinagoga e

curou um homem que tinha uma das mãos sêca (Mateus 12: 9

a 13; Lucas 6:6). "Mas os Fariseus, saindo dali, tiveram

conselho contra ele sobre o modo de o levarem à morte. E

Jesus, sabendo-o, retirou-se daquele lugar, e seguiram-no

muitos, e curou-os a todos. E ordenou-lhes que não o

descobrissem" (Mateus 12:14 a 16). Depois disso, estando

num barco, enquanto a multidão estava na praia, contou-lhes

três parábolas do semeador (Mateus 13), por onde ficamos

sabendo que estavam na época da semeadura e,

conseqüentemente, havia passado a Festa dos Tabernáculos.

Posteriormente, "indo para a sua pátria, ensinava nas suas

Sinagogas" (Mateus 13:54); mas "não fez ali muitos milagres,

por causa da incredulidade deles" (Mateus 13:58).

Então, tendo estado ausentes durante um ano, os

139

doze voltaram e disseram a Jesus tudo quanto haviam feito.

Foi nessa ocasião que Herodes mandou degolar João em sua

prisão, e os discípulos deste vieram comunicar o fato a Jesus,

o qual, ao ter a notícia, reuniu os doze e partiu secretamente,

num barco, para uma região despovoada, pertencente a

Betsaida. Quando o povo o descobriu, seguiu a pé das

cidades vizinhas. Então o inverno havia passado. Curou os

doentes e no deserto alimentou cinco mil homens com suas

mulheres e filhos, com apenas cinco pães e dois peixes

(Mateus 14 e Lucas 9). E quando isto se deu estava próxima

a Páscoa dos Judeus (João 6:4). Mas Jesus não foi à essa

Festa.

Depois disto, andava pela Galiléia, porque na

Páscoa anterior os Judeus tinham tomado conselho para o

destruir e até o queriam matar (João 7:1). Portanto, desde

então é visto primeiro na costa de Tiro e de Sidon, depois no

mar da Galiléia, a seguir na costa da Cesaréia de Felipe e

finalmente em Cafarnaum. (Mateus 15:21, 29; 16:13; 17:34).

Mais tarde, quando se aproximava a Festa dos

Tabernáculos, seus irmãos o censuraram por andar escondido

e insistiram para que fosse à essa Festa. Entretanto, depois

que os mesmos partiram, também ele foi embora

secretamente (João 7:2); e quando os Judeus tentaram lapidálo,

escapou-se deles (João 8:59). Depois disso foi à Festa da

Dedicação, no inverno (João 10:22) e, quando novamente

tentaram agarrá-lo, escapou para além do Jordão (João 10:39,

40. Mateus 19:1), onde se demorou até a morte de Lázaro,

quando veio então para a Betânia, perto de Jerusalém, e o

ressuscitou (João 11:7, 18).

"Desde aquele dia, pois, pensaram sobre o meio

de lhe dar a morte. Jesus, pois, já não andava em público

140

entre os Judeus, mas retirou-se para uma terra vizinha do

deserto, para uma cidade chamada Efrém, e lá estava com os

seus discípulos" (João 11:53,54), até a última Páscoa, quando

os Judeus finalmente o levaram à morte.

Temos assim, comparando os Evangelhos de

Mateus e de João, a história da ação de Jesus de modo

contínuo, durante cinco Páscoas. João é mais preciso no

começo e no fim; Mateus é mais preciso no meio. Aquilo que

um omite, o outro registra.

A primeira Páscoa decorreu entre o batismo do

Cristo e a prisão de João (João 11:13); a segunda cerca de

quatro meses após a prisão de João e o começo da pregação

do Cristo na Galiléia (João 4:35); e portanto esta foi a festa a

que Jesus também compareceu e aquela na qual o Escriba

desejava segui-lo (Mateus 8:19; Lucas 9:51, 57), ou isto se

deu na festa anterior; a terceira foi aquela em que o trigo

estava largando as espigas e estas já estavam maduras

(Mateus 12:1; Lucas 6:1); a quarta estava próxima quando o

Cristo operou a multiplicação dos pães (Mateus 14:15; João

6: 4,5) e finalmente a quinta foi aquela em que o Cristo

sofreu (Mateus 20:17; João 12:1).

Entre a primeira Páscoa e a segunda, João e o

Cristo batizaram juntos, até a prisão do primeiro, o que se deu

quatro meses antes da segunda. Então, o Cristo começou a

pregar e a escolher seus discípulos. Depois de os haver

instruído durante um ano, mandou-os pregar nas cidades dos

Judeus; ao mesmo tempo, tendo João ouvido dizer o mesmo

do Cristo, mandou-lhe perguntar quem Ele era. Na terceira, o

sumo-sacerdote começou os conciliábulos para a sua morte.

Um pouco antes da quarta, os doze voltaram à sua presença,

depois de haverem pregado durante um ano em todas as

141

cidades; ao mesmo tempo, Herodes mandou degolar João na

prisão, onde se achava encarcerado havia dois anos e três

meses. Em conseqüência disto, temendo Herodes, o Cristo foi

para o deserto. Na quarta, não foi a Jerusalém, receoso dos

Judeus que, na Páscoa anterior, haviam planejado a sua morte

e porque seu tempo ainda não era chegado. Em conseqüência

disto, daí por diante, até a Festa dos Tabernáculos, andou

secretamente pela Galiléia, com receio de Herodes; depois da

Festa dos Tabernáculos, não mais voltou à Galiléia; foi

entretanto, algumas vezes à Jerusalém, outras retirou-se para

além do Jordão ou para a cidade de Efrém, pelo deserto, até à

Páscoa, na qual foi acusado, preso e crucificado.

Assim, João batizou em dois verões e o Cristo

pregou em três. No primeiro verão, João pregou para se

tornar conhecido e para dar testemunho do Cristo. Então,

depois que veio para ser batizado, e se lhe deu a conhecer,

batizou outro verão, para tornar o Cristo conhecido por seu

testemunho direto; e o Cristo também batizou nesse mesmo

verão, para tornar-se mais conhecido. Devido ao testemunho

de João, vinha mais gente ao batismo do Cristo que ao

daquele. No inverno seguinte João foi preso; então, desde

que sua tarefa chegara ao fim, o Cristo iniciou a sua de pregar

nas cidades. No começo da pregação completou o número de

doze apóstolos, instruiu a todos no primeiro ano, a fim de os

mandar à outras terras. Antes do fim desse ano sua fama de

pregador e seus milagres se haviam de tal modo espalhado

por toda parte que na Páscoa seguinte os Judeus tomaram

conselho de o matar. No segundo ano de sua pregação, não se

sentindo seguro para falar abertamente na Judéia, mandou os

doze pregar em todas as suas cidades; e no fim do ano os

apóstolos voltaram e lhe contaram o que haviam feito. Os

142

doze continuaram com ele durante todo o último ano,

recebendo instrução mais aperfeiçoada, a fim de poderem

pregar em todas as nações, depois de sua morte.

Com a notícia da morte de João, e temendo

Herodes por um lado e os Judeus pelo outro, passou esse ano

mais retraído do que antes: pelos lugares despovoados,

atravessou seis meses pela Judéia, fora do domínio de

Herodes.

Temos assim, nos Evangelhos de Mateus e de

João, todas as coisas contadas na devida ordem, desde o

começo da pregação de João até a morte de Cristo e os anos

de tal modo distintos uns dos outros, por suas características

essenciais, que não pode haver engano. A segunda Páscoa se

distingue da primeira pela interposição da prisão de João; a

terceira distingue-se da segunda por uma dupla característica:

primeiro, pela interposição da Festa a que o Cristo

compareceu (Mateus 8:19; Lucas 9:57); em segundo lugar

pela distância que vai entre o início das prédicas, pois a

segunda foi no começo de sua pregação e a terceira tanto

tempo depois que, antes o Cristo pôde dizer: "Desde os dias

de João Batista até agora, o reino dos céus adquire-se à

força", e censurar as cidades da Galiléia, porque não se

arrependiam ante suas prédicas e porque nelas haviam sido

feitas as suas maiores obras. A quarta distingue-se da terceira

pela missão dos doze de pregar nas cidades da Judéia durante

todo esse tempo. A quinta se distingue de todas as anteriores

pela volta dos doze de sua excursão e por continuarem junto

ao Cristo em todo o intervalo entre ela e a anterior, assim

como pela paixão e outros característicos.

Entretanto, desde que o primeiro verão em que

João batizou caiu no décimo quinto ano do Imperador

143

Tibério e, em conseqüência a primeira dessas cinco Páscoas,

no décimo sexto ano, a última delas, na qual Jesus sofreu,

cairá no vigésimo ano do mesmo Imperador, portanto no

consulado de Fábio e Vitélio, no ano 79 P.J. ou 34 de Cristo,

o qual foi um ano sabático dos Judeus. E que assim o foi,

confirmo pelos seguintes argumentos:

Tomo como certo que a paixão foi na sexta-feira,

dia 14 do mês de Nisan; a grande Festa da Páscoa no sábado,

dia 15 daquele mês e a ressurreição no dia seguinte. Mas o

dia 14 de Nisan caía sempre na lua cheia seguinte ao

Equinócio vernal; e o mês começava na lua nova anterior,

não na verdadeira conjunção, mas na primeira aparição da lua

nova, pois os Judeus referiam-se sempre à lua “silenciosa”,

que cultivavam, isto é, do desaparecimento da lua à velha lua;

e porque a primeira aparição deveria dar-se cerca de 18 horas

depois da verdadeira conjunção, contavam o seu mês a partir

de sexta hora, à tarde, isto é, do pôr do sol logo depois da

décima oitava hora desde a conjunção. A essa regra chamam

Regra Jah, designado por duas letras hebraicas

correspondendo ao número 18.

Bem sei que, segundo Epifânio, e desde que suas

palavras sejam interpretadas corretamente, os Judeus usavam

um ciclo defeituoso, no qual a lua nova legal tinha um avanço

de dois dias. Mas isso ele não disse com segurança, pois nem

entendia de Astronomia nem dos conhecimentos rabínicos:

apenas sustentava uma hipótese errada relativamente à

paixão.

Na verdade, os Judeus não antecipavam, mas

adiavam os seus meses: achavam legal começar os meses um

dia após a primeira aparição da lua nova, porque esta durava

mais de um dia; mas nunca um dia antes, a menos que

144

celebrassem a lua nova antes de sua existência. E os Judeus

ainda conservam esta tradição em seus livros, segundo a qual

o Sinédrio se esforçava por definir a lua nova a olho:

mandando observadores nos lugares montanhosos e

inquirindo-os acerca da aparição da lua e transferindo a lua

nova do dia em que tinham concordado para a véspera,

sempre que os observadores viessem de regiões distantes, e

tivessem feito a observação um dia antes que fizesse sol em

Jerusalém. De acordo com isto, Josephus (cf. “Joseph. Antig.

lib. 3 c. 10”), sacerdote que tinha o seu ministério no Templo,

diz que a Páscoa ocorreu a 14 de Nisan, de acordo com a Lua,

quando o Sol estava no Carneiro. Isto é confirmado por dois

fatos, pelo mesmo referidos, o que anula completamente a

hipótese de que os Judeus usassem um ciclo defeituoso. Pois

no ano em que Jerusalém foi tomada e destruída, diz ele, a

Páscoa foi no dia 14 do mês de Xanticus que, conforme

Josephus, é o nosso Abril e que cinco anos antes caiu no dia

8 do mesmo mês. Estes dois fatos concordam com o curso da

Lua.

Portanto, calculando a lua nova do primeiro mês,

de acordo com o seu curso e a Regra Jah, e daí contando 14

dias, verifica-se que o décimo quarto dia desse mês, no ano

31 de Cristo, caiu numa terça-feira, 27 de Março; no ano 32,

ocorreu num domingo, 13 de Abril; no ano 33, aconteceu

numa sexta-feira, 3 de Abril; no ano 34, foi numa quartafeira,

24 de Março ou quiçá, para evitar o Equinócio, que caía

na mesma data e para ter um tempo mais conveniente para a

colheita, numa quinta feira, 22 de Abril; no ano 35, também

numa terça-feira, 12 de Abril; e finalmente em 36, num

sábado, 31 de Março.

Mas porque o décimo quinto e o vigésimo

145

primeiro dia de Nisan, um ou dois de Pentecostes e o décimo,

o décimo quinto e o vigésimo segundo dia de Tisri eram

sempre sabáticos ou dias de repouso, e havia o inconveniente

de que em dois dias seguidos fosse proibido enterrar os

mortos e preparar carne fresca, porque naquela região quente

as carnes se alterariam em dois dias; para evitar estes e outros

inconvenientes os Judeus adiavam a Lua de um dia, sempre

que o primeiro dia do mês de Tisri ou, o que dá no mesmo,

sempre que o terceiro do mês de Nisan fosse domingo, quarta

ou sexta-feira. A esta regra chamavam Regra Adu, palavra

de três letras hebraicas equivalentes aos números 1, 4, 6, isto

é, ao primeiro, o quarto e o sexto dia da semana, e que

chamamos domingo, quarta e sexta-feira.

Assim, pois, adiando de acordo com a Regra

Adu, o décimo quarto dia do mês de Nisan, no ano 31 de

Cristo cairá numa quarta-feira, 28 de Março; no ano 32, cai

numa segunda-feira, 14 de Abril; no ano 33, numa sextafeira,

3 de Abril; no ano 24 numa sexta-feira, 23 de Abril; no

ano 35, numa quarta-feira, 13 de Abril e no ano 36 num

sábado, 31 de Março.

Por este cálculo, portanto, o ano 32 fica excluído,

uma vez que a Paixão não podia cair numa sexta-feira, a

menos que fosse estabelecida cinco dias após, ou dois dias

antes da lua cheia; ao passo que deveria cair na lua cheia ou

no dia seguinte. Pelas mesmas razões ficam excluídos os anos

31 e 35, porque então a Paixão não cairia numa sexta-feira, a

menos que esse dia viesse três dias depois ou quatro dias

antes da lua cheia. Erros tão grandes seriam muito notáveis

no céu por qualquer olho vulgar. O ano 36 é aceito por muito

poucos ou por quase ninguém; assim, tanto este ano como o

ano 35 devem ser postos fora de discussão.

146

No começo de seu reinado, Tibério nomeou

Valerius Gratus como governador da Judéia; depois de 11

anos, o substituiu por Pôncio Pilatos, o qual governou por 10

anos. Então, Vitélio, nomeado recentemente governador da

Síria, despojou-o de sua honra, substituindo-o por Marcelo e,

por fim, mandando-o para Roma; mas, devido aos atrasos,

Pilatos só chegou aí depois da morte de Tibério. Nesse meio

tempo, depois de haver deposto Pilatos, Vitélio veio à

Jerusalém durante a Páscoa, em visita àquela e outras

províncias, no início de seu mandato; e no lugar de Caifás,

então sumo-sacerdote, colocou Jônatas, filho de Ananus,

chamado nas Escrituras pelo nome de Anás. Depois disso,

Vitélio voltou a Antióquia, recebeu cartas de Tibério,

indicando-lhe que fizesse a paz com Artabano, rei dos Partas.

Ao mesmo tempo, e também a pedido de Tibério, os Alanos

invadiram o reino de Artabano; e seus súditos, orientados por

Vitélio, pouco depois se rebelaram; Tibério pensava que,

premido pelas dificuldades, Artabano mais facilmente

aceitasse as condições de paz. Organizando então um grande

exército, Artabano dominou os rebeldes e, encontrando-se

com Vitélio no Eufrates, fez uma liga com os Romanos.

Depois disso, Tibério mandou que Vitélio guerreasse contra

Aretas, Rei da Arábia. Assim, pois, conduzindo seu exército

contra Aretas, foi Junto com Herodes à Jerusalém e ofereceu

sacrifícios públicos nas festas que então eram celebradas.

Tendo sido aí recebido com muitas honras, demorou-se em

Jerusalém por três dias; nessa ocasião, transferiu o sumosacerdócio

de Jônatas para seu irmão Teófilo; ao quarto dia,

tendo recebido comunicação da morte de Tibério, fez o povo

jurar fidelidade a Caio, o novo imperador, e levou a tropa a

recolher-se aos seus quartéis. Tudo isto é relatado por

147

Josephus em “Antiguidades, Lib. 18, c. 6, 7”.

Mas Tibério reinou 22 anos e 7 meses e morreu a

16 de Março, no começo do ano 37 de Cristo. Assim, a

notícia de sua morte levou 36 ou 38 dias para vir de Roma à

Vitélio, em Jerusalém. Sendo um prazo razoável para a

chegada daquela mensagem, confirma-se que a Festa a que

Vitélio e Herodes compareceram era a Páscoa; pois se tivesse

sido a Pentecoste, como geralmente se pensa, Vitélio teria

ignorado a morte do Imperador durante três meses, o que não

é admissível. Entretanto, as coisas que aconteceram entre esta

festa e a Páscoa a que Vitélio esteve presente, a saber, a

irrupção de uma sedição na Pártia, a dominação desse

movimento, a realização posterior de uma liga com os Partas,

a expedição de notícias dessa liga à Roma, o recebimento de

novas instruções, em conseqüência disso, para guerrear os

Árabes e a execução de tais ordens, requeriam certamente

muito mais tempo do que os cinqüenta dias entre a Páscoa e a

Pentecoste do mesmo ano. Conseqüentemente, a primeira

Páscoa a que Vitélio compareceu foi a do ano anterior e,

portanto, Pilatos foi deposto antes da Páscoa do ano 36, e, em

conseqüência disso, a paixão de Cristo ocorreu antes dessa

Páscoa: porque ele (Cristo) não sofreu durante a gestão de

Vitélio, nem de Vitélio e Pilatos, mas na de Pilatos somente.

Ainda se pode observar que o sumo-sacerdócio

se tinha tornado então uma função anual e que era durante a

Páscoa que se fazia a nomeação. Pois Valerius Gratus,

antecessor de Pilatos, conforme dito por Josephus, fez

Ismael o sumo-sacerdote depois de Ananus; e pouco depois,

possivelmente um ano após, o substituiu por Eleazar, depois

no ano seguinte por Simão, e depois no ano seguinte Caifás;

então demitiu Pilatos. Assim, em uma Páscoa, Vitélio vez

148

Jônatas sucessor de Caifás e na seguinte fez de Teófilo o

sucessor de Jônatas. Por isso é que nos diz Lucas que no

décimo quinto ano de Tibério, Anás e Caifás eram sumosacerdotes,

isto é, Anás até a Páscoa e Caifás depois da

Páscoa. Concordando com isto, João nos fala do exercício

anual do sumo-sacerdócio, pois nos diz repetidamente que no

último ano da pregação de Cristo, Caifás era o sumosacerdote

(João 11:49; 18:13); já no ano seguinte, isto é,

depois da Páscoa, diz Lucas que o era Anás (Atos 4:6).

Assim, pois, Teófilo foi sumo-sacerdote no

primeiro ano de Caio, Jonas o foi no vigésimo segundo ano

de Tibério e Caifás o foi no vigésimo primeiro ano deste.

Portanto, reconhecendo os períodos como um ano, a Paixão,

ao tempo em que Anás substituiu Caifás, não poderia ter sido

depois do vigésimo ano de Tibério, isto é, não depois do ano

34.

Assim, restam a considerar apenas os anos 33 e

34, o primeiro dos quais se pode excluir mediante o seguinte

argumento:

Na Páscoa dois anos antes, quando o Cristo

passou pelas searas e seus discípulos apanharam espigas e as

machucaram nas mãos e as comeram, a já maturidade dos

grãos demonstra que aquela Festa havia sido tardia; isto se

deu na Páscoa do ano 32, que conforme já vimos, caiu a 14

de Abril, enquanto que a do ano anterior, 31, caiu mais cedo,

a 28 de Março. Portanto, não foi dois anos depois de 31, mas

sim dois anos depois de 32, que se deu a Paixão de Cristo.

Assim, todas as caracterísitcas da Paixão

coincidem com as do ano 34: e é este o único ano com o qual

coincidem.

149

CAPÍTULO 12

DA PROFECIA

DA ESCRITURA

DA VERDADE

150

Os reinos representados pela segunda e terceira

Bestas, isto é, o Urso e o Leopoardo, são novamente descritos

por Daniel em sua última Profecia, escrita no terceiro ano do

reinado de Ciro sobre a Babilônia, ano em que conquistou a

Pérsia. Mas esta Profecia é um comentário sobre a visão do

Carneiro e do Bode.

Diz ele: "E agora te anunciarei a verdade. Eis

que haverá ainda três reis na Pérsia (Ciro, Cambises e Dário

Histaspes), e o quarto, que se elevará por suas riquezas acima

de todos; e depois que se tiver tornado poderoso com suas

riquezas, excitará todos os povos contra o reino da Grécia.

Levantar-se-á, porém um rei forte (Alexandre Magno), que

dominará com grande poder, fazendo o que lhe aprouver. E

quando chegar ao auge da glória, o seu reino será destruído e

dividido pelos quatro ventos do céu; mas isto não será entre

os seus descendentes (mas depois de sua morte), nem com o

mesmo poder com que ele dominou; porque o seu reino será

dilacerado, e passará a estranhos, com exceção daqueles

(quatro ditos reinos) (cf. Daniel 11:2, 3,4).

Tendo conquistado todo o Império Persa, e

também parte da Índia, Alexandre Magno morreu na

Babilônia, um mês antes do Solstício de Verão, no ano 425

de Nabonassar; seus capitães deram seu reino à seu irmão

bastardo Felipe Arideus, criatura desequilibrada; e nomearam

Pérdicas o administrador do reino. Com o assentimento

daqueles, Pérdicas nomeou Meleagro chefe do exército,

Seleuco como estribeiro mor, Craterus o tesoureiro do reino,

Antipater governador da Macedônia e da Grécia, Ptolomeu

governador do Egito, Antígono governador da Panfília, Lícia,

Licânia e Frígia Maior; Lisímaco governador da Trácia e

151

outros capitães governadores de outras províncias, tantas

quantas eram nos dias de Alexandre Magno.

Então os Babilônios começaram a contar uma

nova Era, a que chamaram Era de Felipe, partindo do ano 425

de Nabonassar, o qual veio a ser o primeiro do reinado de

Felipe. Roxana, esposa de Alexandre Magno, havia ficado

grávida e três ou quatro meses depois deu à luz um menino,

que foi chamado Alexandre, saudado como rei, e ligado a

Felipe, a quem haviam anteriormente posto no trono. Felipe

reinou três anos sob a administração de Pérdicas, mais dois

sob a de Antipater, e um ainda sob a de Poliperco: ao todo,

reinou seis anos e quatro meses, quando foi assassinado, com

sua rainha Eurídice, em Setembro, por ordem de Olímpia, a

mãe de Alexandre Magno. Descontentes com as crueldades

de Olímpia, os Gregos se revoltaram com Cassandro, filho e

sucessor de Antipater. Fingindo dominar os Gregos

revoltosos, Cassandro assassinou Olímpia e, pouco depois,

isolou o jovem rei e sua mãe Roxana no Castelo de Anfípolis,

sob a guarda de Gláucias, no ano 432 de Nabonassar.

No anos seguinte, Ptolomeu, Cassandro e

Lisímaco, por intermédio de Seleuco, formaram uma liga

contra Antígono e, depois de algumas lutas, foi feita a paz, no

ano 438 de Nabonassar, sob as seguintes condições:

Cassandro deveria comandar as forças da Europa até a

maioridade de Alexandre, filho de Roxana; Lisímaco deveria

governar a Trácia; Ptolomeu deveria governar o Egito e a

Líbia; e Antígono deveria governar toda a Ásia. Seleuco

reservara-se a Mesopotâmia, a Babilônia, a Susiana e a

Média, já desde o ano anterior. Cerca de três anos depois da

morte de Alexandre, tinha ele sido nomeado governador da

Babilônia por Antipater; então foi expulso por Antígono; mas

152

agora recobrava e alargava seu governo sobre uma grande

parte do Oriente, o que deu lugar a uma nova Era, chamada o

período dos “seleucidas”. Não muito depois (cf. Diodoro), no

mesmo ano olímpico, feita a paz com Antígono, vendo que

Alexandre, o filho de Roxana, estava crescendo, e que,

conforme era voz corrente em toda a Macedônia, estava apto

para conquistar a liberdade e assumir o governo do reino de

seu pai, Cassandro ordenou que Gláucias, então governador

do Castelo, matasse Roxana e também o jovem rei seu filho, e

que ocultasse a sua morte. Então Poliperco pôs como rei a

Hércules, filho de Alexandre Magno com a Barsine; mas, em

breve, a pedido também de Cassandro, mandou assassiná-lo.

Algum tempo depois, a vista de uma grande vitória de

Demétrio, filho de Antígono, numa batalha naval contra

Ptolomeu, Antígono tomou para si o título de rei e deu o

mesmo título ao filho. Isto ocorreu no ano de 441 de

Nabonassar. Com tal exemplo, Seleuco, Lisímaco e Ptolomeu

também tomaram o título e a dignidade real, tendo-se abstido

de o fazer enquanto ainda vivesse alguém da raça de

Alexandre Magno com direito à herança da coroa. Assim, por

falta de herdeiros, a monarquia dos Gregos partiu-se em

vários reinos, quatro dos quais, “situados nos quatro ventos

do céu", foram muito importantes. Ptolomeu reinou sobre o

Egito, a Líbia e a Etiópia; Antígono sobre a Síria e a Ásia

Menor; Lisímaco sobre a Trácia; e Cassandro sobre a

Macedônia, a Grécia e o Épiro, como já foi dito.

A esse tempo, Seleuco reinava sobre as nações

de além Eufrates que pertenciam aos corpos das duas

primeiras Bestas; mas, depois de seis anos, submeteu

Antígono, ficando assim de posse de um dos quatro reinos

proféticos. Mas Cassandro, temeroso do poder de Antígono,

153

fez uma liga com Lisímaco, Ptolomeu e Seleuco contra

Antígono; e, enquanto Lisímaco invadia as partes da Ásia nas

alturas de Helesponto, Ptolomeu submetia a Fenícia e a

Celesíria com as costas marítimas da Ásia. Seleuco veio com

um poderoso exército até a Capadócia, onde se reuniu às

forças confederadas, venceu e matou Antígono na Frígia e

apoderou-se de seu reino no ano 447 de Nabonassar.

Depois disso, Seleuco construiu Antióquia,

Laodicéia, Apaméia, Beréia, Edessa e outras cidades na Síria

e na Ásia, nas quais estabeleceu os Judeus com privilégios

iguais aos dos Gregos.

Demétrio, filho de Antígono, conservou apenas

uma pequena parte dos domínios paternos; por fim, perdeu

Chipre para Ptolomeu. Mas depois do assassinato de

Alexandre, filho e sucessor de Cassandro, rei da Macedônia,

apoderou-se desse reino no ano de 454 de Nabonassar.

Algum tempo depois, quando preparava um grande exército

para reconquistar os domínios de seu pai na Ásia, Seleuco,

Ptolomeu, Lisímaco e Pirro, rei do Épiro, ligaram-se contra

ele. Invadindo a Macedônia, corromperam o exército de

Demétrio, puseram-no em fuga, apoderaram-se do reino e o

dividiram com Lisímaco. Sete meses após, Lisímaco venceu a

Pirro, tomou-lhe a Macedônia, que susteve durante cinco

anos e meio, unindo-a ao reino da Trácia. Em suas guerras

contra Antígono e Demétrio, Lisímaco lhes havia tomado a

Cária, a Lídia e a Frígia; tinha um tesouro em Pérgamo, um

castelo no tôpo de uma colina cônica na Frígia, perto do rio

Caicus, cuja guarda havia confiado a um tal Filatero, que a

princípio lhe foi fiel, mas por fim se revoltou contra ele, no

último ano de seu reinado. Pois Lisímaco, instigado por sua

esposa Arsinoé, começou assassinando seu próprio filho

154

Agatocles e depois diversos dos que o choravam. A viúva de

Agatocles fugiu com os filhos e alguns amigos, e pediu a

Seleuco que guerreasse contra Lisímaco. Diante disso,

Filatero, que era acusado pela própria Arsinoé de ter sido o

assassino de Agatocles, pôs-se em armas ao lado de Seleuco.

Nessa ocasião Seleuco batalhou contra Lisímaco na Frígia;

este morreu na batalha e Seleuco tomou o seu reino no ano

465 de Nabonassar.

Assim, o Império dos Gregos, que inicialmente

se havia dividido em quatro, reduziu-se novamente em

dois reinos notáveis, os quais são chamados por Daniel, de os

reinos do Sul e do Norte. Então Ptolomeu reinava sobre o

Egito, a Líbia, a Etiópia, a Arábia, a Fenícia, a Celesíria e

Chipre; e Seleuco, tendo unido três dos quatro reinos, tinha

um domínio pouco inferior ao do Império Persa, antes

conquistado por Alexandre Magno.

Tudo isso é assim representado por Daniel (cf.

Daniel 11:5): "E o Rei do Sul (Ptolomeu) se fortificará, mas

um dos príncipes daquele primeiro rei (Seleuco, um dos

príncipes de Alexandre Magno) será mais poderoso do que

ele (Ptolomeu), e dominará sobre muitos países, porque o seu

domínio será grande".

Depois de haver Seleuco reinado sete meses

sobre a Macedônia, a Grécia, a Trácia, a Ásia, a Babilônia, a

Média e todo o Oriente até a Índia; Ptolomeu Ceraunus,

irmão mais moço de Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito, matouo

a traição e apoderou-se de seus domínios na Europa.

Enquanto isto, Antíoco Soter, filho de Seleuco, sucedia a seu

pai na Ásia, Síria e a maior parte do Oriente. Depois de

dezenove ou vinte anos de reinado, foi sucedido por seu filho,

Antíoco Teus, o qual, tendo tido uma guerra interminável com

155

Ptolomeu Filadelfo, acabou acomodando as coisas por meio

de um casamento com Berenice, filha de Filadelfo. Mas

depois de um reinado de quinze anos, sua primeira esposa

Laodice o aprisionou e pôs no trono seu filho Seleuco

Calínico. No princípio de seu reinado, levado pela mãe,

Calínico cercou Berenice em Dafne, perto de Antióquia,

matou-a com seu filho e muitas de suas damas. Em

conseqüência disto, Ptolomeu Euergetes, filho e sucessor de

Filadelfo, declarou guerra a Calínico, tomou-lhe a Fenícia, a

Síria, a Cilícia, a Mesopotâmia, a Babilônia, a Susiana e

outras regiões; carregou para o Egito 400.000 talentos de

prata e 2.500 imagens de deuses, entre as quais as de deuses

do Egito, trazidas por Cambises. No começo, Antíoco Hierax

ajudou a seu irmão Calínico, mas depois contendeu com ele

pela posse da Ásia. Nesse meio tempo, Eumenes, governador

de Pérgamo, bateu Antíoco e tomou a parte da Ásia que fica

ao Oeste do Monte Taurus, o que se deu no quinto ano de

Calínico, o qual, depois de um reinado inglório de 20 anos,

foi sucedido por seu filho Seleuco Ceraunus; quatro anos

depois, em 527 de Nabonassar, Eurgetes foi sucedido por seu

filho Ptolomeu Filopater.

Tudo isso assim está expresso por Daniel, cf.

Daniel 11:6, 7,8: "E alguns anos depois, eles (os reis do Sul e

do Norte) se aliarão um com o outro, e a filha do Rei do Sul

(Berenice) passará a ser (esposa) do Rei do Norte, para

travarem ambos amizade, mas esta princesa não se

estabelecerá por um braço forte, nem a sua descendência

subsistirá; e será entregue (à morte) ela mesma e os jovens

que a conduziram, e que a tinham sustentado durante algum

tempo (ou a defendido, no cerco de Dafne). Mas do seu

mesmo tronco sairá um rebento (seu irmão Euergetes), que

156

irá com um exército, e tornar-se-á senhor deles. E, além

disso, levará cativos para o Egito os seus deuses, e as suas

estátuas, e os vasos preciosos de prata e ouro, e prevalecerá

contra o Rei do Norte".

Tendo herdado o remanescente do reino de seu

pai, e pensando recuperar o que fora perdido, Seleuco

Ceraunus lançou um grande exército contra o governador de

Pérgamo, então feito rei; mas faleceu no terceiro ano de seu

reinado. Continuando a guerra, seu irmão e sucessor, Antíoco

Magno, tomou do rei de Pérgamo quase toda a Ásia Menor, e

recuperou as Províncias de Média, Pérsia e Babilônia dos

governadores revoltados; e, no quinto ano de seu reinado,

invadiu a Celesíria e, depois de fraca resistência, apoderou-se

da maior parte dela. Voltando no ano seguinte a invadir o

restante, e também a Fenícia, este bateu o exército de

Ptolomeu Filopater perto de Berytus. Então invadiu a

Palestina e suas circunvizinhanças da Arábia, voltando no

terceiro ano com um exército de 78.000 homens. Mas

Ptolomeu veio do Egito com 75.000 soldados e o derrotou em

Ráfia, perto de Gaza, entre a Palestina e o Egito, recuperando

a Fenícia e a Celesíria no ano 532 de Nabonassar. Cheio de si

por causa desta vitória, e vivendo num luxo excessivo, os

Egípcios se rebelaram, mas foram dominados e, nestes

tumultos, foram mortos 60.000 Judeus Egípcios.

Tudo isto assim está descrito na Profecia de

Daniel, cf. Daniel 11:10 a 13: "Seus filhos (Seleuco

Ceraunus e Antíoco Magno, filhos de Calínico), porém, se

estimularão com isto, e reunirão grandes exércitos; e um

deles (Antíoco Magno) marchará com grande presteza e à

maneira de inundação, e voltará (no ano seguinte) e encherse-

á de ardor, e pelejará contra as forças do Egito. Mas o Rei

157

do Sul, vendo-se assim atacado, sairá e pelejará contra o Rei

do Norte, e preparará um exército imenso, e lhe será entregue

entre as mãos uma grande multidão de inimigos. E fará um

grande número de prisioneiros, e o seu coração se elevará, e

matará muitos milhares, e contudo não prevalecerá. Porque o

Rei do Norte tornará a vir, etc.".

Cerca de doze anos depois desta batalha entre

Filopater e Antíoco, morreu aquele, deixando o reino a seu

filho menor, Ptolomeu Epifânio, de apenas cinco anos. Então

Antíoco Magno aliou-se a Felipe, rei da Macedônia, a fim de

invadirem os domínios de Epifânio nas suas vizinhanças.

Travou-se uma guerra entre Antíoco e Epifânio, sendo a

Fenícia e a Celesíria ocupadas alternativamente por um e por

outro. Com isto, estas regiões muito sofreram de ambos os

lados. Primeiramente, capturados por Antíoco, depois por um

tal Scopas, que comandava o exército egípcio e a retomou;

poucos anos depois, em 550 de Nabonassar, Antíoco derrotou

Scopas perto das nascentes do Jordão, cercou-o em Sidon,

tomou a cidade e reconquistou a Síria e a Fenícia ao Egito,

onde os Judeus lhe vieram como voluntários. Mas, cerca de

três anos depois, preparando-se para uma guerra contra os

Romanos, fez a paz com Epifânio e lhe deu sua filha

Cleópatra. No outono seguinte atravessou o Helesponto, para

invadir as cidades da Grécia, que estavam sob a proteção

Romana, algumas das quais foram tomadas. Mas foi

derrotado pelos Romanos no outro verão, e forçado a

regressar para a Ásia com o seu exército. Antes do fim do

ano, a frota de Antíoco foi batida pelos Romanos perto de

Focéa: ao mesmo tempo Epifânio e Cleópatra mandaram

uma embaixada a Roma, para felicitar os Romanos por sua

vitória contra seu sogro e pai e para exortá-los a continuar a

158

guerra contra o mesmo na Ásia. Os Romanos novamente

derrotaram Antíoco no mar, perto de Éfeso, passaram o

Helesponto, obtiveram outra grande vitória por terra e lhe

tomaram toda a Ásia ao Oeste do Monte Taurus, dando-a ao

rei de Pérgamo, que os havia auxiliado na guerra; largo

tributo foi imposto a Antíoco. Assim o rei de Pérgamo, graças

ao poder dos Romanos, recobrou aquilo que lhe havia sido

tomado; retirando-se para o que restava de seu reino, Antíoco

foi assassinado dois anos mais tarde pelos Persas, quando

saqueava o Templo de Júpiter Belus, em Elimais, a fim de

fazer dinheiro para entregar aos Romanos como imposto.

Tudo isto se acha descrito por Daniel, cf. Daniel

11:13 a 19, da maneira seguinte: "Porque o Rei do Norte

(Antíoco) tornará a vir, e juntará uma multidão de tropas

muito maior do que antes; e depois de certo tempo e anos,

virá com muita pressa com um numeroso exército e grandes

forças. E naqueles tempos se levantarão muitos contra o Rei

do Sul (principalmente os Macedônios); os filhos dos

prevaricadores de teu povo (Samaritanos, etc.) se elevarão

também para cumprirem a profecia, e cairão. E virá o Rei do

Norte, e fará terraplenagens, e tomará cidades

fortificadíssimas; e os braços (ou as forças de guerra) do Rei

do Sul não poderão suster o seu esforço, e os mais valentes

dentre eles se levantarão para lhe resistir, porém achar-se-ão

sem forças. E (Antíoco), vindo sobre ele (Ptolomeu) fará o

que bem lhe aprouver, e não haverá quem possa subsistir

diante dele, e ele entrará na terra ilustre (da Judéia), a qual

será assolada sob sua mão. E ele se confirmará (em Ráfia) no

desígnio de vir apoderar-se de todo o reino daquele, e tratará

com ele de boa fé; e dar-lhe-á em casamento sua filha

(Cleópatra), princesa de grande formosura em comparação

159

das outras mulheres, a fim de o perder, mas não lhe sairá a

coisa conforme o seu intento, e ela não será por ele. E dirigirse-

á às Ilhas, e tomará muitas delas; e fará deter (por algum

tempo) o autor de seu opróbio, mas (por fim) ficará coberto

de confusão. E voltará para as terras do seu império, e

tropeçará, e cairá, e não será mais achado".

Seleuco Filopater sucedeu a seu pai Antíoco no

ano 561 de Nabonassar e reinou doze anos, mas nada fez de

notável; era preguiçoso e atento apenas em extorquir dinheiro

para os Romanos, de quem era tributário. Foi assassinado por

Heliodoro, a quem havia mandado saquear o templo de

Jerusalém. Assim descreve Daniel (cf. Daniel 11:20) o seu

reino: "E um homem, vilíssimo e indigno da honra de rei,

ocupará o seu lugar, e perecerá em poucos dias (anos), não no

furor de alguma briga, nem em alguma batalha".

Um pouco antes da morte de Filopater, seu filho

Demétrio foi enviado à Roma como refém, em vez de

Antíoco Epifânio, irmão de seu pai; Antíoco achava-se em

Atenas, voltando de Roma, quando morreu Filopater. Em

conseqüência, Heliodoro, tesoureiro do reino, subiu ao trono.

Mas Antíoco manejou os negócios de tal modo que os

Romanos retiveram Demétrio em Roma e o Rei de Pérgamo,

aliado daqueles, derrubou Heliodoro e pôs Antíoco no trono,

enquanto Demétrio, o herdeiro legal, ficava em Roma como

refém. Assim feito rei, graças à amizade do Rei de Pérgamo,

Antíoco reinou com grande autoridade sobre a Síria e as

nações vizinhas; mas rebaixou muito sua própria dignidade,

roubando quando saía do palácio, vagabundeando pela

cidade, disfarçado, com um ou dois companheiros,

tagarelando e bebendo com gente da mais baixa classe, com

forasteiros e desconhecidos, freqüentando ambientes de

160

dissolução, onde se divertia, vestindo-se como autoridades e

oficiais Romanos, representando papéis cômicos e, nas festas

públicas, saracoteando com criadas e gente do povo,

expondo-se por todas as maneiras ridículas. Tal conduta fez

com que fosse tomado por louco.

No primeiro ano de seu governo, depôs o sumosacerdote

Onias e vendeu essa dignidade a Jason, irmão mais

moço de Onias, porque Jason lhe havia prometido 440

talentos de prata pelo cargo e mais 150 por uma licença para

a construção de um estabelecimento onde os jovens fossem

treinada nas maneiras pagãs. Tal licença foi concedida pelo

rei e executada por Jason. Então, tendo o rei mandado um tal

Apolônio ao Egito à coroação de Ptolomeu Filometor, jovem

filho de Filometor e de Cleópatra, soube que Filometor não

tinha boa impressão de sua conduta na Fenícia; então tomou

medidas em favor de sua própria segurança, para o que foi a

Jope e a Jerusalém, onde foi recebido com muitas honras. Daí

percorreu as cidades da Fenícia com um pequeno exército,

prevenindo-se contra o Egito, cortejando o povo e lhe

distribuindo favores extraordinários.

Tudo isto vem assim descrito por Daniel, cf.

Daniel 11:21 a 24: "E ocupará o seu lugar (de Filometor) um

homem desprezível, e não lhe será dada a honra de rei (pois

os Sírios é que haviam elevado Heliodoro); e virá

secretamente, e se apoderará do reino com engano (feito

principalmente ao rei de Pérgamo). E os braços do

combatente (que foram a favor de Heliodoro) serão vencidos

diante dele e quebrados, e também o chefe da confederação

(o sumo-sacerdote Onias). E depois de feita esta amizade

(pela ida de Apolônio à coroação), usará com ele de engano, e

subirá (ao Egito) e vencê-lo-á com pouca gente. E entrará nas

161

cidades grandes e ricas (da Fenícia); e lhes fará o que nunca

fizeram seus pais, nem os pais de seus pais (para agradar os

Judeus da Fenícia e do Egito e os seus amigos): repartiros

despojos, os capturados e a riqueza deles, (tomada de outros

lugares) e formará projetos contra as mais fortes cidades, e

isto durará um certo tempo".

Tais coisas foram feitas no primeiro ano de seu

reinado, em 573 de Nabonassar. De então por diante,

desenvolve seus planos de conquista do Egito, até o sexto

ano. Três anos depois, ou seja, no quarto ano de seu reinado,

Menelau comprou o sumo-sacerdócio a Jason; mas não tendo

pago o preço ajustado, foi substituído pelo rei, e este, antes

que pudesse receber a reclamação, foi a Cilícia, a fim de

apaziguar uma sedição e deixou Andrónico como seu

representante na Antióquia; nesse meio tempo e a fim de

fazer dinheiro, um irmão de Menelau subtraiu alfaias do

Templo, vendeu uma em Tiro e mandou outras a Andrónico.

Tendo Onias censurado a Menelau, este levou Andrónico a

assassiná-lo, pelo que, ao regressar da Cilícia, o rei mandou

matar Andrónico.

Então Antíoco preparou sua segunda expedição

contra o Egito, o que realizou no sexto ano de seu reinado, no

ano 578 de Nabonassar, sob o pretexto de que, por morte de

Cleópatra, os governadores de seu filho, o jovem rei do

Egito, reclamavam a devolução da Fenícia e da Celesíria, que

era a herança daquela rainha e que, para recobrar aqueles

países, levantavam um grande exército (cf. Macabeus 3:5, 8;

4:4). Considerando Antíoco que seu pai não havia renunciado

a posse daqueles países, negou que fossem herança da rainha

e, com outro grande exército deu batalha aos Egípcios nas

fronteiras desse país, entre Pelusium e o monte Casius.

162

Bateu-os, e teria destruído todo o seu exército, se não tivesse

corrido para um lado e para o outro, ordenando aos seus

soldados que não matassem, mas os prendessem. Por este ato

de humanidade, conquistou o Pelusium, e pouco depois, o

Egito, onde penetrou com enorme tropa de infantaria, de

carros, de elefantes e de cavalaria, assim como uma grande

frota. Então, conquistando pacificamente as cidades do Egito,

marchou para Mênfis, descarregou a inteira responsabilidade

da guerra sobre Euloeus, governador do rei, estabeleceu

amizade com o jovem soberano e tomou conta dos negócios

do reino. Enquanto assim se ocupava Antíoco, espalhou-se na

Fenícia o boato de que o mesmo havia morrido. Então, para

reconquistar o sumo-sacerdócio antes perdido, Jason

asssaltou Jerusalém com mais de mil homens e tomou a

cidade. A vista disso, e supondo que a Judéia se houvesse

sublevado, o rei largou-se às pressas do Egito, reconquistou a

cidade de Jerusalém, matou quarenta mil pessoas, fez outros

prisioneiros e os vendeu para fazer dinheiro, foi ao Templo,

saqueou o seu tesouro, os ornamentos, os utensílios, as alfaias

de ouro e prata, no valor de 1.800 talentos, carregando tudo

para a Antióquia.

Isso se passou no ano 578 de Nabonassar e assim

descrito por Daniel, cf. Daniel 11:25 a 28: "E será instigado

pelo seu próprio poder e pelo seu coração a sair contra o Rei

do Sul com um grande exército; e o rei do meio

(possívelmente outra alusão ao rei do oriente, isto é, o Rei do

Norte) animar-se-á a sair à batalha com muitas e fortes tropas

auxiliares; mas eles não perseverarão firmes, porque (até

Antíoco e seus amigos) maquinarão desígnios contra ele. E

aqueles mesmos que comiam o pão com ele, o arruinarão, e o

seu exército será oprimido, e um grande número dos seus

163

cairão mortos. Também estes dois reis somente pensarão em

fazer o mal um ao outro, e, (como amigos) sentados à mesma

mesa, dirão palavras de mentira (contra os Judeus e contra o

santo concerto), mas nenhum conseguirá os seus intentos,

porque o prazo (marcado por Deus para a própria

abominação da desolação) é para ‘outro tempo’.

E voltará ao seu país com muitas riquezas; e seu

coração será hostil à santa aliança (do Senhor, com Israel) e

fará muitos males (aos Judeus), e voltará para o seu país".

Vendo Filometer, inicialmente educado no luxo

pelo eunuco Euloeus, nas mãos de Antíoco, os Egípcios de

Alexandria deram o reino a Euergetes, irmão mais moço do

soberano. Sob o pretexto de restaurar Filometer, Antíoco

guerreou Euergetes, bateu-o por mar e sitiou-o, bem como a

sua irmã Cleópatra, em Alexandria. Como os Príncipes

assediados houvessem pedido socorro ao senado Romano, e

Antíoco não se achasse bastante forte para tomar a cidade

naquele ano, voltou para a Síria, deixando Filometer em

Mênfis, para governar o Egito em sua ausência. Durante o

inverno, Filometer fez as pazes com o irmão. Quando, na

primavera do ano de 580 de Nabonassar, Antíoco voltava

para atacar a ambos, encontrou no caminho os Embaixadores

Romanos Pompilius Loena, C. Decimus e C. Hostilius;

ofereceu-lhes a mão para ser beijada, mas Pompilius

entregou-lhe as tábuas com a mensagem do Senado,

intimando-o a que primeiro as lesse. Depois de as ler, disse

que consideraria com os amigos aquilo que convinha fazer,

mas Pompilius riscou um círculo em torno dele e intimou-o a

responder antes de sair do mesmo. Admirado ante esse

estúpido e desusado imperativo, Antíoco respondeu que faria

o que os Romanos quisessem.

164

Então Pompilius extendeu a mão para que o Rei

a beijasse e logo este saiu do Egito. No mesmo ano, seus

capitães, por sua ordem, assolaram e trucidaram os Judeus,

profanaram o Templo, estabeleceram o culto de deuses

pagãos em toda a Judéia, e começaram a perseguir e guerrear

aqueles que os não adoravam. Tais ações estão assim

descritas por Daniel, cf. Daniel 11:29,30: "No tempo

determinado, voltará e tornará a vir para o Sul, mas esta

última expedição não será semelhante à primeira. Porque os

navios e os Romanos virão contra ele; e ficará consternado, e

voltará, e conceberá uma grande indignação contra a

aliança do santuário, e conforme ela, assim farás, depois

tornará a vir, e empreenderá muitas coisas contra aqueles

que tiverem abandonado a aliança do santuário".

No ano em que, por ordem dos Romanos,

Antíoco retirou-se do Egito e estabeleceu o culto dos deuses

gregos na Judéia, os Romanos conquistaram a Macedônia,

reino fundamental do Império Grego, reduzindo-a a uma

Província. Deste modo, começaram a pôr um fim à terceira

Besta, o que assim se acha expresso por Daniel: "E, depois

dele, as armas (isto é, os Romanos) levantar-se-ão". Nas

Profecias de Daniel, braços (ou armas) estão por toda parte,

significando o poder militar de um reino, e se erguem quando

conquistam ou se tornam poderosos. Até aqui, Daniel

descrevia as ações dos reis do Norte e do Sul; mas com a

conquista da Macedônia pelos Romanos, deixou de descrever

as ações dos Gregos e começou a descrever as dos Romanos

na Grécia. Eles conquistaram a Macedônia, a Ilíria e o Épiro

no ano 580 de Nabonassar. Pelas disposições testamentárias

de Átalo, último rei de Pérgamo, 35 anos depois herdaram

este rico e florescente reino, que compreendia a Ásia ao oeste

165

do Monte Taurus; 69 anos depois, conquistaram o reino da

Síria, que reduziram à condição de província e 34 anos depois

fizeram o mesmo ao Egito. Por todas estas etapas, as armas

Romanas sobrepujaram os Gregos. E 95 anos mais tarde, ao

guerrear os Judeus, violaram o santuário à força,

proibiram o sacrifício diário, substituindo-o pela

"abominação da desolação", pois esta foi posta depois dos

dias de Cristo, como se lê em Mateus 24:15. No ano

décimo sexto do Imperador Adriano, isto é, no ano 132, a

abominação foi estabelecida pela construção de um

Templo a Júpiter Capitolinus no local onde fora antes o

Templo de Deus em Jerusalém. Por isso os Judeus se

revoltaram, chefiados por Barchochab, pegaram em armas

contra os Romanos, numa guerra em que foram destruídas 50

cidades, 985 de suas melhores vilas e aldeias, e passado a fio

de espada 580.000 homens; e no fim da guerra, no ano de

136, os Judeus foram expulsos sob pena de morte, com o

que a terra ficou desolada de seus velhos habitantes.

No começo da guerra judaica, no reinado de

Nero, os Apóstolos fugiram da Judéia levando consigo os

seus rebanhos: alguns para além do Jordão, para Pella e

outros lugares. Pedro e João vieram para a Ásia e Pedro foi

para Roma, via Corinto. Mas João ficou na Ásia, tendo sido

banido pelos Romanos para Patmos, sob acusação de chefe

de um partido de Judeus, cuja nação então se achava em

guerra com os Romanos. Por essa dispersão dos judeuscristãos,

a religião cristã, que já se propagava para oeste até

Roma, espalhou-se rapidamente em todo o Império Romano,

e sofreu muitas perseguições, até os dias de Constantino o

Grande e de seus filhos.

Tudo isto vem descrito por Daniel, cf. Daniel

166

11:32 a 35: "E os prevaricadores da aliança usarão de

disfarces e fraude (os que adoram deuses pagãos e colocam a

abominação) mas o povo, que conhece o seu Deus,

perseverará constante e procederá (segundo a Lei). E os que

forem doutos entre o povo, ensinarão a muitos; e cairão

vítimas da espada, e da chama, e do cativeiro e das rapinas

prolongadas. E, quando caírem arruinados, serão sustidos por

um fraco auxílio (no reinado de Constantino o Grande) e

muitos vindos de entre os pagãos (devido ao

desenvolvimento do Cristianismo, nesta época de

Constantino) se ajuntarão a eles fingidamente. E dos sábios

alguns cairão para que sejam acrisolados e purificados, e

branqueados até ao tempo marcado”; porque ainda haverá

outro tempo.

Até aqui o Império Romano continuava intacto.

Sob seu domínio, o pequeno chifre do Bode continuava forte,

"mas não por suas próprias forças". Então, pelo crescimento

de Constantinopla, dotada de um Senado, e outros privilégios

semelhantes aos de Roma; e pela divisão do Império Romano

em dois, o dos Gregos e o dos Latinos, sediados nessas duas

cidades (Constantinopla e Roma); começa um novo estado de

coisas, no qual um "rei" (o Império dos Gregos) fará o que

quiser e (estabelecendo suas próprias leis acima das leis de

Deus) se elevará e engrandecerá contra todo o deus; e falará

insolentemente contra o Deus dos deuses, e sair-lhe-ão bem

as coisas até que a ira seja cumprida. E não terá respeito

algum ao Deus de seus pais e mostrar-se-á apaixonado por

mulheres; e nenhum caso fará dos deuses, pois se julgará

superior a tudo. Mas vencerá o deus Maozim (isto é, guardas

fortes e almas dos mortos) no seu templo, e enfeitará com

ouro, e prata, e pedras preciosas, e com tudo o que há de

167

custo a este deus, que seus pais desconheceram (cf. Daniel

11:36 a 38).

Tudo isto se refere à disseminação de monges e

freiras no Império Grego, os quais reduzem a santidade à

abstinência do matrimônio, à invocação de santos, à

veneração de suas relíquias (restos mortais) e outras

superstições, que esses homens introduziram no quarto e

quinto séculos.

"E o Rei do Sul (os Saracenos) pelejará contra

ele no tempo assinalado, e o Rei do Norte (os Turcos)

marchará também contra ele como uma tempestade, com

grande multidão de carroças e de gente a cavalo e com uma

grande armada, e entrará nas suas terras, e assolá-las-á, e

passará adiante. Depois entrará na terra gloriosa (ou na

Judéia) e serão devastadas muitas províncias, e somente se

salvarão das suas mãos estas: Edom e Moab, e as fronteiras

dos filhos de Edom e de Moab, e as fornteiras dos filhos de

Amon, isto é, aquelas a quem suas caravanas pagam tributo.

E estenderá a sua mão contra as suas províncias, e a terra do

Egito não escapará. E tornar-se-á senhor dos tesouros de ouro

e de prata, e de tudo o que há de precioso no Egito, e passará

também pela Líbia e pela Etiópia (cf. Daniel 11:40 a 43).

Todas estas nações compõem o Império Turco;

portanto, este Império é aqui tomado como o Rei do Norte.

Também constituem o corpo do Bode; portanto o Bode ainda

reina no seu último chifre, mas não por seu próprio poder.

168

CAPÍTULO 13

DO REI QUE FEZ O QUE QUÍS,

ELEVOU-SE E ENGRANDECEU-SE

ACIMA DE TODOS OS DEUSES,

E VENCEU OS MAOZINS,

E MOSTROU-SE INDIFERENTE

AO AMOR DE MULHERES

169

Nos primeiros tempos do Cristianismo, os

cristãos de cada cidade eram governados por um Concílio de

Presbíteros, sob a presidência do Bispo da cidade. Bispos e

Presbíteros não se intrometiam nos negócios de outra cidade,

a não ser em mensagens e cartas de admoestação. Também,

os Bispos de várias cidades não se reuniam em Concílio antes

do reinado do Imperador Romano Cômodo, por isso que não

podiam se reunir sem licença dos governadores Romanos das

Províncias. Mas nos dias de Cômodo, e com permissão dos

governadores, começaram a se reunir em Concílios

Provinciais: primeiramente na Ásia, em oposição a "heresia

dos Catafrígios" (sobre o que falaremos logo adiante); pouco

a pouco, o fazendo em outros lugares e em várias ocasiões.

Geralmente o Concílio era presidido pelo Bispo da Capital da

província Romana: daí vem a autoridade dos Bispos

metropolitanos sobre os outros Bispos da mesma província.

Vem daí o motivo de, mais tarde, nos dias de Cipriano, ter-se

o Bispo de Roma chamado a si mesmo Bispo dos Bispos.

Logo que o Império se tornou cristão, o Imperador romano

Constantino começou a convocar Concílios em todas as

províncias. E, estabelecendo aquilo que devia ser considerado

e os influenciando, por seu interesse e poder, tomaram o

partido que quiseram.

Foi assim que, depois da divisão do Império

Romano em Grego e Latino, aquele se tornou "o rei",

que, em matéria religiosa, "fará o que quiser" e,

legislando "se elevará e engrandecerá contra todo o deus"

e, por fim, no sétimo Concílio Geral, estabelecerá o culto

das imagens e da alma dos mortos, chamados Maozins.

O mesmo "rei" estabeleceu como santidade a

170

abstinência do casamento. Diz-nos Eusébio, em sua “História

Eclesiástica Lib. 4 C. 18, 29” que Musanus escreveu um

tratado contra os que haviam caído na heresia dos Encratitas,

recém-estabelecida, cujo autor era Taciano, discípulo de

Justino, introduzindo erros perniciosos; e que no seu primeiro

livro contra tais heresias, referindo-se a Taciano e sua

heresia, assim se exprimiu Irineu:

“Derivados de Saturnino e de Márcio, eram

chamados "continentes" ensinavam que se não deve contrair

matrimônio, naturalmente reprovando este primitivo ofício de

Deus, e acusando-O implícitamente pelo fato de ter feito o

homem e a mulher para a procriação do gênero humano.

Também introduziram a abstinência do uso das coisas que

chamam 'animais', e mostrando-se ingratos contra aquele

Deus que criou todas as coisas. Também negam a salvação do

primeiro homem. Isto, ainda recentemente, foi excogitado

entre eles por um tal Taciano, destacado entre todos como

autor desta impiedade; e este, tendo sido discípulo de Justino,

durante todo o tempo que com ele esteve, Justino nada

inventou neste gênero. Mas após o seu matírio, separando-se

da Igreja, enaltecido e temido por sua arrogância de doutor,

como se fosse melhor que os outros, introduziu uma nova

forma de doutrina. Esta mesma incrível inverdade também

sustenta Valentino, com Saturnino e Márcio: a de que o

matrimônio não passa de uma corrupção e de um estrupro,

meditando, além disso, novos argumentos a fim de destruir a

salvação de Adão. Esta a heresia que então houve, vinda dos

Encratitas”, concluiu Irineu.

Eusébio só chega até aqui em seu relato, Mas,

conquanto os partidários de Taciano fossem inicialmente

considerados heréticos, sob a denominação de 'Encratitas' ou

171

'continentes', seus princípios não podiam ser ainda muito

reprovados: pois Montano revelou-se muito cortês a respeito

de Taciano e apenas considerou ilegal o segundo casamento;

ele também estabeleceu jejuns freqüentes e os dias de jejum

anual, a observação da Páscoa e a alimentação com carnes

secas. Nos meados do terceiro século, os Apostólicos se

constituiam um ramo dos discípulos de Taciano e

condenavam o casamento. No final do terceiro século, os

Hierocitas do Egito também condenavam o casamento. Paulo

O Eremita fugiu para o deserto, subtraindo-se às perseguições

de Decius e aí viveu vida solitária até o reinado de

Constantino o Grande; entretanto, não fez discípulos. O

mesmo fez Antão, na perseguição de Deocleciano, ou um

pouco antes desta, e teve discípulos. Em breve, muitos outros

seguiram-lhe o exemplo de celibato e vida reclusa.

Até então os princípios dos Encratitas haviam

sido rejeitados pelas Igrejas; mas então, refinados pelos

monges e impostos não a todos os homens, mas apenas

àqueles que voluntáriamente tomavam vida monástica,

começaram a ser admirados e penetrar, primeiro na Igreja

Grega, e por fim na Latina, como uma torrente. Diz Eusébio

(em “In vita Constantini L. 4 C. 28”) que Constantino o

Grande tinha em grande veneração esses homens, que se

haviam dedicado inteiramente à filosofia “divina”; e que uma

quase igual veneração tinha Ele pela santa companhia das

virgens “perpétuamente devotadas à Deus", pois estava certo

de que o Deus a quem Ele próprio se havia consagrado "vivia

na mente destes e destas". Em seu tempo, e no de seus filhos,

essa profissão de vida singular foi propagada no Egito por

Antão, e na Síria por Hilário. E espalhou-se tão rapidamente

que, pouco depois de Juliano o Apóstata, a terça parte da

172

população do Egito vivia nos desertos, inicialmente em celas

isoladas, depois reunidas em mosteiros ou conventos; por

fim, estes vieram para as cidades, e encheram as igrejas de

Bispos, Presbíteros e Diáconos, como veremos.

Nos dias de sua mocidade, Atanásio derramava

água sobre as mãos de seu mestre Antão; e vendo que os

monges lhe eram fiéis, elevou a muitos deles como Bispos e

Presbíteros no Egito. Esses Bispos erigiram novos mosteiros,

nos quais nomearam Presbíteros para as próprias cidades e

Bispos para outras.

O mesmo se fazia na Síria, onde a superstição foi

propagada rápidamente, vinda do Egito, graças a Hilário,

discípulo de Antão, a Espiridião e Epifânio de Chipre, Tiago

de Nisa, Cirilo de Jerusalém, Eustáquio de Sebástia, na

Armênia; Eusébio de Emisa, Tito de Bostra, Basílio de

Ancira, Acácio de Cesaréia, na Palestina; Elpídio de

Laodicéia, Melício e Flaviano de Antióquia, Teodoro de Tiro,

Protógenes de Carra, Acácio de Beréia, Teodotus de

Hierápolis, Eusébio de Calcedônia, Anfilóquio de Icônio,

Gregório Naziazeno, Gregório de Nissa e João Crisóstomo,

de Constantinopla, foram todos Bispos Monges do quarto

século.

Eustátio, Gregório Nazianzeno, Gregório de

Nissa, Basílio e outros tinham mosteiros de Clérigos nessas

cidades, de onde saíram Bispos para outras. Seguindo o

exemplo, estes aí criaram mosteiros, onde as Igrejas locais se

abasteciam de Bispos.

Por isso, numa carta escrita por volta do ano 385

(“Epist. 10”), assim Jerônimo se refere ao Clero da época:

"Como eles próprios não são mais que Monges, tudo quanto

se diz contra eles não recaia sobre os Clérigos, que são os

173

pais dos Monges. Aquilo que prejudica o rebanho é sempre

uma vergonha para o pastor". E, no seu livro “contra

Vigilantius”, lê-se: "Quê farão as Igrejas do Oriente? Estas

recebem Clérigos virgens ou continentes, ou que, tendo

esposas, desistem de ser maridos!"

Não muito tempo depois, já os Imperadores

davam ordem às Igrejas para que estas escolhessem clérigos

(leia-se Bispos e Presbíteros) nos Mosteiros, de acordo com a

seguinte lei (“L. 32, de Episcopis”):

"Os Imperadores Arcádio e Honório Augustos, a

Cesário P. F. Procônsul: Se por acaso os Bispos pensam que

lhes mingüam os Clérigos, é mais justo que os ordenem de

entre os Monges: não os vejam com maus olhos ou como

inimigos, por motivos públicos ou privados, mas os

considerem como aprovados. Dado aos 7 de Agosto de 398,

pelos Cônsules Honório A. IV e Eutiquiano".

Tal Édito acentua como uma característica do

"rei que fará o que quiser" a "indiferença ao amor das

mulheres". E o Império Grego se achava mesmo nas mãos

dos Encratitas, pelos quais estes (Imperadores) revelavam

uma grande admiração.

A seita dos Encratitas foi firmada pelos

Gnósticos, e propagada por Taciano e Montano lá para os

fins do segundo século; sua doutrina foi primeiramente

condenada pelas Igrejas deste e do século seguinte, o terceiro,

mas no terceiro e quarto séculos a condenação foi corrigida

por partidários destes (em especial, os Imperadores Romanos

no quarto século); ela espalhou-se nas Igrejas do Oriente

durante o quarto século e, antes que esse terminasse, penetrou

todo o Ocidente. Daí por diante, tendo as igrejas Cristãs

uma "forma de divindade, entretanto negando a sua

174

força", caiu nas mãos dos Encratitas; e os pagãos, que

durante o quarto século haviam penetrado nos meios cristãos,

abraçaram mais rapidamente essa espécie de cristianismo, de

vez que a mesma tinha maior afinidade com suas velhas

superstições pagãs do que com os sinceros Cristãos cujas

lâmpadas das Sete Igrejas da Ásia - e não pelas dos Mosteiros

- haviam iluminado a universal Igreja de Deus durante os três

primeiros séculos.

Os Catafrígios também criaram algumas outras

superstições, como a Doutrina dos Espíritos e de seu castigo

no Purgatório, mitigado por meio de preces e oblações (de

vivos), tal como se lê em Tertuliano, em seus livros "De

Anima" e "De Monogamia". Também usavam o sinal da cruz

como ‘encantamento’. Em outro livro, "De Corona Militis",

Tertuliano diz dos Catafrígios: "Faz-se na fronte o sinal da

cruz para qualquer movimento: seja para entrar, para sair,

para vestir-se, calçar-se, lavar-se, ou sentar-se à mesa, para

acender a luz, ao deitar-se ou ao sentar-se para qualquer

palestra".

Todas estas superstições são referidas

proféticamente por Paulo, quando diz, em I Tim. 4:1 a 3 :

"Ora, o espírito diz, claramente, que, nos últimos tempos,

alguns apostatarão da fé, dando ouvido a espíritos

‘enganadores’ e a doutrina ‘de demônios’ e espíritos

‘adorados pelos pagãos’, que com hipocrisia ‘propagam a

mentira’” a respeito de suas aparições, milagres que

praticam, suas relíquias e o sinal da cruz, "e têm eles

cauterizada a consciência, proibindo o matrimônio e o uso

dos alimentos que Deus criou para que, (mesmo) com ação de

graças, (não) participem deles os fiéis e aqueles que

conheceram a verdade".

175

Estes princípios e práticas dos Catafrígios

passaram à posteridade. "Porque o mistério da iniqüidade

(deles) já se opera" nos dias dos Apóstolos através dos

Gnósticos, continuando seu trabalho muito intensamente na

sua linhagem de Tacianistas (Encratistas) e Catafrígios; "e

então se manifestará esse (ministério) iníquio"; "a vinda dele

é por obra de Satanás com todo o poder (Romano lhe

favorecendo), e com sinais e prodígios mentirosos, e com

todas as seduções da iniquidade", coloridos com a forma de

piedade Cristã (culto às relíquias dos mortos mártires e

respectivos milagres atribuídos às relíquias), mas sem o seu

poder” (2 Tessalonicenses 2:7 a 10).

Conquanto um certo freio houvesse sido posto ao

"cristianismo catafrígio" por Concílios Provinciais, até o

quarto século, ao se tornarem cristãos os Imperadores

Romanos e, com eles, grandes massas de pagãos, atraídas

pelas ‘exterioridades’, estes acharam a "forma catafrígia" (de

culto) mais adaptável a seus velhos princípios (pagãos), em

que a religião consistia antes em cerimônias e exterioridades,

dias santos e doutrina de Espíritos, do que na ‘religação’ dos

Cristãos sinceros. Por esse motivo, logo se colocaram ao lado

dos "cristãos catafrígios" e estabeleceram essa forma de

cristianismo (como padrão) antes de findar-se o quarto

século. Foi assim que "aqueles que tinham conhecimento",

depois de terem sido perseguidos pelos Imperadores pagãos

durante os três primeiros séculos, e haverem recebido um

pequeno auxílio com a conversão de Constantino o Grande,

e seus filhos, caíram sob novas perseguições (desta vez

‘doutrinárias’), "para que sejam acrisolados, e purificados e

branqueados até ao tempo marcado". (Daniel 11:33 a 35).

176

CAPÍTULO 14

DOS MAOZINS,

VENERADOS

PELO REI

QUE FAZ O QUE QUER

177

Referem-se as Escrituras aos “que crêem em

Deus” e aos “que crêem em ídolos”. Elas dizem que "Deus é

o nosso refúgio, a nossa força e a nossa defesa"; no mesmo

sentido, Deus é "a rocha de seu povo", enquanto que os falsos

deuses são "a rocha dos que neles acreditam" (Deuteronômio

32:4, 15, 18, 30, 37). Ainda no mesmo sentido é que os

deuses do "rei que fará aquilo que quiser" são chamados

proféticamente de Maozins: alimento, fortaleza, protetores,

guardiães e defensores. Diz Daniel (cf. Daniel 11:38, 39):

"Mas vencerá o deus Maozim no ‘seu templo’, e enfeitará

com ouro, e prata, e pedras preciosas e com tudo o que há de

custo a este deus, que seus pais desconheceram. E ‘fortificará

as suas praças (ou templos); e lhes dará poder sobre muitas

coisas’, e lhes repartirá a terra gratuitamente".

Ora, isto aconteceu por etapas, no seguinte

modo:

Conta-nos Gregório de Nissa (“Orat. de vita

Greg. Thaumaturg T. S. pg. 574”) que, depois da perseguição

do Imperador Décio, o Bispo de Neocesaréia, no Ponto,

então chamado Gregório, "instituiu entre todo o povo, como

adição ou corolário de devoção para com Deus, que fossem

celebradas festas àqueles que haviam lutado pela fé", isto é,

os Mártires. O que na opinião de Gregório de Nissa era mais

do que justificável “... quando se observa que a multidão

simples e inábil, por força dos prazeres corporais, (ainda)

permanecia no "erro dos ídolos"; que o que havia de mais

importante entre eles deveria ser corrigido, isto é, que em

lugar de seu culto vão, deveriam voltar suas vistas para

Deus; (então) era permitido que, em memória dos santos

mártires aqueles se alegrassem, se deleitassem e se

dissolvessem de prazer”.

178

Deleitavam-se os pagãos com os festivais de seus

deuses e não estavam dispostos a renunciar àqueles deleites; é

por isso que, no propósito de "lhes facilitar a conversão ao

cristianismo", Gregório instituiu festas anuais aos Santos e

aos Mártires. Eis por que, com a preocupação de eliminar

as festas pagãs, as principais festas cristãs foram

estabelecidas exatamente nas mesmas datas que estas: assim,

a comemoração do Natal com os comes e bebes, jogos e

esportes, em lugar das ‘Bacchanalia’ e das ‘Saturnalia’ pagãs;

a celebração do Dia de Maio com flores no dia das festas

‘Floralia’; as festividades da Virgem Maria, de João Batista e

de diversos Apóstolos nas datas das solenidades da entrada

do Sol nos signos dos Zodíaco, segundo o calendário juliano.

Durante aquela perseguição de Décio, Cipriano ordenou que

se registrassem as paixões (leia-se: martírios) dos Mártires na

África, a fim de que, anualmente, fosse celebrada a sua

memória com oblações e sacrifícios.

E pouco depois, Felix, Bispo de Roma,

(registrado por Platina) "Consultando a glória dos Mártires,

ordenou que se celebrassem sacrifícios anuais em honra a

Eles". Devido aos prazeres desses festivais, os cristãos

cresceram muito em número, mas decresceram

proporcionalmente em virtude, até que fossem, conforme

declarou Daniel, "acrisolados e branqueados" pela

perseguição de Deocleciano.

Foi este o primeiro passo dado pela religião

cristã no sentido da veneração dos Mártires, apesar de que,

até então, ainda se tratasse de uma adoração ilegal.

Entretanto, tal liberação é que dispôs, posteriormente, os

cristãos à uma veneração dos mortos, como, pouco tempo

depois, devia acontecer, pela "invocação dos Santos mortos,

179

ou Santos mártires".

O passo seguinte foi fingir que se orava no

sepulcro dos próprios Mártires, prática esta iniciada durante a

perseguição promovida por Diocleciano.

No terceiro ou quarto ano desta perseguição,

reuniu-se o Concílio de Eliberis, na Espanha, no ano 305,

entre cujos cânones encontramos o de número 34, que diz:

"Concordam mutuamente que se não acendam mais as velas

durante o dia nos Cemitérios: de fato, as almas dos Santos

não devem ser perturbadas. Aqueles que não observarem

estas coisas, serão afastados da comunhão da Igreja".

Também, o cânone número 35, que diz: "Resolvem, assim,

proibir que as mulheres passem a noite nos Cemitérios, pois

que, muitas vezes, sob pretexto de estarem a orar, algumas

ocultamente cometem crimes".

Então, após encerrada a perseguição de

Diocleciano, por volta do ano 314, segundo penso, o Concílio

de Laodicéia, na Frígia, reunido na intenção de restaurar a

decaída disciplina da Igreja, devida às muitas perseguições,

estabeleceu os seguintes cânones:

Cânone 9: "Os que pertencem à Igreja não têm

licença de ir aos Cemitérios, ou 'martírios dos heréticos' como

estes são chamados, com a finalidade de orar ou recuperarem

sua saúde; os que o fizerem, sendo fiéis, serão excomungados

por algum tempo".

Cânone 34: "Um Cristão não deve deixar os

Mártires de Cristo para ir a um falso mártir, isto é, a um

mártir dos heréticos; pois estes são estranhos à Deus:

portanto, sejam anátema (malditos) aqueles que vão aos

mesmos".

Cânone 51: "Os aniversários dos Mártires

180

(mortos) não devem ser celebrados com jejuns; sua

comemoração deve ser feita nos Sábados e nos dias do

Senhor”.

O Concílio de Paflagônia, celebrado no ano de

324, fez este cânone: "Se algum for arrogante e abominar a

congregação dos Mártires, ou as liturgias a eles referentes, ou

mesmo a memória dos Mártires, que seja anátema (maldito)".

Por tudo isto, é manifesto que, no tempo das

perseguições de Deocleciano, os Cristãos realmente

costumavam orar nos cemitérios e sepulcros dos mortos; pois

assim contornavam o perigo das perseguições e da falta de

igrejas, que haviam sido então todas destruídas. E, mesmo

depois de cessada a perseguição, continuou-se aquela prática,

em honra aos Mártires, até que novas Igrejas foram

edificadas. O hábito era considerado ‘vantajoso para a

devoção e para a restauração da saúde dos doentes’. Parece,

ainda, que nesses lugares de sepultamento, os Mártires eram

comemorados anualmente em certos dias, que lhes eram

dedicados; que ‘tais práticas eram tidas como piedosas e de

caráter religioso’; que eram anatematizadas as pessoas que

tinham a arrogância de lhes ser contrárias, ou de orar em

túmulos de heréticos da doutrina; que estes cristãos acendiam

velas aos Mártires em pleno dia, tal qual faziam os pagãos

aos seus deuses, costume este que, antes de findar o quarto

século, teve uma larga aceitação no Ocidente; Que

borrifavam os devotos de Mártires com água benta, tal qual

faziam os pagãos com os devotos de seus deuses; e que iam

em peregrinação a Jerusalém e outros lugares santos, na

crença de que a presença em tais lugares ‘dariam santidade’

aos seus devotos visitantes.

Do costume de orar nos cemitérios e nos locais

181

de martírio, derivou-se a trasladação dos corpos dos Santos e

Mártires para as Igrejas novas, recém edificadas após o fim

da perseguição. Essa prática foi iniciada pelo próprio

Imperador Constantino, por volta do ano 359, quando

ordenou que os corpos dos Apóstolos André, Lucas e

Timóteo fossem transferidos para uma nova Igreja construída

em Constantinopla. Antes desse Ato de Constantino, os

Egípcios mantinham insepultos os corpos de seus Mártires e

Santos, em camas nas casas particulares, e contavam histórias

de almas que apareciam depois da morte e subiam ao céu,

segundo relata Atanásio, na “Vida de Antão”.

Tudo isso deu lugar a que o Imperador Juliano,

segundo o relato de Cirilo, assim acusasse os cristãos pelas

suas maneiras: "Nunca será suficientemente abominável o

vosso acréscimo de novos defuntos ao antigo morto Jesus.

Vós enchestes todos os lugares de sepulcros e

monumentos, apesar de não terdes autorização para vos

prostrardes diante de sepulcros e render-lhes culto regular"

Pouco adiante, lemos: "Desde que Jesus disse que os

sepulcros estão cheios de imundície, como podeis aí

invocar a Deus?". Em outra passagem, denuncia que, caso os

cristãos tivessem adotado os preceitos judaicos, "teriam

adorado a Um Deus, em vez de muitos e não a Um

Homem, ou antes, a vários homens infelizes, e não

adorariam a estaca de madeira da cruz, cujo sinal estão a

fazer no próprio rosto e em frente às suas casas".

Depois que os sepulcros dos Santos e dos

Mártires se converteram em lugares de adoração, tal qual

os templos pagãos, e as Igrejas se converteram em

sepulcros, e uma espécie de santidade foi atribuída aos

cadáveres e restos mortais de Santos e de Mártires aí

182

enterrados, ainda lhes foram estabelecidas Festas Anuais,

com sacrifícios oferecidos à Deus em seus nomes. O passo

seguinte, na invocação dos Santos, foi atribuir-se a seus

cadáveres, ossos e outras relíquias, o poder de operarem

milagres, "por meio de Suas almas livres", às quais se

emprestava o poder de saber aquilo que fazemos ou dizemos

e, bem assim, a possibilidade de nos fazerem o bem e o mal,

e de realizarem aqueles milagres por nós.

Era esta, exatamente, a noção que tinham os

pagãos das "almas livres" de seus antigos reis e heróis, a

quem adoravam sob os nomes de Saturno, Rhea, Júpiter,

Juno, Marte, Vênus, Baco, Ceres, Osíris, Ísis, Apolo, Diana, e

o resto dos deuses. E desde que esses deuses eram masculinos

e femininos, marido e mulher, filho e filha, irmão e irmã,

concluímos que se trata de antigos homens e mulheres,

históricamente ou míticamente venerados, tais como estes

Mártires foram.

Ora, a primeira etapa da invocação dos Santos

realizou-se durante a perseguição de Decius, e a segunda, na

perseguição de Deocleciano. Parece, pois, que a terceira

etapa se deveu ao procedimento de Constâncio e de Juliano

O Apóstata. Quando este começou a estabelecer o culto

pagão, e a aviltar os Santos e Mártires, parece que os cristãos

da Síria e do Egito fizeram um estardalhaço com os milagres

praticados pelas relíquias dos Santos e Mártires cristãos, em

oposição aos poderes que Juliano Apóstata atribuía a seus

ídolos pagãos. A propósito, dizem Sozemen e Ruffinus que,

quando foram abertos os templos pagãos, Juliano consultou o

Oráculo de Apollo Daphnoeus, nos subúrbios de Antióquia,

fazendo pressão por meio de inúmeros sacrifícios a fim de

obter deles uma resposta. Por fim, o Oráculo lhe respondeu

183

que estava impedido de falar-lhe devido ao "poder" dos ossos

do Mártir Babilas, ali enterrado.

Por esta resposta, deduzimos que, naquela

ocasião, já algum cristão havia tomado o lugar de onde, antes,

um sacerdote pagão costumava dar a resposta do Oráculo

através de um longo tubo. Diante disso, em seu último livro

“contra Constâncio”, escrito no último ano de seu reinado,

diz-nos Hilário, nos seguintes termos, aquilo que se estava

passando no Oriente, aonde este se encontrava: "Perseguirás

sem martírio. Muito devemos à vossa crueldade, ó Nero, ó

Décio, ó Maximiano! De fato, por vosso intermédio,

vencemos o diabo! [É fato que] em todos os lugares é aceito

o sangue dos santos Mártires,. Enquanto são notadas as

‘obras dos milagres’ (relíquias) os demônios mugem; os

espíritos ardem sem fogo e confessam sem a intervenção de

interpelante; os corpos se levantam sfem laços; as vestes não

caem na face de mulheres suspensas pelos pés; e as angústias

são afastadas".

Em sua primeira “Oração contra o Imperador

Juliano”, que reinava então, assim se exprime Gregório

Nazianzeno :"Não temestes aos Mártires, aos quais foram

decretadas honras e Festas, e pelos quais são repelidos os

demônios e curados os doentes; que aparecem e fazem

predições; cujos corpos por si mesmos têm o mesmo poder

das almas santas, tanto pelo toque das mãos, quanto pelas

honras; cujas gotas de sangue, por si mesmas, e tais quais

pequenos sinais de sua Paixão/ sofrimento, têm o mesmo

poder que os corpos. Estas coisas tu não veneras; antes

descuidas e desprezas".

Estas coisas, ditas a pagãos por cristãos

convictos, é que levaram os pagãos da Fenícia a demolir o

184

sepulcro de João Batista e a queimar os seus ossos, durante o

reinado do Imperador Juliano. Então, alguns cristãos se

misturaram entre os pagãos, apanharam alguns restos de

ossos, e os remeteram à Atanásio, que os escondeu na parede

de uma igreja, prevendo, ‘de acordo com a profecia de um

espírito’, segundo nos informa Ruffinus, que os mesmos

seriam proveitosos para as gerações futuras.

Uma vez levantada a gritaria em torno de tais

milagres, foi crescendo com o tempo e se generalizando. Em

sua segunda “Oração a São Babilas”, diz Crisóstomo, (cf.

“Hom. 47 in S. Julian”), vinte anos depois do silêncio do

Oráculo de Apollo Daphnoeus, isto é, no ano de 382, ao falar

dos milagres produzidos pelos Santos e suas relíquias:

"Nenhum lugar existe neste nosso mundo, nem povos, nem

cidades, onde estes novos e imprevistos milagres não sejam

celebrados. Se fossem pequenos, por certo não teriam logo

chegado à admiração dos homens". E, pouco adiante,

comenta: "Do que dizemos dão prova abundante os milagres

que, diáriamente, fazem os Mártires, aos quais concorre uma

grande multidão de criaturas".

Em sua “Homília 66”, descrevendo como os

demônios eram atormentados e expulsos pelos ossos de

Mártires, acrescenta Crisóstomo (cf. “Epist. 27 ad

Eustochium”): "Por este motivo, muita gente, e algumas

vezes até reis, vem de longe apreciar este Espetáculo. Na

verdade, os templos dos Santos Mártires mostram vestígios e

sinais de juízo futuro, pois neles os demônios são realmente

açoitados e os homens atormentados e libertados. Vês que

força é (ou que tem) A VIDA DOS SANTOS MORTOS?"

As mesmas coisas são mencionadas por

Jerônimo, no “Epitáfio de Paula”: "Paula VIU Samaria,

185

onde estremeceu comovida por tantos milagres. Ali estão os

profetas Eliseu e Abdias (Obadias) e João Batista. De fato,

ela via os demônios rugindo sob vários suplícios, uivando

diante dos túmulos dos Santos Homens, uivando como se

fossem lobos, rugindo como leões, silvando como serpentes,

mugindo como touros, torcendo a cabeça para trás até tocar o

chão; e também viu mulheres suspensas pelos pés sem que

suas vestes caíssem sobre o rosto".

Isto foi escrito por volta de 384. Abundavam no

Egito as relíquias dos Santos e Mártires, que os Egípcios

conservavam insepultos e embalsamados em suas camas, em

residências particulares. E, em sua Oração aos Mártires

Egípcios, parece que Crisóstomo considera o Egito o lugar

mais importante nesse ponto de vista, pois diz: "Bendito seja

Deus, porque do Egito provêm os Mártires ... do Egito temos

os Mártires e não somente lá, mas nas regiões vizinhas e mais

próximas, como em toda parte. E, como há abundância...,

superadas as necessidades da população, as remetem

(relíquias) ainda a outras cidades, mostrando sua cortesia e

generosidade, para que depois, além da abundância destas

coisas, também deles recebam ainda outras de que

necessitam. Assim fizeram os Egípcios com o que pertence

aos Atletas da Religião (cristã). Vendo-se possuidores de

muitas riquezas (leia-se: Relíquias), pela benevolência de

Deus, não fecharam inutilmente nas suas cidades os grandes

presentes de Deus, mas transmitiram à toda parte os tesouros

dos Bens, quer para mostrar o próprio amor para com os seus

irmãos, quer para honrar o Senhor comum e proporcionar à

sua cidade a glória de todas as outras e declarar que ela era a

Metrópole de todo o mundo. De fato, (dos Mártires) os seus

corpos fortificam-nos a cidade mais seguramente do que com

186

um muro adamantino e intransponível; e, quais rochedos

altíssimos a dominar de todos os lados, não somente repelem

os assaltos daqueles ‘inimigos que são percebidos pelos

sentidos’, mas também as insídias dos ‘demônios invisíveis’ e

inutilizam e destroem todas as fraudes do diabo. Na verdade,

essa posse (?) não nos é útil tão somente contra as insídias

dos homens ou os enganos do demônio; mas se o Senhor

comum ficar irado contra nós pela grande quantidade de

pecados, poderemos torná-lo favorável à cidade,

apresentando-Lhe logo esses corpos".

Esta Oração foi escrita em Antióquia, quando

Alexandria ainda era a Metrópole do Oriente, isto é, antes do

ano 381, ano em que Constantinopla se tornou então a

capital: e os Egípcios levaram ainda muitos anos mais

distribuindo por todo o mundo as relíquias milagrosas desses

Mártires, como já o faziam antes. Tinha Alexandria posição

proeminente entre as demais cidades, como distribuidora

dessas relíquias, gozando assim o prestígio de metrópole do

mundo. Antióquia, na Síria, seguiu o exemplo do Egito,

espalhando relíquias de quarenta Mártires: e os exemplos do

Egito e da Síria em breve foram seguidos por todo o mundo.

As relíquias dos quarenta Mártires da Antióquuia

foram distribuidas entre as Igrejas antes do ano de 373, pois

Atanásio, que morreu neste ano, escreveu sobre as mesmas

uma Oração, que ainda não foi publicada, mas que Gerad

Vossius viu em manuscrito, na Biblioteca do Cardeal

Ascânio, na Itália, conforme declara no seu “Comentários

sobre a Oração de Efraim Syrus, sobre os quarenta Mártires”.

Então, desde que os Monges de Alexandria mandaram

relíquias dos Mártires do Egito para todas as partes do

mundo, conquistando assim uma glória para sua cidade, pelo

187

que esta foi declarada a Metrópole de todo o mundo, como já

vimos em Crisóstomo, podemos concluir que antes que

Alexandria recebesse as relíquias dos quarenta Mártires de

Antióquia, já esta havia começado a mandar as de seus

próprios Mártires à toda parte, dando assim exemplo às

outras cidades.

Assim, o costume partiu do Egito, alguns anos

antes da morte de Atanásio, quando os ossos milagrosos de

João Batista foram levados para o Egito e escondidos na

parede de uma Igreja, "para que pudessem ser de utilidade às

gerações futuras", como já vimos. Restringiu-se no reinado

de Juliano O Apóstata, depois do que espalhou-se do Egito

por todo o Império, pois Alexandria era a Metrópole do

Mundo, de acordo com Cristóstomo, ideal para a propagação

dessa espécie de devoção, e Antióquia e outras cidades lhe

seguiram o exemplo.

Foram os monges os cabeças da propagação

dessas "superstições", o principal dos quais foi Antão, pois,

segundo o relato de Atanásio, foram estas as suas últimas

palavras, dirigadas aos discípulos: "Tenham cuidado de se

apegarem ao Cristo em primeiro lugar, depois aos Santos, a

fim de que, após a morte, eles os possam RECEBER como a

amigos e parentes nos tabernáculos eternos. Pensem nestas

coisas, procurem percebê-las e se eu lhes mereço alguma

consideração, lembrem-se de mim como de um pai".

Recebendo um tal encargo de Antão, no momento de sua

morte, em 356, os monges seus discípulos não podiam deixar

de se inflamar de devoção aos Santos, como o mais fácil

caminho, apontado por seu mestre, para entrar nos

tabernáculos eternos depois da morte. Daí a aclamação geral

acerca dos milagres feitos pelas relíquias dos Santos, ao

188

tempo de Constâncio, bem como a dispersão de relíquias

milagrosas por todo o Império. Alexandria deu o exemplo e

nisto torno-se notável entre as demais cidades.

Daí o fato de que, em 362, nos dias de Juliano,

levado pela profecia de um espírito, segundo o relato de

Ruffinus, haver Atanásio escondido aos pagãos alguns ossos

de João Batista, não para que fossem esquecidos, mas numa

parede falsa de uma Igreja, perante convenientes

testemunhas, a fim de que pudessem ser de utilidade às

futuras gerações. É daí que vem a invocação dos Santos

mortos para fazerem milagres, assistirem os homens em

suas devoções e servirem de medidores perante Deus. O

próprio Atanásio, desde a sua juventude, considerava os

Santos mortos e os Mártires como mediadores para as suas

preces. Numa “Carta à Marcelino”, escrita nos dias de

Constantino o Grande, diz ele que “as palavras dos Salmos

não devem ser transpostas ou alteradas de nenhuma forma,

mas recitadas ou cantadas sem qualquer artifício, assim como

se acham escritas, a fim de que os Santos que as deram,

SABENDO que são "suas próprias palavras", possam (desse

modo) orar conosco; ou antes, que o Espírito Santo, que falou

aos Santos homens, vendo as suas próprias palavras, com as

quais os inspiraram, possa à elas se ajuntar e assim nos dar

assistência”.

Por isso que, visto serem os monges mais

numerosos no Egito que em qualquer outro país, a veneração

dos Santos começou mais cedo e espalhou-se mais

rapidamente. Indo ao Egito em 388, a visitar Mosteiros e o

sepulcro de Apolônio e outros Mártires da Tebaida, que

haviam sofrido no domínio de Maximino, Paládio deles

(Mártires) diz, em máximas: "1. A esses todos, os cristãos

189

erigiram um único templo (Alexandria), onde agora são

operados muitos prodígios. 2. Tanta era a graça do homem,

que logo este foi ouvido nas coisas que pedia! 3. Nós também

os vimos em martírio, enquanto rezávamos com Os que

tinham sofrido o mesmo martírio; e adorando a Deus,

saudávamos os Seus corpos".

Também Eunápio, que era pagão, é testemunha

autorizada daquilo que se fazia em seu tempo. Relatando

como os soldados entregavam os templos egípcios aos

monges, em 389, por ordem do Imperador, assim ataca os

Mártires, que então tomavam o lugar dos velhos deuses

egípcios: "Aqueles soldados também instalaram ali (templo)

Monges de mosteiro, responsáveis por incentivar que, em

lugar dos deuses que, espiritualmente, eram adorados,

homens escravos e até mesmo criminosos (os Mártires)

passassem a ser venerados em seu lugar, com honras divinas,

constrangendo mentes humanas ao culto e aos cerimoniais.

Pois eles (os Monges) mostravam como sendos deuses as

cabeças embalsamadas daqueles homens que, pela multidão

de seus crimes, tinham sido condenados, anteriormente pelos

juízes, à pena máxima; diante destas cabeças dobravam seus

joelhos, reverenciavam-nas entre numerosos outros deuses

que os Monges apresentavam, e sujavam-se no pó e na

imundície, só para estarem junto aos seus túmulos.

Entretanto, eram por eles chamados Mártires, Ministros,

Intérpretes e Árbitros de preces junto a Deus; na

realidade, eram apenas restos de escravos sem fé, que foram

submetidos às piores torturas, levando consigo as cicatrizes

dos seus crimes e da iniquidade; e contudo, a terra (povo)

suporta deuses deste jaez”.

Por tais exemplos, compreende-se que a

190

invocação dos Santos no Egito tinha alguma reputação e que,

de um modo geral, era recebida e praticada pelo povo. Assim

é que Basílio, Monge que no ano de 369 foi feito Bispo de

Cesaréia, e falecido em 378, diz, na sua “Oração ao Máritr

Mamas”: "Pensai no Mártir: muitos de vós O possuíram em

sonhos ou neste lugar (de Relíquias) tendes tido a Sua

assistência, através da prece; muitos de vós, invocando a Sua

presnça, tendes tido sua assistência em vossos trabalhos ou

tendes sido afastados dos caminhos incertos; muitos de vós

tendes recuperado a saúde ou tendes tido a ressurreição de

filhos mortos ou, ainda, por Eles, tido prolongadas as vossas

vidas".

Um pouco mais adiante, assim se exprime

Basílio, em relação à universalidade dessa 'superstição' nas

regiões da Capadócia e da Bitínia: "Toda a região se move

em memória do Mártir; em sua Festa, toda a cidade se acha

‘em transportes' de alegria. A gente rica deixa de visitar os

túmulos de seus ancestrais para visitar os lugares de

devoção".

E, no fim da sua “Homília”, Basílio pede à Deus

"que preserve a igreja, assim 'fortificada' com as grandes

torres dos Mártires".

Na “Oração aos Quarenta Mártires”, Basílio diz:

"Ei-los, (os Mártires) conquistando nosso país, como certas

torres asseguraram-nos contra os nossos inimigos. E como

não ficaram confinados num lugar único, estão distribuiídos

em muitos países e adornam muitos lugares. Muitas vezes

vos tendes esforçado, muitas vezes tendes procurado algém

que possa orar por vós: Ei-los (os Mártires) aqui estão,

quarenta deles, emitindo vozes de prece (por vós). Os que

estiverem em aflição, corram para aqui, a fim de se

191

libertarem de sua desgraça! Os que se regozijam, têm socorro

aqui, para continuarem felizes! Aqui, é ouvida aquela mulher

que ora pelo seu filho: ela alcança o regresso feliz de seu

marido ausente e a saúde para aquele que está doente! Ó vós

(Mártires) protetores da humanidade, os melhores

companheiros de nossos cuidados, votantes e coajudadores

em nossas preces, poderosos embaixadores de

Deus, etc.".

Por tudo isto, põe-se manifesto que antes do ano

de 378 as Orações e Sermões aos Santos estavam muito além

de simples figuras de retórica e que a massa geral do povo do

Oriente já se havia deixado corromper pelos Monges

"Encratitas-Catafrígios", com a sua incessante adoração dos

Santos.

Em sua “sexta Oração”, escrita no ano de 373,

diz Gregório Nazianzeno, que era monge, e recentemente

nomeado Bispo de Sasima: "Purifiquemo-nos para os

Mártires, ou antes, para o Deus dos Mártires". Um pouco

mais adiante, os chama de "mediadores da conquista da

ascenção ou da divindade".

No mesmo ano, no fim de sua “Oração a

Atanásiio”, recém-falecido, assim este o invoca: "Olha

piedosamente para nós aqui embaixo, e governa este povo -

como perfeitos adoradores da perfeita Trindade, que é

contemplada e adorada no Pai, no Filho e no Espírito Santo -.

E, se houver paz, preserva-me e comigo alimenta o meu

rebanho; mas se houver guerra, traze-me para casa, colocame

junto a Ti e daqueles que são como Tu".

No final da “Oração fúnebre a Basílio”, escrita

em 378, assim Gregório Nazianzeno se dirige ao mesmo,

recém falecido: "Mas tu, ó divina e sagrada Cabeça, olha-nos

192

daí do céu; e por Tuas preces, arranca-nos este espinho da

carne, que nos é dado por Deus para o exercício; ou faze que

possamos suportá-lo com coragem, e dirigir toda a nossa vida

para aquilo que melhor nos convém. Quando partirmos desta

vida, recebe-nos no Vosso tabernáculo, para que, vivendo

juntos e vendo a santa e abençoada Trindade mais pura e

perfeitamente, da qual não temos agora senão uma visão

imperfeita, possamos atingir o fim dos nossos desejos e

receber a recompensa das lutas e sofrimentos que houvermos

suportado".

Na sua “Oração a Cipriano, não o Bispo de

Cartago, mas sim um outro”, um Bispo Grego, invoca-o da

mesma maneira; e diz-nos também como uma piedosa

virgem, chamada Justina, foi protegida pela invocação da

Virgem Maria; e ainda conta os milagres feitos pelas cinzas

de Cipriano.

Outro Monge, que foi Bispo eminente, chamado

Gregório de Nissa, conta como um certo homem, voltando de

um país distante, encontrou-se em grande perigo, pois todos

os caminhos estavam interceptados por tropas de nações

bárbaras; mas, invocando o nome de Efraim, por estas

palavras: "Santo Efraim, assiste-me!", livrou-se do perigo,

perdeu o medo de morrer e, mais do que esperava: chegou à

casa são e salvo. No final desta oração, dirige-se a Efraim nos

seguintes termos: "Mas tu, Efraim, que assistes agora no altar

divino, e ofereces sacrifícios ao Príncipe da Vida, e à

Santíssima Trindade, juntamente com os Anjos; lembra-te de

todos nós e alcança o perdão de nossos pecados, a fim de que

possamos gozar a felicidade eterna do reino dos céus".

Na “Oração ao Mártir Teodoro”, escrita no ano

de 381, o mesmo Gregório de Nissa assim descreve o poder

193

daquele Mártir e a atitude do povo: "No último ano, este

Mártir apaziguou uma tempestade de bárbaros e pôs um

ponto final na guerra dos Citas temíveis e cruéis. Se alguém

conseguir levar a poeira que cobre o túmulo onde repousam

os restos deste Mártir, a poeira deve ser tomada como uma

dádiva, ser apanhada e guardada como coisa de imenso

valor. Que grande mercê é tocar as próprias relíquias! Se tão

grande fortuna chegar um dia a ser alcançada! O que só o

será por meio de sentidas preces! E Eles sabem quais os que

o conseguem! Como um corpo vivo e flórido, aqueles que a

vêem (dádiva) a abraçam, aplicando-lhe os olhos, a boca, os

ouvidos e todos os órgãos dos sentidos; e então,

afetuosamente, derramam lágrimas sobre o Mártir, como se

Ele estivesse restaurado (ressucitado, ali mesmo) e lhes

houvesse aparecido; oferecem-Lhe preces e fazem súplicas,

para que Ele interceda por eles como um advogado, orando a

Ele como a um 'ajudante de Ordens de Deus' e invocando-O

como se só recebessem dádivas quando Ele quisesse".

Gregório de Nissa conclui a Oração com esta

prece: "Ó Teodoro! Nós queremos muitas bênçãos! Intercede

e suplica por teu país perante nosso Rei e Senhor; porque o

país do Mártir é o lugar de sua Paixão! E eles são cidadãos,

irmãos e parentes daqueles que o adoram e o honram!

Receamos aflições e esperamos perigos; não se acham longe

os Citas perversos, prontos a nos guerrearem. Luta por nós

como um soldado, ó Teodoro! Usa a liberdade de falar por

Teus servos! Intercede pela paz, a fim de que estas reuniões

públicas não cessem, para que esses bárbaros furiosos e

perversos não devastem os templos e os altares, para que os

profanos e os ímpios não tripudiem sobre as coisas santas.

Consideramos como um benefício que Tu nos fazes o sermos

194

preservados e defendidos! Oramos pela evitação dos perigos

que nos ameaçam. E se houver necessidade de maior

intercessão e deprecação, chama o côro de Teus irmãos

Mártires e, em conjunto com eles todos, intercedam por nós!

Que as preces de tantos justos repare os pecados das

multidões e do povo! Exorta a Pedro, excita a Paulo e a João,

o divino e amado discípulo, para que sejam solícitos para

com as Igrejas que erigiram, pelas quais foram feitos

prisioneiros e sofreram perigos e morte; para que a adoração

dos ídolos não lhes levante a cabeça contra nós, para que não

surjam heresias como abrolhos na vinha, para que o joio não

abafe o trigo, para que a ilusão das riquezas não nos seja uma

pedra de tropeço e torne o frutífero poder da Palavra algo

falto de base; antes, pelo poder de Tuas preces e das de Teus

companheiros, ó criatura admirável e eminente no meio dos

Mártires, a comunidade cristã se torne um vicejante campo de

trigo".

No sermão pregado em Constantinopla, no ano

de 381, perante todos os Bispos do Oriente, reunidos no

Segundo Concílio Geral, por ocasião dos funerais de

Meletius, Bispo de Antióquia, assim falou o mesmo Gregório

de Nissa: "O noivo (Meletius) não se afastou de nós: está

entre nós, posto que não o vejamos; é um sacerdote nos

lugares mais internos e, face a face, intercede a Deus por nós

e pelos pecados do povo".

Isto não era floreio de retórica, mas a exata

opinião de Gregório de Nissa em relação a Meletius, como se

pode depreender das citações anteriores, referentes a Efraim e

Teodoro: e ele a sustentou até mesmo perante o Concílio de

Constantinopla (cf. “Ad an. 381, Sect. 41”); pelo que, diz

Baronius, podemos deduzir que o mesmo Gregório de Nissa

195

professava nada mais que aquilo que então pensavam todo o

Concílio e, portanto, todas as igrejas daquelas regiões, a

saber, que os Santos do céu oram à Deus por nós.

Outro Monge eminente, Efraim Sylus,

contemporâneo de Basílio, e morto no mesmo ano, invoca

este último da seguinte maneira, no “Encômio” ou oração

quando de sua morte recente: "Intercede por mim, criatura

muito miserável, e chama-me por Tua intercessão, ó Pai; tu

que és forte, ora por mim que sou fraco; tu que és aplicado,

por mim que sou pregiçoso; tu que és animoso, por mim que

sou desanimado; tu que és sábio, por mim que sou

ignorante... Tu, que entesouraste o tesouro de todas as

virtudes, sê-me um guia, a mim, que sou vazio de boas

obras".

No início de seu “Encômio aos Quarenta

Mártires”, escrito na mesma época, invoca-os desta maneira:

"Ajudai-me, pois, ó Santos, com a vossa intercessão; e vós, ó

amados, com as vossas santas preces; para que, com sua

graça, Cristo possa dirigir a minha língua, etc.". E depois de

se referir à mãe de um desses quarenta Mártires, conclui a

Oração com a seguinte prece: "Rogo-te, ó Santa, fiel e

abençoada senhora, que ores por mim aos Santos, dizendo:

Intercedei vós para que o pequenino e miserável Efraim

triunfe em Cristo; para que o mesmo ache graça e pela graça

do Cristo possa ser salvo".

E, novamente, numa segunda Oração,

celebrando os “Santos Mártires de Cristo”, assim se

expressava: "Nós vos rogamos, Mártires santíssimos, que

intercedais junto ao Senhor por nós, - miseráveis pecadores,

revestidos com as imundícies da negligência, - para que

derrame sua divina graça sobre nós". E, mais adiante, já no

196

fim do Sermão, lemos: "Agora vós, Santíssimos homens e

gloriosos Mártires de Deus, ajudai-me a mim, pecador

miserável, com as vossas orações, para que eu possa alcançar

mercê nesta hora terrível, em que tornam manifestos os

segredos de todos os corações. Hoje vim a vós, santíssimos

Mártires de Cristo, como um inútil e inábil portador: pois

entreguei aos filhos e irmãos de vossa fé uma taça do

excelente vinho de vossa luta, com a excelente mesa de vossa

vitória repleta de toda sorte de iguarias. Esforcei-me com

toda afeição e energia do meu pensamento, para deleitar-vos

a vós, pais, irmãos, amigos e parentes, que frequentais

diariamente essa mesa. Olhai como cantam e exultam e se

rejubilam, glorificando a Deus, que coroou vossas virtudes,

pondo em vossas sacratíssimas cabeças as coroas

incorruptíveis e celestiais; com imensa alegria aproximaramse

das sagradas relíquias de vosso martírio, desejosos de uma

bênção e de levar daqui santos remédios para o corpo e para a

mente. Como bons discípulos e fiéis ministros de nosso

benigno Senhor e Salvador, outorgai, pois, a vossa bênção

sobre todos: e também sobre mim, fraca e débil criatura, que

recebi a força por vossos méritos e vossa intercessão e que,

com toda devoção de meu espírito, cantei um hino em vosso

louvor e vossa glória, perante as vossas santas relíquias. Por

isso vos rogo, Efraim que, à frente do trono da divina

majestade, vos coloqueis por mim, vil e miserável pecador,

para que vossas preces possam obter-me a salvação, a fim de

convosco gozar a eterna felicidade, pela graça e benignidade

e mercê de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, a quem,

juntamente com o Pai e o Espírito Santo, sejam dados louvor

e honra para todo o sempre, Amém".

Pelo que fica citado de Basílio, os dois

197

Gregórios e Efraim, concluímos que a adoração dos Santos

foi estabelecida entre os Monges e seus admiradores, no

Egito, Fenícia, Síria e Capadócia, antes do ano de 378, ano

em que Efraim e Basílio morreram. Crisóstomo não vem

muito depois: pregou na Antióquia, durante quase todo o

reinado de Teodósio o Grande, e em seus sermões há muitas

exortações a essa espécie de "superstição", como pode ver-se

no fim de suas “Orações a Santa Júlia, Santa Pelágia, o Mártir

Inácio, aos Mártires do Egito”, assim como nos Sermões

sobre "Sorte e Providência", "Os Mártires em Geral", "Santa

Berenice", "Santa Prosdoce", sobre "Juventino e Máximo",

assim como "Sobre o nome Cemitério", etc.

Assim diz ele no “Sermão sobre Berenice e

Prosdoce”: "Talvez estejais inflamados de não menor amor

por estes Mártires. Assim, com esse ardor, prostremo-nos

diante de suas relíquias e abracemos os seus ataúdes! Pois os

ataúdes dos Mártires têm grande virtude, do mesmo modo

que os seus ossos têm um grande poder! Apliquemo-nos a

eles, não só no dia de seu festival, mas também nos outros

dias. Invoquemo-los e supliquemos que sejam nossos

patronos, pois têm grande poder e eficácia, não só quando

vivos, mas também depois de mortos; e muito mais depois

de mortos do que antes. Porque agora eles têm as marcas e

os brandões de Cristo e, quando mostram essas marcas, tudo

obtêm do Rei. Pois, que são de muito grande eficácia... por

sua contínua assistência e perpétua visitação, nos temos

insinuado como familiares à eles, e podemos, por seu

intermédio, obter a misericórdia de Deus".

Constantinopla estava livre de tais superstições

até a chegada, no ano de 379, de Gregório Nazianzeno. Em

poucos anos, entretanto, foi inflamada também. Diz-nos

198

Ruffinus (cf. “Hist. Eccl. L. 2, C. 23”) que quando o

Imperador Teodósio lutava contra o tirano Eugenius, o que se

deu em 394, o mesmo foi com os sacerdotes e o povo a quase

todos os lugares de oração; prostrava-se, vestido de

estamenha (tecido comum), ante as tumbas dos Mártires e

dos Apóstolos e orava, pedindo assistência por intermédio

dos Santos. Acrescenta Sozomen (cf. “L. 4, C. 24”) que,

quando o Imperador havia marchado sete milhas de

Constantinopla contra Eugenius, entrou numa igreja que fora

construída em homenagem a João Batista e pediu, mediante

invocação, a assistência deste. Diz Crisóstomo (cf. “Hom. 66

ad populum, circa finem. (E) Hom. 8,27, in Matth.”): "O que

está vestido de púrpura (Imperador) aproxima-se para beijar

esses sepulcros; e, pondo de lado a sua dignidade, suplica aos

Santos a sua intercessão junto a Deus" (cf. “Hom. 42, 43, in

Gen.”); "e o que vai coroado com um diadema (Imperador),

oferece as suas orações ao tecelão e ao pescador (Mártires),

seus protetores" (cf. “Hom. 1, in 1 Tess.”) E, noutro lugar:

"As cidades acorrem aos sepulcros dos Mártires e o povo se

inflama de amor por eles" (cf. “Exposit. in Psal. 114, sub

finem.”).

Essa prática de mandar relíquias de um lugar

para outro, a fim de operar milagres e, assim, acender a

devoção das nações pelos Santos mortos e suas relíquias, bem

como o estabelecimento da invocação de suas almas, durou

até meados do reinado de Teodósio O Grande, quando este o

proibiu pelo seguinte Édito:

"Ninguém transporte para outro lugar um corpo

sepultado; ninguém dilacere um mártir, ninguém o

mercadeje. Se em qualquer lugar estiver sepultado algum

mártir, tenham-no de fato em seu poder e, para sua

199

veneração. Ao que chamar-se-á Templos de Mártires, anexem

os edifícios que quiserem. Dado aos 4 de Março do ano de

386, por Honório, sendo Cônsul Evódio".

Depois disto, os campos e as estradas ficaram

cheios de altares erguidos aos Mártires, que se pretendia

terem sido descobertos por sonhos e revelações. Isto

determinou o estabelecimento do Cânon 14 do Quinto

Concílio de Cartago, em 398, que diz: “Convém igualmente

que os altares, aqui e ali construídos nos campos e nas

estradas, em memória dos Mártires, e nos quais não haja

provas da existência dos corpos ou de suas relíquias, sejam,

se possível, destruídos pelos Bispos que governam aquelas

regiões. Mas se, pelos tumultos populares isto não puder ser

realizado, deve o povo ser avisado para não freqüentar

aqueles lugares, a fim de que os que pensam retamente não

sejam constrangidos por nenhuma “superstição”. E não seja

absolutamente aceita nenhuma memória de Mártires como

provável, desde que aí não estejam o corpo ou algumas

relíquias verdadeiras, ou onde não seja transmitida

(oralmente) a origem de alguma habitação, ou a posse ou a

Paixão, muito fielmente desde sua origem. De fato, devem

ser condenados de qualquer maneira os altares construídos

por causa de sonhos ou revelações sem fundamento".

Serviam tais altares para a invocação dos Santos

ou Mártires enterrados ou supostamente aí enterrados.

Primeiramente encheram as igrejas em toda parte com

relíquias ou supostas relíquias de Mártires, cuja invocação era

feita nessas igrejas, do modo como vimos antes. Depois

encheram os campos e as estradas de altares, para os invocar

aonde quer que fosse.

Essa nova religião foi estabelecida pelos

200

Monges em todo o Império Grego antes da expedição do

Imperador Teodósio contra Eugenius e, segundo penso, antes

do supra mencionado Édito, no ano de 386.

A mesma religião ou culto dos Maozins

espalhou-se também, e rapidamente, no Império do Ocidente.

Mas, nesta profecia, Daniel descreve principalmente as coisas

feitas entre as nações comprendidas no corpo da terceira

Besta.

FIM DA PRIMEIRA PARTE DO LIVRO

----------------------------------------

201

SEGUNDA PARTE:

OBSERVAÇÕES

SOBRE O

APOCALIPSE

DE JOÃO

--------------------------------------------

202

CAPÍTULO 15

INTRODUÇÃO

-

ÉPOCA

EM QUE FOI ESCRITO

O APOCALIPSE

203

Irineu introduziu a opinião de que o Apocalipse

fora escrito ao tempo de Domiciano; fê-lo, porém, propondo

a data de outros livros sagrados, depois dos quais colocou o

Apocalipse. É possível que tivesse ouvido de seu mestre

Policarpo, o qual havia recebido aquele libro do próprio

João, lá para os dias da morte de Domiciano, ou que talvez,

por aquela época, João tivesse feito do mesmo uma nova

publicação (cópia), com o que Irineu teria sido levádo a supôlo

recém-escrito por João.

Em sua “Crônica”, e na “História Eclesiástica”,

Eusébio segue a opinião de Irineu. Mas depois, em suas

“Demonstrações Evangélicas (Livro 3)”, conjuga o

banimento de João em Patmos com a morte de Pedro e de

Paulo; outro tanto fazem Tertuliano e o Pseudo Prochorus

(Vide “Pameilium in notis ad Tertull. de Praescriptionibus, n.

213 & Hieron. L. 1 Contra Jovinianum, C. 14, Edit. Erasmi”),

como o autor, fosse ele quem fosse, da velhíssima fábula de

que, a mando de Nero, João teria sido posto num tacho de

óleo fervente e, tendo saído incólume, fora então banido para

Patmos. Conquanto isto não passe de ficção, era a história

encontrada na tradição das primeiras Igrejas, dando-o como

banido para Patmos nos dias de Nero.

Epifânio dá o Evangelho de João como escrito

ao tempo de Domiciano e mesmo o Apocalipse antes dos dias

de Nero (cf. “Areth. C. 18, 19”). No começo de seu

comentário, Arethas cita a opinião de Irineu através de

Eusébio, entretanto não a aceita; tanto que afirma, logo a

seguir, que o Apocalipse foi escrito antes da destruição de

Jerusalém e que houvesse sido rompido o sexto selo durante

aquela destruição.

204

Com a opinião dos primeiros comentaristas

concorda a tradição das Igrejas da Síria, preservada até os

nossos dias, graças à Versão Siríaca do Apocalipse, cujo

título é: "A Revelação que foi feita por Deus a João

Evangelista, na Ilha de Patmos, para onde fora banido por

Nero, o César". O mesmo é confirmado por uma história

contada por Eusébio (cf. “Hist. Eccl. L. 3, C. 23”), além de

Clemente de Alexandria e outros antigos autores, referentes a

um jovem que, algum tempo depois de seu regresso de

Patmos, foi por João entregue aos cuidados do Bispo de uma

certa cidade; o Bispo educou-o, instruiu-o e finalmente

batizou-o; libertando-se, porém, de seus cuidados, o jovem

meteu-se em más companhias; pouco a pouco foi-se tornando

rebelde e vicioso, depois abusava e roubava aos que

encontrava à noite; por fim, tornou-se tão desesperado que os

companheiros, sob a sua chefia, constituíram uma quadrilha

de salteadores. E, diz Crisóstomo, (cf. “Chrysost. ad

Theodorum lapsum.”) que por longo tempo foi este o capitão

do bando. Finalmente, voltando à cidade, vindo de Patmos,

João teve notícia dessas coisas e correu para encontrar-se

com o ladrão; faltando com o respeito a seu antigo mestre,

este fugiu; João foi-lhe ao encalço; chamou-o e reconquistouo

para a Igreja.

Trata-se de uma história antiga, a qual inclusive

admite que houvesse João voltado de Patmos quando da

morte de Nero e não da de Domiciano, pois entre a deste e a

de João decorreram apenas dois anos e meio; e, nos seus

últimos dias, João era tão enfermo que era transportado para

a Igreja (cf. “Hieron. in Epist. ad Gal. L3, C.6”); morreu com

mais de 90 anos e, portanto, não poderia de modo algum ter

corrido atrás do ladrão da história.

205

Esta opinião é confirmada pelas alusões do

Apocalipse ao Templo e ao Altar, bem como à Cidade Santa,

como então existente; e também aos Gentios que, pouco

depois, viriam calcar aos pés a Cidade Santa e o pátio

externo. Isto é confirmado ainda pelo próprio estilo do

Apocalipse, mais cheio de hebraismos do que o Evangelho,

também escrito por João.

De tudo isto depreende-se que o mesmo foi

escrito quando João havia de pouco deixado a Judéia, onde

estava afeito à lingua siríaca; e que só teria escrito seu

Evangelho após longas conversas com Gregos asiáticos, que

o teriam feito perder a maior parte de seus hebraismos. É

também confirmada por vários falsos Apocalipses, como os

de Pedro, Paulo, Tomé, Estêvão, Elias e Cerinto, perfeitas

imitações do verdadeiro. Assim como havia Evangelhos e

Atos falsos, ocasionados pelos verdadeiros, a escrita de

muitos apocalipses falsos, atribuídos aos Apóstolos e aos

Profetas, mostra que havia um verdadeiro e apostólico livro,

muito procurado entre os primeiros cristãos. Destarte, o

autêntico deve mesmo ter sido escrito um pouco mais cedo,

dando assim lugar a que, no período apostólico, aparecessem

tantas versões falsas, atribuídas a Pedro, a Paulo, a Tomé e a

outros, que haviam morrido antes de João.

Caio, que foi contemporâneo de Tertuliano, diznos

(cf. “Apud Euseb. Hist. Eccl. L. 3, C. 28 Edit. Valesii”)

que Cerinto escreveu suas Revelações como um grande

apóstolo e pretendia que as visões lhe tinham sido mostradas

por anjos, conferindo um milênio de prazeres materiais à

Jerusalém, depois da ressurreição. Deste modo, seu

apocalipse era uma perfeita imitação do de João; contudo,

viveu tão cedo que (cf. “Epiphan Haeres. 28”) se opôs aos

206

Apóstolos em Jerusalém, no primeiro ano de Cláudio ou um

pouco antes, isto é, vinte e seis anos antes da morte de Nero

(cf. “Hieron. adv. Lucif.”) e morreu antes de João. Devem ser

estas razões suficientes para a determinação da época.

Há, porém, ainda uma que, para homens

refletivos, deve ser boa razão, embora não o seja para os

demais. Apresento-a e deixo-a ao julgamento de cada um.

Parece que há uma alusão ao Apocalipse na Epístola de Pedro

e na aos Hebreus: consequentemente, deve ter sido escrito

antes destas. Tais alusões em Hebreus parecem-me o discurso

referente ao sumo-sacerdote no Tabernáculo celeste, o qual é

simultâneamente Sacerdote e Rei, como era Melquisedeque;

e as que se referem à palavra de Deus como sendo afiada

espada de dois gumes; o repouso milenar; à terra cujo fim é

ser queimada, supostamente pelo lago de fogo; o julgamento

e a viva indignação que devorará os adversários; a cidade

celeste que tem alicerces cujo construtor e autor é Deus; a

nuvem de testemunho; o monte Sião; a Jerusalém celeste; a

grande assembléia; os espíritos dos justos que se tornaram

perfeitos, etc.; a ressureição; o abalo dos céus e da terra e sua

mudança, para que um novo céu, nova terra e novo reino que

não pode ser abalado, possa ser estabelecido.

Já na primeira Epístola de Pedro, ocorre isto: "a

revelação de Jesus Cristo", expressão repetida duas ou três

vezes (I Pedro 1:7, 13; 4:13; 5:1); o sangue de Cristo como o

"do Cordeiro que foi imolado, desde o princípio do mundo”

(cf. Apoc. 13:8); a construção “espiritual” do céu (cf. Apoc.

cap. 21); e "uma herança incorruptível, e que não pode

contaminar-se, nem murchar, reservada nos céus para vós, a

quem o poder de Deus guarda, pela fé, para a salvação, que

está preparada para se manifestar no últmo tempo" (I Pedro

207

1:4 e 5); o sacerdócio real (cf. Apoc. 1:6; 5:10); o santo

sacerdócio (cf. Apoc. 20:6); o começo do julgamento na casa

de Deus (cf. Apoc. 20:4,12); e a igreja da Babilônia (cf.

Apoc. cap. 17).

São estes, entretanto, alusões mais obscuras; mas

a Segunda Epístola de Pedro, desde o versículo 19 do

primeiro capítulo, até ao fim, parece um comentário seguido

do Apocalipse. Aí, falando às Igrejas da Ásia, às quais João

havia recebido ordem de mandar esta profecia mais segura,

para ser considerada como uma luz que brilha nas trevas, até

que rompa a aurora e que o Sol nasça em seus corações, isto

é, até que comecem a entendê-la: porque, diz ele, nenhuma

profecia da escritura é suscetível de interpretação particular;

nos tempos passados as profecias não vieram pela vontade do

homem, mas santos homens de Deus falaram, movidos pelo

Espírito Santo. O próprio Daniel confessa (cf. Daniel 8:15,

16, 27; 12:8, 9) que não entendia suas profecias; entretanto

não deviam as Igrejas esperar do profeta João a interpretação

de suas próprias profecias, mas estudá-las. Eis, em

substância, o que disse Pedro no primeiro capítulo; no

segundo, então, Pedro passa a descrever, além dessa palavra

da profecia mais segura, como na Igreja levantar-se-iam

falsos profetas ou falsos doutores, tratados de conjunto, no

Apocalipse, pelo nome genérico de falsos profetas, os quais

"introduzirão seitas de perdição e renegarão aquele Senhor

que os resgatou", o que é a característica do anti-cristo; e diz

mais, que "muitos seguirão as suas dissoluções"; os que

habitam a terra (cf. Apoc. 13: 7,12) serão enganados pelo

falso profeta e embriagados pelo vinho da fornicação da

Prostituta, razão por que será blasfemado o caminho da

verdade; pois (cf. Apoc. 13: 1, 5, 6) a Besta está cheia de

208

blasfêmias: e por ambição vos mercadejará com palavras

fingidas, pois serão esses tais os negociantes da terra que

traficarão com a grande Prostituta e venderão (cf. Apoc. 18:

12 e 13) coisas de alto preço com os corpos e as almas dos

homens: e o seu julgamento - não demora e sua danação não

cessa (cf. Apoc. 19:20) - virá seguramente e de supresa no

último dia, como uma torrente sobre o velho mundo e como

fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra, quando o justo será

libertado com o foi Ló (cf. Apoc. 21: 3, 4), porque o Senhor

sabe como livrar o piedoso da tentação e reservar o injusto

para ser punido no dia de juízo, no lago de fogo; mas

principalmente os que andaram segundo a carne na

sensualidade da imundícia (cf. Apoc. 9:21; 17:2),

embriagando-se com o vinho da fornicação da Prostituta, que

desdenha a dominação e não se receia de blasfemar das

coisas gloriosas (cf. Apoc. 13:6); pois a Besta abriu a boca

contra Deus, para blasfemar o Seu nome e o Seu tabernáculo

e os que estão no céu.

Como perfeitas feras, a Besta de dez chifres e a

de dois, ou o Falso Profeta, foram tomadas e lançadas no lago

de fogo, por blasfemarem das coisas de que não entendiam;

sentem prazer nas orgias feitas à luz do dia, divertindo-se

com seus próprios enganos, enquanto convosco festejam (cf.

Apoc. 18:3, 7, 9) tendo olhos cheios de adultério e de

contínuo pecado: pois os reinos da Besta vivem

deliciosamente com a grande Prostituta e as nações se deixam

embriagar com o vinho de sua dissolução. Eles deixaram o

caminho direito, extraviaram-se seguindo o caminho de

Balaão, filho de Bosor, o qual amou a recompensa da

iniquidade; "o falso Profeta que ensinava Balac a pôr

tropeços diante dos filhos de Israel (cf. Apoc. 2:14). Estes

209

não são fontes de água viva, mas fontes sem água; não como

nuvens de Santos, nas quais subiram as duas testemunhas,

mas nuvens arrastadas na tempestade, etc.

Assim, o autor da Epístola de Pedro toma todo o

segundo capítulo na descrição das qualidades das Bestas

Apocalípticas e dos falsos Profetas: só no terceiro capítulo,

então, ele descreve a destruição de modo mais completo, bem

como o futuro reino. Diz ele que, pelo fato da vinda do Cristo

ser deferida para mais tarde, não deveriam escarnecer,

perguntando: "onde está a promessa de Sua vinda?" Então

descreve a vinda súbita DO DIA DO SENHOR, como um

ladrão na noite, que é a expressão do Apocalipse; que um dia

diante do Senhor é como mil anos; a passagem dos velhos

céus e da terra por uma conflagração num lago de fogo, e

nossa espera de novos céus e uma nova terra nos quais habite

a justiça.

Vendo que Pedro e João eram apóstolos da

circuncisão, parece-me que os mesmos se deixaram ficar com

suas Igrejas na Judéia e na Síria, até que os Romanos levaram

a guerra à sua nação, isto é, até o décimo segundo ano de

Nero; que então eles teriam seguido o principal corpo móvel

de suas Igrejas para a Ásia e que Pedro foi então à Roma, via

Corinto; que o Império Romano considerava as Igrejas como

inimigas, principalmente por que eram de origem judaica.

Então, com o propósito de evitar insurreições, prenderam os

seus chefes e baniram João para Patmos. Parece-me também

provável que o Apocalipse tenha sido composto em Patmos e

que, pouco depois deste, tenham sido escritas a Carta aos

Hebreus, bem como as de Pedro, dirigida àquelas Igrejas,

com referências explícitas a essa profecia, à qual estavam

particularmente ligados. Pois parece que essas Cartas foram

210

escritas em tempos de aflição geral e tribulações causadas

pelos pagãos e, por conseguinte, quando o Império guerreou

os Judeus, mesmo porque, até então, os pagãos viviam em

paz com os Cristãos, os Judeus e o resto.

A Carta aos Hebreus, mencionando Timóteo

ligado áqueles Hebreus, lhes deve ter sido escrita depois de

sua fuga para a Ásia, onde Timóteo era Bispo, e,

conseqüentemente, depois de começada a guerra, e quando os

Hebreus da Judéia eram estranhos a Timóteo. Parece também

que Pedro chama Roma de Babilônia, tanto em relação à

guerra feita contra a Judéia e o próximo cativeiro, semelhante

àquele sob o domínio da velha Babilônia, quanto em relação

ao nome que lhe é dado no Apocalipse. E, escrevendo "aos

estrangeiros dispersos pelo Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e

Bitínia", parece insinuar que estes eram os estrangeiros

recentemente dispersados pelas guerras romanas; pois eram

os únicos estrangeiros que se encontravam em tal caso.

Esta interpretação das coisas concorda melhor

com a História, desde que devidamente retificada. Porque

dizem Justino (cf. “Apol. ad Antonin. Pium”) e Irineu (cf.

“Haeres, L. 1, C. 20. Vide etiam Tertullianum, Apol. C. 13”)

que Simão, o Mago, veio à Roma no reinado de Cláudio e aí

praticou as suas habilidades. E, acrescenta o Pseudo

Clemente, viu-se obrigado a fugir, mas quebrou o pescoço na

fuga, graças às preces de Pedro. Por isso, Eusébio (cf.

“Euseb. Chron.”) ou o seu interpolador Jerome, registrou a

vinda de Pedro a Roma no segundo ano de Cláudio. Mas

Cirilo, Bispo de Jerusalém (cf. “Cyril, Catech. 6”), bem

como outros tantos como Philastrius, Sulpitius, Prosper,

Maximus Taurinensis e Hegesippus Junior, todos situam

essa vitória de Pedro no tempo de Nero. Realmente, a mais

211

antiga tradição era que Pedro teria vindo à Roma nos dias do

Imperador Nero, conforme se lê em “Lactantius (Lactant. de

mortib. Perfect. C. 2)”. Diz-nos Crisóstomo (cf. “Hom. 70 in

Matth. c. 22”) que os Apóstolos continuaram durante muito

tempo na Judéia e que então, tendo sido expulsos pelos

Judeus, foram aos Gentios. Essa dispersão ter-se-ia dado no

primeiro ano da guerra judaica, quando os Judeus, segundo

relata Josephus, começaram a se tornar tumultuosos e

violentos em toda parte.

Tudo concorda que os Apóstolos foram

dispersados em várias regiões ao mesmo tempo. Orígenes

(cf. “Apud Euseb. Eccl. Hist. L. 2, c. 25”) fixou a data,

dizendo que no começo da guerra judaica os Apóstolos e os

discípulos de Jesus foram dispersados por todas as nações:

Tomé, na Pártia; André, na Cítia; João, na Ásia e Pedro,

inicialmente na Ásia, onde pregou a essa gente dispersa e,

depois, na Itália. Diz Dionysius Corinthus que Pedro veio da

Ásia à Roma, via Corinto, e toda a antiguidade concorda em

que Pedro e Paulo aí, em Roma, foram martirizados, no fim

do reinado de Nero. Marcos foi com Timóteo à Roma (2 Tim.

4:11; Colossenses 4:10). Silvano era assistente de Paulo e,

pelos companheiros de Pedro, mencionados na primeira

Carta, ficamos sabendo que a escreveu de Roma; e os

Antigos geralmente concordam que nessa Carta ele chamava

Roma de Babilônia. Sua segunda Carta foi escrita aos

mesmos estrangeiros dispersos com os primeiros (2 Pedro

3:1) e nela diz que Paulo lhes havia escrito sobre as mesmas

coisas, como também em sua outra Carta, versículos 15 e 16.

Ora, não há outra Carta de Paulo à esses

estrangeiros, além daquela dirigida aos Hebreus; aí

encontramos (Hebreus 10: 11, 12), de um modo geral, tudo

212

aquilo de que falava Pedro ou que particularmente se refere à

mudança do velho céu e da terra e ao estabelecimento de uma

herança imutável, juntamente com uma exortação à graça,

pois para os maus (o Dia de) Deus é um fogo devorador

(Hebreus 12:25, 26, 28 e 29).

Tendo assim estabelecido a época em que deve

ter sido escrito o Apocalipse, é desnecessário alongar-me a

respeito de sua autenticidade, desde que foi devido à sua

grande aceitação que, nos primeiros tempos, muitos tentaram

imitá-lo, apresentando falsos apocalipses, com o nome dos

Apóstolos; e os próprios Apóstolos, como já mostrei, o

manuseavam e citavam suas passagens.

É por isso que o estilo da Carta aos Hebreus é

mais místico do que o de outras Cartas de Paulo e o do

Evangelho de João é mais figurado e majestático do que os

outros Evangelhos. Não vejo que o Cristo tenha sido

chamado o ‘verbo de Deus’ em nenhum outro livro do Novo

Testamento, escrito antes do Apocalipse. Por isto, sou de

opinião que a expressão foi tomada desta Profecia, assim

como o foram muitas outras passagens deste Evangelho (de

João), tais como, em referência ao Cristo, como sendo a luz

que ilumina o mundo; o Cordeiro de Deus que tira os pecados

do mundo; o noivo; o que dá testemunho; o que desceu do

Céu; o Filho de Deus, etc.

Justino Martir, que se tornou cristão cerca de

trinta anos depois da morte de João, escreve expressamente

que "um certo homem entre os Cristãos, cujo nome era João,

um dos doze Apóstolos do Cristo, profetiza, na Revelação

que lhe foi mostrada, que aqueles que acreditam em Cristo

viverão um milênio em Jerusalém". E, poucas linhas antes,

diz: "Mas eu, como muitos que são Cristãos, os quais têm um

213

juízo certo sobre todas as coisas, tanto acredito que haverá

uma ressurreição da carne quanto um milênio de vida em

Jerusalém, reconstituída, aumentada e embelezada". Isto é o

mesmo que dizer que todos os verdadeiros Cristãos daqueles

primeiros tempos haviam recebido esta Profecia, pois em

todas as épocas, todos quanto acreditavam naquele milênio,

tinham recebido o Apocalipse como o fundamento de suas

opiniões.

E não conheço um só exemplo em contrário.

Papias, Bispo de Hierópolis, homem do período apostólico e

um dos mesmos discípulos de João, não só ensina a doutrina

dos milênios, mas (cf. “Arethas in Proaem. in Apoc.”) afirma

que o Apocalipse foi escrito por inspiração divina. Melito,

que brilhou pouco depois de Justino (cf. “Euseb. Hist. L. 4,

c.26. Hieron.”) escreveu um comentário a essa Profecia; e,

como Bispo de Sardes, uma das Sete Igrejas nela citada, nem

podia ignorar a tradição a esse respeito, nem praticar uma

impostura sobre a matéria. Irineu, que foi contemporâneo de

Melito, escreveu bastante sobre o assunto e disse que "o

número 666 era encontrado em todas as cópias antigas e

dignas de fé; e que isto lhe era também confirmado por

aqueles que tinham visto João face a face" sem dúvida

tomando como um destes a seu mestre Policarpo. Ao mesmo

tempo Teófilo (cf. “Euseb. Hist. L. 4, c. 24”), Bispo de

Antióquia, o afirma, bem como Tertuliano, Clemente de

Alexandria e, pouco depois, Orígenes. E seu contemporâneo

Hipólito Mártir, Metropolitano dos Árabes (cf. “Hieron.”),

escreveu um comentário a respeito.

Todos estes foram homens antigos que

floresceram cerca de cento e vinte anos depois da morte de

João e tiveram o maior destaque nas Igrejas daqueles tempos.

214

Pouco depois, Victorinus Pictaviensis escreveu outro

comentário sobre a matéria. E este viveu ao tempo de

Deocleciano.

Isto basta para provar quanto o Apocalipse era

aceito e estudado naqueles primeiros tempos. Realmente, não

encontro outro livro do Novo Testamento, de início tão

fartamente atestado ou comentado quanto este. Diz a

Profecia: "Bem-aventurado aquele que lê, e ouve as palavras

desta profecia e observa as coisas que nela estão escritas".

Isto animou os primeiros cristãos a estudá-lo tanto, até que as

dificuldades (interpretativas) os levaram a comentar de

preferência os outros livros do Novo Testamento. Esta a

situação do Apocalipse até que a incompreensão relativa ao

milênio o prejudicou: e Dionísio de Alexandria, verificando

quanto lhe abundavam os barbarismos, isto é, os hebraismos,

levou a reserva tão longe que no quarto século muitos Gregos

tinham o Apocalipse em suspeita. Entretanto, enquanto os

Latinos e uma grande parte dos Gregos conservavam sempre

o Apocalipse, e o resto apenas duvidava por preconceito, sua

autoridade (e autoria) em nada sofreu, na opinião geral.

Esta Profecia é chamada A Revelação (Daniel

10:21; 12:4,9), em relação à escritura da verdade, que Daniel

teve ordem de fechar e selar, até ao fim do tempo; Daniel as

selou até ao fim e até que chegasse o dia em que o Cordeiro

rompesse os seus selos: e depois da profecia das duas

testemunhas, que estavam ao lado, vestidas de linho (panbo

de saco), mas antes que subissem ao céu, numa nuvem.

Tudo isto é como se dissesse que essas Profecias

de Daniel e de João não deveriam ser entendidas enquanto

não chegasse o tempo do fim. Mas, então, alguns poderiam

profetizar além deles, num estado de aflição e de tristeza por

215

um longo tempo, mas de modo obscuro; tanto que só uns

poucos seriam convertidos.

Entretanto, já bem no fim da Profecia, seria

interpretada tão claramente que muitos ficariam convencidos.

Então, diz Daniel, muitos correrão de uma parte para outra e

a ciência se multiplicará. Porque o Evangelho (a boa notícia)

deve ser pregado em todas as nações antes da grande

tribulação e do fim do mundo.

E a multidão que sai dessa grande aflição,

brandindo folhas de palmeiras, não pode ser incontável em

todas as nações, a menos que o tenha sido pela pregação do

Evangelho antes que isso aconteça.

Deve haver uma pedra, cortada de uma

montanha sem o auxílio de mãos, antes que ela caia sobre os

artelhos da estátua e se torne um grande monte e encha a

terra.

Um Anjo deve voar pelo meio do céu com o

Evangelho eterno e pregá-lo a todas as nações, antes que caia

a Babilônia e que o Filho do homem ceife a sua seara.

Os dois Profetas devem subir ao céu numa

nuvem, antes que os reinos deste mundo se transformem em

reinos do Cristo!

É, pois, uma parte da Profecia, que não deveria

ser entendida antes dos últimos tempos do mundo. Depõe,

portanto, em favor da Profecia, que ela não tenha sido

entendida. Mas se os últimos tempos, o momento de abrir

estas coisas, estão agora se aproximando, como o parece

pelos grandes êxitos dos últimos intérpretes, sentimo-nos

mais encorajados do que nunca a penetrar nestes mistérios.

Se a pregação geral do Evangelho está se

aproximando, são principalmente para nós e para a nossa

216

posteridade as seguintes palavras: "Nos tempos finais, o sábio

entenderá, mas os ímpios não entenderão (Daniel 12:10).

"Bem-aventurado aquele que lê, e ouve as palavras desta

profecia e observa as coisas que nela estão escritas"

(Apocalipse 1:3).

A insensatez dos intérpretes tem sido predizer

tempos e coisas por esta profecia, como se Deus os tivesse

feito profetas. Por essa precipitação não só se expuseram,

mas atraíram o desprezo para a profecia.

O desígnio de Deus era muito outro! Ele deu esta

e outras Profecias do Velho Testamento, não para satisfazer a

curiosidade humana, permitindo-lhe um prévio conhecimento

das coisas, mas para que, depois de cumpridas, pudessem

ser interpretadas pelo evento realizado; e sua mesma

Providência - e não os intérpretes – fosse, por elas, revelada

ao mundo. Pois a realização de coisas preditas com

grande antecedência será um argumento convincente de

que o mundo é governado pela Providência!

Porque, assim como as poucas e obscuras

Profecias concernentes à primeira vinda do Cristo eram

para o estabelecimento da fé cristã, que deste então todas

as nãções tem corrompido como religião; assim as muitas

e claras Profecias concernentes às coisas que devem ser

feitas à segunda vinda do Cristo não são apenas um

vaticínio, mas também para efetuar uma recuperação e um

restabelecimento da verdade há muito perdida e o

estabelecimento de um reino (global), no qual habite a

justiça. O acontecimento provará o Apocalipse; e esta

Profecia, assim provada e compreendida, abrirá os velhos

profetas; e todos juntos darão a conhecer a verdadeira fé

e a estabelecerão como religião.

217

Porque aquele que entende os velhos Profetas

deve começar com isto; mas ainda não chegou o tempo de os

entender perfeitamente; a principal revolução, nelas

profetizada, ainda não passou: "Nos dias da voz do sétimo

anjo, quando começãsse a soar a trombeta, se cumpriria o

mistério de Deus, como Ele o anunciou pelos profetas Seus

servos (Apocalipse 10:7). E então "o reino deste mundo

passou a ser de nosso Senhor e de seu Cristo, e ele reinará

pelos séculos dos séculos" (Apocalipse 11:15).

Já foram cumpridas tantas profecias que, por

maior que seja o trabalho de as estudar, este apresenta

exemplos suficientes da Providência de Deus. Mas então o

sinal de revolução, predito por todos esses santos

Profetas, ao mesmo tempo que atraem o olhar para essas

predições, dar-lhes-á a sua interpretação. Até então,

contentemo-nos com interpretar aquilo que já está realizado.

Entre os intérpretes dos últimos tempos, há uns

poucos que fizeram mistérios. O êxito de outros leva-me a

pensar. E se fiz algo de útil aos escritores do futuro, tenho

meu propósito (dado como cumprido).

218

CAPÍTULO 16

DAS RELAÇÕES ENTRE

O APOCALIPSE

E O LIVRO DA LEI DE MOISÉS

E O CULTO DE DEUS

DO TEMPLO

219

O Apocalipse de João foi escrito no mesmo

estilo e na mesma linguagem das Profecias de Daniel e tem

para com estas a mesma relação que elas têm entre si. Assim,

representa uma Profecia completa e se constitui, deste modo,

de duas partes: uma Profecia introdutória e a sua

interpretação.

A Profecia se divide em sete partes sucessivas,

pela abertura dos sete Selos do livro que Daniel teve ordem

de selar: então é chamado Apocalipse ou Revelação de Jesus

Cristo (o abridor dos Selos) . O tempo do sétimo Selo é

subdividido em oito partes sucessivas, por meio de um

silêncio de meia hora no céu e pelo soar sucessivo de sete

trombetas. E a sétima trombeta dá o sinal da batalha do

grande Dia do Deus Onipotente, por meio da qual os

reinos deste mundo tornar-se-ão o reino do Senhor e de

seu Cristo e serão destruídos os que destroem a terra.

A interpretação começa com as seguintes

palavras (Apocalipse 11:19): "Então abriu-se no céu o templo

de Deus e apareceu a arca de seu testamento no seu templo";

e continua até o fim da Profecia. O templo é a cena das visões

e estas visões do templo referem-se à festa do sétimo mês.

Porque as festas dos Judeus eram, típicamente, (anunciações

ou sinais) de coisas porvindouras. A Páscoa reporta-se à

primeira vinda do Nosso Senhor e as festas do sétimo mês à

sua segunda vinda. Como a primeira tivesse ocorrido muito

tempo antes que esta Profecia tivesse sido feita, as referências

aqui são exclusivamente às festas do sétimo mês.

No primeiro dia daquele mês, pela manhã, o

Sumo-sacerdote arranjava os candelabros: e, como uma

alusão, a Profecia começa com a visão de um como filho do

220

homem, vestido como sumo-sacerdote, aparecendo como se

estivesse no meio de sete castiçais de ouro ou, outra vez,

entre os mesmos, arranjando as lâmpadas, que pareciam uma

haste de estrêlas em sua mão direita: e isto era realizado pela

remessa de Sete Cartas aos Anjos ou Bispos das Sete Igrejas

da Ásia que, nos primeiros tempos, iluminaram o Templo ou

Igreja Primitiva universal.

Estas Cartas contêm advertências contra a

próxima apostasia e, assim, referem-se aos tempos em que a

apostasia começava a trabalhar fortemente, e antes que

tivesse prevalecido. Ela começou a trabalhar nos dias dos

Apóstolos e deveria continuar trabalhando até que o homem

do pecado fosse revelado. Começou a trabalhar nos

discípulos de Simão, Menandro, Carpocrates, Cerinto e

outros do mesmo quilate, encharcados de filosofia metafísica

dos Gentios e dos Judeus Cabalistas, pelo que foram

chamados de Gnósticos. João os chama de anti-cristos e diz

que nos seus dias havia muitos anti-cristos. Mas estes, tendo

sido condenados pelos Apóstolos e por seus discípulos

imediatos, não ofereceram perigo às Igrejas durante a

abertura dos primeiros quatro Selos.

As visões, na abertura destes Selos, referem-se

exclusivamente aos negócios civis do Império Romano

pagão. Enquanto prevaleceram, as tradições apostólicas

preservaram a Igreja em sua pureza; assim, os negócios da

Igreja não começaram a ser considerados nesta Profecia antes

da abertura do quinto Selo. Então, ela principiou a declinar,

por falta de conselhos. Por isso é aconselhada, por estas Sete

Cartas, (conselhos estes que perduraram) até que a Apostasia

prevaleceu e tomou lugar, o que se deu quando da abertura do

sétimo Selo. Portanto, os conselhos contidos nestas Cartas se

221

referem ao estado da Igreja ao tempo do quinto e do sexto

Selos. Ao abrir-se o quinto Selo, por uma grande perseguição

a Igreja é então expurgada dos hipócritas. Ao abrir-se o sexto

Selo, o que restava da Igreja é posta fora do caminho

(desencaminhada), a saber, o Império Romano pagão. Ao

abrir-se o sétimo Selo, revelou-se então o homem do pecado.

As Sete Cartas referem-se a esses tempos.

Os sete anjos, aos quais estas Cartas eram

dirigidas, correspondem aos sete Amarc-holim, que eram

sacerdotes e oficiais superiores do Templo e tinham, em

conjunto, as chaves do portão do Templo e as chaves do

Tesouro, responsáveis pela direção, secretaria e

superintendência de todos os negócios do Templo.

Depois que os castiçais estavam preparados,

João viu abrir-se a porta do Templo e, pela voz que era como

de uma trombeta, foi chamado para a porta leste do grande

átrio, a ver as visões (4:2): viu que “um trono se erguia”, isto

é, viu o propiciatório sobre a Arca do Testamento, que os

Judeus respeitavam como ‘o trono de Deus entre os

Querubins’ (Êxodo 25:2). “E aquele que estava sentado no

trono era no aspecto semelhante a uma pedra de jaspe e de

sardônica" (4:3), isto é, cor de oliva, que é a cor do povo da

Judéia. E, “estando o Sol a Leste, havia em volta do trono um

arco-íris”, emblema da glória. "E em volta do trono estavam

outros vinte e quatro tronos" (4:4), correspondendo às

câmaras dos vinte e quatro Príncipes dos Sacerdotes, doze ao

Norte e doze ao Sul do Átrio dos Sacerdotes. "E sobre estes

tronos estavam sentados vinte e quatro anciãos vestidos de

roupas brancas, e nas suas cabeças havia coroas de ouro"

(4:4), representando os Príncipes dos vinte e quatro cursos de

Sacerdotes, vestidos de linho. "E do trono saíam relâmpagos

222

e vozes e trovões" (4:5), isto é, os jatos de luz solar sobre o

altar no sacrifício matinal “e as vozes trovejantes dos que

tocavam as trombetas e cantavam” à porta leste do átrio dos

Sacerdotes. Porque estando estes entre João e o trono,

pareciam vir do trono.

"E diante do trono estavam sete lâmpadas

ardentes, que são os Sete Espíritos de Deus" (4:5) ou Anjos

das Sete Igrejas, representados no princípio da Profecia por

sete estrelas. "E em frente do trono havia um como mar de

vidro semelhante ao cristal" (4:¨6) identificando a piscina

bronzeada entre o pórtico do Templo e o Altar, cheia de água

cristalina. "E no meio do trono e em volta do trono havia

quatro animais cheios de olhos por diante e por detrás" (4:6),

isto é, uma besta em frente ao trono e outra atrás, aparecendo

a João como se no meio do trono e uma de cada lado, no

círculo em seu redor, representando, na multidão de seus

olhos, o povo nos quatro lados do pátio do povo. "E o

primeiro animal era como um leão, o segundo animal

semelhante a um novilho, e o terceiro animal tinha o rosto

como de homem e o quarto animal era semelhante a uma

águia voando (4:7).

No deserto, o povo de Israel acompanhava em

redor o Tabernáculo; a leste ficava três tribos, sob o

estandarte de Judá, a oeste outras três tribos, sob o estandarte

de Efraim; ao sul mais três tribos, sob o estandarte de Rubem

e, por fim, ao norte, as três restantes, sob o estandarte de Dan

(livro de Números, capítulo 2). Ora, o estandarte de Judá era

um Leão, o de Efraim era um Touro, o de Rubem era um

Homem e o de Dan era uma Águia, segundo afirmam os

Judeus.

Daí foram tirados os hieróglifos de Querubins e

223

Serafins, representativos do povo de Israel. Um Querubim

tinha um corpo com quatro faces: as faces de um Leão, de um

Touro, de um Homem e de uma Águia, olhando para os

quatro pontos cardeais do céu, sem se voltarem, como na

visão de Ezequiel (Ezequiel, capítulo 1). E quatro Serafins

tinham as mesmas quatro faces com quatro corpos, isto é,

uma face para cada corpo. As quatro bestas são, pois, quatro

Serafins nos quatro lados do pátio do povo: o primeiro, no

lado de leste, com a cabeça de Leão; o segundo, no oeste,

com a cabeça de Touro; o terceiro, no lado sul, com a cabeça

de Homem; e o quarto, no lado norte, com a cabeça de Águia.

Os quatro representam, em conjunto, as doze

tribos de Israel, das quais cento e quarenta e quatro mil foram

assinalados (7:4). "E os quatro animais tinham cada um seis

asas" (4:8), duas para cada tribo, ao todo vinte e quatro asas,

correspondendo às vinte e quatro estações do povo. "E em

volta e por dentro estavam cheios de olhos; e não cessavam

dia e noite (ou nos sacrifícios de manhã e de noite) de dizer:

Santo, santo, santo o Senhor Deus Onipotente, que era, que é

e que há de vir (4:8). Esses animais são, pois, os Serafins, que

apareceram a Isaías numa visão semelhante a esta do

Apocalipse. Pois aí também o Senhor se sentava num trono

no Templo; e os Serafins, tendo cada um seis asas,

exclamavam: "Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos

Exércitos (Isaías 6:3). "E, enquanto aqueles animais davam

glória e honra, e ação de graças ao que estava sentado sobre o

trono, e que vive pelos séculos dos séculos, os vinte e quatro

anciãos prostravam-se diante do que estava sentado no trono

e adoravam o que vive pelos séculos dos séculos, e lançavam

suas coroas diante do trono, dizendo: Tu és digno, ó Senhor

nosso Deus, de receber a glória, e a honra, e o poder, porque

224

criaste todas as coisas, e por Tua vontade é que elas

subsistem e foram criadas (4:9-11).

Nas cerimônias da manhã e da tarde, assim que o

sacrifício era posto sobre o Altar e o cálice começava a ser

derramado, soavam as trombetas e os Levitas cantavam

seguidamente três estrofes; e, cada vez que soavam as

trombetas, o povo caía de joelhos em adoração. Três vezes,

portanto, o povo adorava; para significar o número três, os

animais exclamavam: santo, santo, santo. Terminada a

cantoria, o povo orava de pé, até terminar a solenidade. Nesse

meio tempo, os Sacerdotes entravam no Templo e

prostravam-se diante daquele que se sentava no trono e o

adoravam.

"E", diz João (cf. Apoc. 5:1) "vi na mão direita

do que estava sentado no trono um livro escrito por dentro e

por fora selado com sete Selos", isto é, o livro que Daniel

tinha tido ordem de selar, e que aqui é representado pelo livro

profético da Lei, posto ao lado direito da Arca, como se

estivesse na mão direita daquele que se sentava no trono: pois

os festivais e cerimônias da Lei, prescritos ao povo nesse

livro, esboçavam aquelas coisas que eram preditas no livro de

Daniel; e o que estava escrito por dentro e por fora desse

livro refere-se às profecias sincrônicas.

225

[NOTAS DO TRADUTOR E DO

DIGITADOR: Tanto no original em inglês,

quanto no livro traduzido para o português e

impresso, ocorre o seguinte: um anexo de 11

páginas intitulado simplesmente de

ADVERTÊNCIA é publicado no final do livro,

tratando do mesmo tema da metade do capítulo

16 e todo o capítulo 17 do livro, que encerram o

livro, isto é, estas 11 páginas consiste de uma

outra versão um pouco resumida para as 40

páginas que encerram o livro. Não sabemos qual

versão foi escrita primeiro, portanto, achamos por

bem publicar aqui a versão resumida e depois

encerrar o livro com o texto mais extenso. Se o

leitor acompanhar atentamente a leitura, verá que

está reprisando o mesmo tema porém sob outra

ênfase. Ao que parece, ambas foram escritas pelo

Sir Isaac Newton, porém em momentos

diferentes].

226

VERSÃO MAIS CURTA

DA PARTE FINAL DO LIVRO:

"E não se tinha encontrado ninguém que fosse

digno de abrir o livro" (Apoc. 5:4) até o aparecimento do

Cordeiro de Deus. O Sumo-sacerdote era representado por

um cordeiro imolado ao pé do Altar, no sacrifício da manhã.

"E veio, e recebeu o livro da mão daquele que estava sentado

no trono" (Apoc. 5:7). É que, na festa do sétimo mês, o

sumo-sacerdote ia ao lugar mais sagrado, tomava o livro da

Lei, punha-se ao lado direito da Arca e lia o livro ao povo. E,

a fim de bem o ler, estudava-o préviamente durante sete dias,

isto é, do quarto ao décimo, sendo ajudado nessas práticas

por alguns sacerdotes. Há uma alusão a esses sete dias de

estudos no fato de serem abertos sucessivamente sete Selos,

pelo Cordeiro.

No décimo dia do sétimo mês era imolado um

novilho em holocausto pelo sumo-sacerdote e um bode pelo

pecado do povo. Era lançada a sorte sobre dois bodes, para

saber qual seria oferecido a Deus; o outro era chamado

Azazel, o bode expiatório. Paramentado de linho, o sumosacerdote

tomava o vaso dos incensos cheio de brasas do

Altar, tendo a mão cheia de incenso miúdo; então ia ao Santo

dos Santos, além do véu, e aspergia o Tabernáculo Do

Testemunho com o dedo molhado no sangue do novilho e

sete vezes ele aspergia em frente ao Véu; então matava o

bode, que, por sorteio, coubera à Deus, em holocausto pelo

pecado do povo e levava o seu sangue para além do Véu, com

ele aspergindo, também sete vezes, o Tabernáculo e em frente

227

ao Véu, depois do que ia então ao Altar e o aspergia sete

vezes com o sangue do novilho e outras sete vezes com o do

bode. Depois disto (cf. Levítico caps. 4 e 16) põe ambas as

mãos sobre a cabeça do bode vivo; sobre ele confessa todas

as iniqüidades dos filhos de Israel e todas as suas

transgressões em todos os seus pecados, pondo-os sobre a

cabeça do bode, que é depois mandado para o deserto, pelas

mãos de uma pessoa escolhida; e o bode carregará sobre si

mesmo todas as iniquidades daqueles para uma terra

desabitada.

Enquanto o sumo-sacerdote fazia estas coisas no

lugar mais sagrado e no Altar, o povo continuava sua

devoção, quieto e silencioso, aguardando. Este então retorna

ao Santo dos Santos, tira os paramentos de linho que vestia e

punha outros, limpos; voltava, entregava o novilho e o bode

do holocausto para serem queimados fora do pátio, num fogo

de lenha, aceso com as brasas de um vaso dos incensos,

retiradas do Altar. Então, o povo ia do Templo para casa

saudando-se com a frase: "Deus vos assinale para um bom

ano novo".

É em alusão a isto que (cf. Apoc. 8:1 a 5) "tendo

(o Anjo) aberto o sétimo Selo, fez-se silêncio no céu, quase

por meia hora.

E veio outro Anjo, e parou diante do Altar, tendo

um vaso dos incensos feito de ouro; e foram-lhe dados muitos

perfumes, a fim de que oferecesse as orações de todos os

santos sobre o altar também de ouro, que está diante do trono

de Deus. E a fumaça dos perfumes (formada) das orações dos

santos subiu, da mão do Anjo, até a presença de Deus. E o

Anjo tomou o vaso dos incensos, e o encheu de fogo do

Altar, e o lançou sobre a terra", que, supomos, era fora do

228

ambiente (do Altar), sacrificando o bode que a Deus coube

por sorte.

Pois, de vez que o sumo-sacerdote era o próprio

Cristo, o novilho (aqui) é omitido. A esse sacrifício ouviamse

"trovões e vozes, e relâmpagos" (vindos do estalir do fogo

sagrado) "e um grande terremoto (cf. Apoc. 8:5);

simultâneamente, eram marcados os cento e quarenta e quatro

mil, escolhidos entre as doze tribos dos filhos de Israel,

assinalados em sua fronte como os servos do nosso Deus;

então os restantes, também das doze tribos, recebiam o sinal

da Besta, enquanto que, montada na Besta, a Mulher fugia

do Templo para o lugar que lhe estava preparado no deserto.

(Repare as semelhanças ...).

Este Selo e esta Marca eram representados pelo

lançamento da sorte sobre os dois bodes, dos quais o que

cabia a Deus era sacrificado sobre o Monte Sião e o bode

expiatório, carregando os pecados do povo, era enviado para

o deserto.

No décimo quinto dia do mês e nos seis que se

seguiam, havia grandes sacrifícios. É uma alusão ao toque

das trombetas, ao canto com vozes trovejantes e ao derrame

dos cálices naqueles sacrifícios, quando se diz que sete

trombetas são ouvidas e sete trovões pronunciam as suas

vozes e sete cálices da ira são derramados. Por isso o toque

das sete trombetas, as vozes dos sete trovões e o derrame dos

sete cálices da ira são sincrônicos e se referem a uma

mesma divisão do tempo do sétimo Selo em sete partes

sucessivas, ocorrida após o momento de ‘silêncio’.

Os sete dias dessa festa eram chamados de A

Festa dos Tabernáculos. Durante eles, os filhos de Israel

habitavam em tendas e se regozijavam, brandindo folhas de

229

palmeira. Há uma alusão a isto quando se fala de "uma

grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as

nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam em pé diante

do trono e diante do Cordeiro, revestidos de vestiduras

brancas, e com palmas (folhas de palmeira) nas suas mãos"

(Apoc. 7:9) e que aparecem depois de marcados os cento e

quarenta e quatro mil; é dito que "estes são aqueles que

vieram de grande tribulação" (cf. Apoc. 7:14), triunfando na

batalha do Grande Dia, marcada pelo toque da sétima

trombeta. Assim, a visão dos cento e quarenta e quatro mil e

da multidão exibindo folhas de palmeira se extende ao (ou

além do) toque da sétima trombeta, sendo, portanto,

sincrônica com os tempos do sétimo Sêlo.

Quando os cento e quarenta e quatro mil são

assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel, e os

restantes recebem o sinal da Besta, é destruído o primeiro

Templo. João recebe ordem de medir "o Templo de Deus, e o

altar", isto é, seus átrios, "e os que nele adoram", que são os

centro e quarenta e quatro mil que se acham sobre o Monte

Sião e sobre o mar de vidro; "mas o átrio que está fora do

Templo", isto é, o pátio do povo, "não o meças, porque ele

foi dado aos Gentios", isto é, àqueles que receberam a marca

da Besta "e eles calcarão a cidade santa durante quarenta e

dois meses" (Apoc. 11:1,2), ou seja, todo o tempo que a

Besta age sob o domínio da mulher Babilônia. E (Apoc. 11:3)

"darei às minhas duas testemunhas o poder de profetizar,

vestidos de saco, durante mil, duzentos e sessenta dias", isto

é, todos ao mesmo tempo. Como Elias "eles têm poder de

fechar o céu, para que não chova durante o tempo que durar a

sua profecia" (Apoc. 11:6), ao toque da primeira trombeta; e

como Moisés, "têm poder sobre as águas, para as converter

230

em sangue", ao toque da segunda trombeta; "e de ferir a terra

com todo o gênero de pragas" – aquelas mesmas das outras

trombetas - "todas as vezes que eles quiserem”.

Tal como Ageu e Zacarias, eles profetizam

durante a construção do segundo Templo. E são "as duas

Oliveiras" ou Igrejas que fornecem óleo às lâmpadas

(Zacarias cap. 4); são "os dois candeeiros postos diante do

Senhor da Terra".

Cinco das Sete Igrejas da Ásia, as que

prosperam, são julgadas em erro e exortadas ao

arrependimento e convidadas a mudar de lugar, sem o que

serão vomitadas da boca do Cristo ou punidas com a espada

da boca do Cristo, a menos que se arrependam. As outras

duas, isto é, as Igrejas de Smirna e de Filadélfia, que sofriam

perseguição, ficaram perseguidas para que iluminassem o

segundo Templo.

Quando apostatou a primitiva Igreja Católica,

representada pela 'mulher no céu', e se dividiu em duas

igrejas corruptas, representadas pela prostituta de Babilônia e

pela Besta de dois chifres, os cento e quarenta e quatro mil

que foram assinalados, de todas as doze tribos, tornaram-se as

duas testemunhas, em oposição àquelas duas falsas igrejas: e

o nome das duas testemunhas, uma vez imposto, fica para a

verdadeira Igreja de Deus, em todos os tempos e lugares, até

o fim da Profecia.

Na interpretação desta Profecia, a "mulher

vestida de sol", que é vista no céu, representa, antes de voar

para o deserto, a primitiva Igreja Católica, iluminada pelas

sete lâmpadas nos sete candeeiros de ouro, os quais são as

Sete Igrejas da Ásia. O Dragão significa o mesmo Império,

que na Profecia de Daniel é simbolizado pelo Bode, no

231

reinado de seu último chifre, isto é, todo o Império Romano,

até a sua divisão em Impérios Latino e Grego; durante todo o

tempo da divisão, representa apenas o Império Grego; e a

Besta é a mesma quarta Besta da Profecia de Daniel, isto é, o

Império dos Latinos.

Antes da divisão do Império Romano nos

Impérios Grego e Latino, a Besta está incluída no corpo deste

Dragão; depois da divisão, entretanto, a Besta representa

apenas o Império Latino. Daí o fato de o Dragão e a Besta

terem as mesmas cabeças e os mesmos chifres. Mas nesta, as

coroas se acham nos chifres, enquanto que naquele estão na

própria cabeça.

Os chifres são os dez reinos, nos quais a Besta

fica dividida, após a sua separação do Dragão, como já foi

descrito. As cabeças são sete dinastias sucessivas, ou partes

nas quais o Império Romano fica dividido quando da abertura

dos Sete selos. Antes que a mulher voasse para o deserto,

"estando para dar à luz" um filho de um Império Cristão,

"clamava com dores de parto", isto é, durante os dez anos da

perseguição de Deocleciano "e sofria tormentos para dar à

luz; e o Dragão", isto é, o Império Romano pagão, "parou

diante da mulher, a fim de devorar o seu filho, logo que ela o

tivesse dado à luz. E deu à luz um filho homem, que havia de

reger todas as gentes com vara de ferro; e o seu filho foi

arrebatado para Deus e para o seu trono" (Apoc. 12:1-5) no

Templo, pela vitória de Constantino o Grande sobre

Maxêncio. "E a mulher fugiu" (do Templo) "para o deserto"

(da Arábia para a Babilônia), "onde tinha um retiro que Deus

lhe havia preparado", de riquezas e honras e dominação,

montada na Besta, "para aí se sustentaram durante mil e

duzentos e sessenta dias" (Apoc. 12:6).

232

"E houve no céu uma grande batalha" (Apoc.

12:7) entre os Pagãos, chefiados por Maximino, e o novo

Império Cristão; "e foi precipitado aquele grande Dragão,

aquela antiga serpente, que se chama o demônio e Satanás,

que seduz todo o mundo" (Apoc. 12:9), isto é, o espírito de

idolatria pagã; "e foi precipitado" (do trono) "na terra" (Apoc.

12:9). "E eles venceram-no pelo (mérito do) sangue do

Cordeiro, e pela palavra do seu testemunho, e desprezaram as

suas vidas até morrer" (por Cristo) (Apoc. 12:11).

"E o dragão, depois que se viu precipitado na

terra, perseguiu a mulher que tinha dado à luz o filho homem

(Apoc. 12:13), movendo contra ela uma nova perseguição, no

reinado de Licínio. "Mas foram dadas à mulher", pela

fundação de Constantinopla, que passou a rivalizar com

Roma, "duas asas de uma grande águia, a fim de voar para o

deserto ao lugar do seu reitro" (Constantinopla) montada na

Besta, "onde é sustentada por um tempo, e por tempos, e por

metade de um tempo, fora da presença da serpente". (Apoc.

12:14). "E a serpente", em conseqüência da morte de

Constantino o Grande, "lançou da sua boca, atrás da mulher,

a água" das perseguições "como um rio", isto é, o Império do

Ocidente sob o domínio de Constantino Júnior e de

Constante, "para fazer que ela fosse arrebatada pela

correntesa. Porém a terra", isto é, as nações da Ásia, então

dominadas por Constantinopla, "ajudou a mulher"; e, pela

conquista do Império do Ocidente, então sob o domínio de

Magnentius, "e a terra abriu a sua boca e engoliu o rio que o

dragão tinha vomitado de sua boca. E o dragão irou-se contra

a mulher; e foi fazer guerra aos outros seus filhos que

guardam os mandamentos de Deus, e retém a confissão de

Jesus Cristo" (Apoc. 12:16, 17), os quais, naquela guerra,

233

foram "assinalados de todas as tribos dos filhos de Israel", e

ficaram sobre o Monte Sião com o Cordeiro, em número de

cento quarenta e quatro mil, tendo em sua fronte escrito o

nome de seu Pai.

Quando a terra engoliu o rio e o Dragão foi fazer

guerra contra os restantes filhos da mulher, João "parou sobre

a areia do mar. E viu levantar-se do mar uma Besta, que tinha

sete cabeças e dez chifres" (Apoc. 12:18 e 13:1). E a Besta

"era semelhante a um Leopardo, e os seus pés como pés de

Ursos, e a sua boca como boca de Leão" (Apoc. 13:2). Aqui

João nomeia de forma ordenada as mesmas quatro Bestas da

Profecia de Daniel, substituindo apenas aquela ‘quarta’ pela

sua Besta, a fim de mostrar que elas são as mesmas!

E o dragão deu-lhe" (à sua Besta) "sua força e o

seu trono e uma grande autoridade" pela renúncia, em seu

favor, ao Império do Ocidente. "E uma de suas cabeças" (a

sexta) estava "como ferida de morte", isto é, pela espada da

terra que havia engolido as águas lançadas da boca do

dragão; "mas a sua ferida mortal foi curada" (Apoc. 13:3) por

uma nova divisão do Império entre Valentiniano e Valente,

no ano de 364.

João viu a Besta levantar-se do mar quando da

divisão entre Graciano e Teodósio, no ano de 379. O dragão

deu à Besta o seu poder, o seu trono e a sua autoridade,

quando da morte de Teodósio, isto é, quando este deu o

Império do Ocidente a seu filho Honório.

Depois disto, não mais se uniram os Dois

Impérios: mas o do Ocidente foi então dividido em dez

reinos, como já demonstramos. Por fim, esses reinos se

uniram sob a religião, isto é, sob o domínio da mulher, e

reinaram com ela durante quarenta e dois meses.

234

"E vi outra Besta", diz João (em Apoc. 13:11),

"que subia da terra". Quando a mulher fugiu do dragão para o

reino da Besta, tornando-se a sua igreja, esta outra Besta

levantou-se da terra, para representar a igreja do dragão. Pois

"que tinha dois chifres semelhantes ao de um cordeiro", tal

como eram os Bispados de Alexandria e de Antióquia; e

"falava como o dragão" em matéria de religião; "e fez que a

terra", ou as nações do reino do dragão, "e os que a habitam

adorassem a primeira Besta, cuja ferida mortal tinha sido

curada" (Apoc. 13:12), isto é, que se convertessem à sua

religião. "E operou grandes prodígios, de sorte que até fez

descer fogo do céu à vista dos homens" (Apoc. 13:13) isto é,

excomungou aqueles que dela divergem do ponto de vista da

religião: pois ao pronunciar as suas excomunhões, ela

costumava descer uma tocha acesa com a chama voltada para

baixo. E disse "aos habitantes da terra que fizessem uma

imagem da Besta que tinha recebido um golpe de espada e

conservou a vida" (Apoc. 13:14), isto é, que devia ser reunido

um Concílio de homens da religião da Besta. "E foi-lhe

concedido dar espírito à imagem da Besta, e fazer que fossem

mortos todos aqueles que não adorassem a imagem da Besta"

(Apoc. 13:15). Entenda-se morte mística pela dissolução de

suas igrejas. "E fez que todos, pequenos e grandes, ricos e

pobres, livres e escravos, tenham um sinal na sua mão direita,

ou nas suas frontes; e que ninguém possa comprar ou vender,

exceto aquele que tiver o sinal ou o nome da Besta, ou o

número do seu nome" (Apoc. 13:16, 17), isto é, a marca ,

ou o nome ou o número que a este corresponde:

ou 666. Todos os outros eram excomungados!

Quando os Sete Anjos tinham derramado os Sete

Cálices da ira e João os havia descrito a todos, foi ele

235

chamado da época do sétimo Cálice para os tempos do sexto

Selo, a fim de olhar a mulher e a sua Besta, que deviam reinar

no último período do sexto Selo, então dado como presente.

Entretanto o Anjo diz a João: "A Besta que viste, foi, e já não

é, e subirá do abismo, e" (em seguida) "irá à perdição" (Apoc.

17:8), isto é, ele estava no reinado de Constante e

Magnentius, até que o primeiro conquistou este último e

reuniu o Império do Ocidente ao do Oriente. Não é durante a

reunião; mas subirá do abismo ou do mar, na divisão seguinte

do Império. Depois lhe diz o Anjo: "E aqui (que é preciso)

um espírito de sabedoria. As sete cabeças são sete montes,

sobre os quais a mulher está sentada" (Apoc. 17:9). Como se

sabe, Roma foi construída sobre sete colinas, daí ser chamada

a cidade das sete colinas. "São também sete reis. Cinco

caíram, um subsiste e o outro ainda não veio; e, quando ele

vier, deve durar pouco tempo. E a Besta, que era, e que já não

é, ela mesma é a oitava; é uma das sete, e caminha para a

perdição" (Apoc. 9:11). Cinco caíram, pois já são passados os

tempos dos cinco primeiros Selos; e um É, pois é tomado

como presente à época do sexto Selo; e outro ainda não veio,

mas quando vier - o que se dá na abertura do sétimo Selo -

deve continuar por um curto lapso de tempo; e a Besta que

era, e que já não é, ela mesma é a oitava, o que se verificará

através da divisão do Império Romano em Dois Impérios

colaterais; e é da sétima, por lhe ser uma das metades; e

marchará para a perdição.

As palavras "cinco caíram, um subsiste e o outro

ainda não veio" são em geral referidas, pelos intérpretes, ao

tempo de João, o Apóstolo, quando foi dada a Profecia.

Deve, entretanto, considerar-se que nesta Profecia muitas

coisas são referidas em tempo presente, mas que não o eram

236

quando a Profecia foi dada: seriam presentes em tempos

futuros, os quais são presentes na visão. Assim, onde se diz,

ao ser derramada a sétima taça da ira, que "Babilônia, a

Grande, veio em lembrança diante de Deus, para lhe dar a

beber o cálice do vinho da indignação de sua ira", aqui não

está fazendo referência ao tempo do Apóstolo João, mas ao

tempo do derrame da sétima taça da ira. Também se diz:

"Caiu, caiu, aquela grande Babilônia" (Apoc. 14:8); "Mete a

tua foice, e colhe, porque é chegada a hora da colheita"

(Apoc. 14:15). "E vi os mortos, grandes e pequenos, estarem

diante do trono" (Apoc. 10:12); e ainda, "foram julgados os

mortos pelas coisas que estejam escritas nos livros, segundo

as suas obras" (Apoc. 20:12), todas estas expressões não se

referem aos dias do Apóstolo João, mas aos últimos tempos,

considerados ‘presentes’ na Visão.

Deste modo, as palavras "cinco caíram, um

subsiste e o outro ainda não veio, e a Besta, que era, e que já

não é, ela mesma é a oitava", não se referem à época do

Apóstolo, mas aos tempos em que a Besta deveria ser

mortalmente ferida por espada e mostram que esse ferimento

lhe deveria ser feito na sexta cabeça. Sem essa referência,

ficaríamos ignorantes sobre em qual cabeça seria a Besta

ferida.

"E os dez chifres que viste, são dez reis que

ainda não receberam reino, mas receberão poder como reis

durante uma hora depois da Besta. Estes têm um mesmo

intento" (pois são da religião da prostituta), "e darão a sua

força e o seu poder à Besta. Estes combaterão contra o

Cordeiro", (quando soar a sétima trombeta) "e o Cordeiro os

vencerá; porque ele é o Senhor dos senhores, e o Rei dos reis,

e os que são com ele (são) os chamados, os escolhidos, e os

237

fiéis. E (o Anjo) disse-me: As águas que viste, onde a

prostituta está sentada, são os povos, e as nações, e as

línguas", (componentes da Besta). E os dez chifres que viste

na Besta, estes aborrecerão a prostituta, e a tornarão desolada

e nua, e comerão as suas carnes, e queimá-la-ão com fogo"

(no fim dos mil e duzentos e sessenta dias). Porque Deus lhes

pôs nos seus corações o executarem o que lhe apraz, e darem

o seu reino à Besta, até que se cumpram as palavras de Deus.

E a mulher que viste, é a grande cidade que reina sobre os

reis da terra (Apoc. 17:12-18), ou a grande cidade dos

Latinos, que reina sobre os dez Reis até o fim daqueles dias.

238

A VERSÃO MAIS LONGA,

E PARTE FINAL DESTE LIVRO:

"E ninguém foi capaz de abrir o livro, exceto o

Cordeiro de Deus (Apoc. 5:3 e 7) E olhei, e eis que, no meio

do trono e dos quatro animais, e no meio dos anciãos", isto é,

ao pé do Altar, "estava de pé um Cordeiro, parecendo ter sido

imolado" (o sacrifício matinal), "o qual tinha sete chifres",

que são as Sete Igrejas, "e sete olhos, que são os sete

Espíritos de Deus, mandados por toda a terra. E tendo aberto

o livro, os quatro animais e vinte e quatro anciãos prostraramse

diante do Cordeiro, tendo cada um uma cítara e taças de

ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos. E

cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és, Senhor, de

receber o livro, e de desatar os Selos; porque foste morto, e

nos resgataste para Deus com o teu sangue, de toda a tribo, e

língua, e povo, e nação; e para o nosso Deus nos fizeste reis e

sacerdotes; e reinaremos sobre a terra. (5:8-10).

Os Animais e os Anciãos representavam os

primitivos Cristãos de todas as nações; e a adoração desses

Cristãos em suas Igrejas é aqui representada sob a forma de

adoração a Deus e ao Cordeiro no Templo: Deus, por sua

benevolência criando todas as coisas e o Cordeiro, pela

sua de nos redimir por seu sangue; Deus, como se

assentado no trono e vivendo eternamente; e o Cordeiro,

como exaltado acima de tudo, pelos méritos de sua morte.

Diz João (cf. Apoc. 5:11-14): "E olhei, e ouvi a

voz de muitos anjos em volta do trono, e dos animais e dos

anciãos; e era o número deles milhares de milhares, os quais

239

diziam em alta voz: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de

receber a virtude, e a dignidade, e a sabedoria, e a fortaleza, e

a honra, e a glória, e a bênção. E toda a criatura que há no

céu, e sobre a terra, e debaixo da terra, e as que há no mar, e

todas as coisas que nestes lugares se encontram, a todas ouvi

dizer: Ao que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro,

bênção e honra, e glória e poder pelos séculos dos séculos. E

os quatro animais diziam: Amém. E os vinte e quatro anciãos

prostraram-se sobre os seus rostos, e adoravam aquele que

vive pelos séculos dos séculos".

Era este o culto dos primitivos Cristãos.

Sete dias antes do jejum do sétimo mês,

costumava o sumo-sacerdote ficar contínuamente no Templo,

estudando o livro da Lei, para que nele estivesse

(afiadamente) perfeito, no dia da expiação. De acordo com o

livro, o serviço, que era variado e complexo, tinha de ser

executado todo por ele. Parte desse serviço era a leitura da

Lei ao povo e a promoção de seu estudo, para o que o

Sinédrio nomeava alguns Sacerdotes, os quais ficavam com o

sumo-sacerdote durante os referidos sete dias, numa das

câmaras do Templo. Aí discutiam com o povo a respeito da

Lei, liam-na e os convenciam de que era necessário que cada

um lesse e estudasse. E essa abertura e leitura da Lei

naqueles sete dias é referida na abertura dos Selos, pelo

Cordeiro.

Somos de opinião que aqueles sete dias

começavam na tarde anterior de cada dia, pois os Judeus

começavam o seu dia à tardinha; e a solenidade do jejum

começava na manhã do sétimo dia.

Então o sétimo Selo era aberto no dia da

expiação e, pois (8:2) "fez-se silêncio no céu, quase por meia

240

hora". "E (cf. 8:3) veio outro Anjo" (o sumo-sacerdote), "e

parou diante do Altar, tendo um vaso dos incensos feito de

ouro; e foram-lhe dados muitos perfumes, a fim de que

oferecesse as orações de todos os santos sobre o Altar de

ouro, que está diante do trono de Deus".

Nos outros dias, costumava um dos sacerdotes

tirar fogo do grande Altar num vaso dos incensos feito de

prata; mas naquele dia, o da Expiação, era o sumo-sacerdote

quem tomava o fogo do Altar-mor e o colocava num vaso

incensário feito de ouro; e, quando descia do Altar-mor,

recebia o incenso de um dos sacerdotes, que lho trazia e ia

com ele ao Altar de ouro. E enquanto oferecia o incenso, o

povo orava em silêncio, que corresponde ao ‘silêncio no céu’,

quase por meia hora. Depois que o Sumo-sacerdote havia

incensado o altar, levava o vaso dos incensos fumegante, com

as próprias mãos, ao Muito Santo Lugar em frente à Arca. "E

a fumaça dos perfumes das orações dos Santos subiu da mão

do Anjo até à presença de Deus”. (8:4)

Nos outros dias, havia uma certa medida de

incenso para o Altar de ouro; mas naquele dia da Expiação

havia abundância de incenso, tanto para o Altar quanto para o

Muito Santo Lugar. E por isso se diz 'muito incenso'. Depois

disto (8:5), "o Anjo tomou o vaso dos incensos, e o encheu de

fogo do Altar, e o lançou sobre a terra", isto é, pelas mãos dos

sacerdotes que pertencem ao seu corpo místico, lança-o na

terra, fora do Templo, para com ele (fogo) queimar o Bode,

que era a partilha do Senhor. "E", neste e em outros

sacrifícios concomitantes, que eram oferecidos, até que se

terminasse o sacrifício da tarde (8:5), "houve trovões, e vozes

e relâmpagos, e um grande terremoto", isto é, a voz do sumosacerdote,

lendo a Lei ao povo, e outras vozes e o troar das

241

trombetas e da música do Templo, durante o sacrifício, assim

como as luzes do fogo do Altar.

Terminada a solenidade do dia da Expiação, os

sete Anjos soavam suas trombetas durante o grande sacrifício

dos sete dias da Festa dos Tabernáculos; a música do Templo

e o canto dos Levitas, entremeado pelo som das trombetas; e

os sete Anjos derramavam o seu cálice da ira, que são as

bebidas oferecidas nesses sacrifícios.

Quando seis dos Selos foram abertos, diz João

(7:1-3): "E depois disto" (isto é, depois das visões do sexto

Selo), "vi quatro Anjos que estavam sobre os quatro ângulos

da terra, detendo os quatro ventos da terra, para que não

soprassem sobre a terra, nem sobre o mar, nem sobre árvore

alguma. E vi outro Anjo que subia da parte do oriente, tendo

o Selo do Deus vivo; e clamou em alta voz aos quatro Anjos,

a quem fora dado o poder de fazer mal à terra e ao mar,

dizendo: Não façais mal à terra, nem ao mar, nem às árvores,

até que assinalemos sobre suas frontes os servos do nosso

Deus".

Este sinal é uma alusão à tradição dos Judeus de

que, no dia da Expiação, todo o povo de Israel será assinalado

nos livros da vida e da morte. Pois no seu Talmude (Buxfort

em Synagoga Judaica, C. 18 e 21”), dizem os Judeus que no

começo de cada ano sagrado, três livros são abertos em

julgamento: o livro da vida, no qual se acham escritos os

nomes dos que são perfeitamente justos; o livro da morte,

onde se acham escritos os nomes dos que são ateus ou muito

perversos; e um terceiro livro, daqueles cujo julgamento ficou

suspenso até o dia da Expiação, e cujos nomes serão escritos

no livro da vida ou no livro da morte, antes daquele dia.

Os primeiros dez dias desse mês são chamados

242

dias de arrependimento. Em todos eles, judeus jejuam e oram

muito e são muito devotos, a fim de que no décimo dia seus

pecados sejam perdoados e seus nomes possam ser escritos

no livro da vida. É por isto que esse dia é chamado dia da

Expiação. Depois desse décimo dia, voltando da Sinagoga

para casa, depois dos sacrifícios do Templo, eles dizem uns

aos outros: "Que o Deus Criador vos assinale para um ano

bom". É que admitem que os livros então se acham selados e

que a sentença de Deus fica imutável, de então até o fim do

ano. A mesma coisa é expressa pelos dois Bodes, sobre cujas

cabeças, anualmente, no dia da Expiação, o sumo-sacerdote

põe duas inscrições: PARA DEUS e PARA AZAZEL. O

bode destinado à Deus representa a gente que é assinalada na

testa com o nome de Deus. O bode destinado à Azazel, o

qual é mandado para o deserto, representa aqueles que

recebem o sinal e o nome da Besta e vão para o deserto com a

grande prostituta.

Desde que os servos de Deus eram marcados no

dia da Expiação, parece-nos que este sinal coincidia com as

visões que apareceram à abertura do sétimo Selo; e que,

quando o Cordeiro tivesse aberto seis daqueles Selos e visto

as visões relativas ao que se continha dentro do sexto Selo,

então olharia o verso da sétima folha e veria os quatro Anjos

detendo os quatro ventos da terra e outro Anjo que subia da

parte do Oriente tendo o Selo do Deus vivo.

Compreendemos, também, que, depois da

abertura do sétimo Selo, Estes eram vistos de pé diante de

Deus; e que, depois de deterem os ventos, "fez-se silêncio no

Céu, quase por meia hora" (8:1); e que, enquanto eram

marcados os servos de Deus, o Anjo com o vaso dos incensos

feito de ouro oferecia suas preces com incenso no Altar de

243

ouro, e lia a Lei; e que, assim que estes foram marcados, os

ventos açoitaram a terra, ao soar da primeira trombeta, e o

mar ao soar da segunda. Estes ventos significam as guerras,

marcadas pelo toque das quatro primeiras trombetas.

Como os quatro primeiros Selos se distinguem

dos três últimos pelo aparecimento dos quatro cavaleiros,

quando dos quatro ventos do céu, as guerras das quatro

primeiras trombetas distinguem-se das três últimas, porque

umas são representadas pelos quatro ventos e as outras pelas

três grandes aflições.

Numa das visões de Ezequiel, quando se

aproximava o cativeiro da Bablilônia, apareceram (cf.

Ezequiel capítulo 9) "seis homens pelo caminho da porta

superior que olha para o Norte, e cada um trazia na sua mão

um instrumento de morte; via-se também, no meio deles, um

homem vestido de roupas de linho portando à cinta um

tinteiro de escriba" (9:2). "E o Senhor disse-lhe: Passa pelo

meio da cidade, pelo meio de Jerusalém e, com um 'Tau',

marca a fronte dos homens que gemem e que se doem de

todas as abominações que se fazem no meio dela" (9:4).

Então os seis homens, tal qual fazem os Anjos

das seis primeiras trombetas, recebem ordem de matar a

todos aqueles que não estiverem marcados. Depreendemos

disso que os cento e quarenta e quatro mil sejam marcados a

fim de ficarem preservados contra as pragas das seis

primeiras trombetas; e que, finalmente, pela pregação do

evangelho eterno, eles se multipliquem, tornando-se uma

grande multidão, que ninguém poderá contar, de todas as

nações, e raças, e povos e línguas; e que, ao soar a sétima

trombeta, saíram da grande tribulação com folhas de palmeira

em saus mãos; os reinos deste mundo, pelas guerras

244

anunciadas pelo som da trombeta, tornam-se o reino de Deus

e de seu Cristo. Pois a solenidade do grande Hosannah era

realizada pelos Judeus no sétimo e último dia da Festa dos

Tabernáculos. Naquele dia os Judeus levam folhas de

palmeira nas mãos, cantando Hosannah.

Depois que os seis Anjos, correspondentes aos

seis homens com instrumentos de morte, das visões de

Ezequiel, tinham tocado suas trombetas, sob a forma de "um

outro Anjo forte, que descia do céu, vestido de uma nuvem, e

com um arco-íris sobre a sua cabeça, o seu rosto era como o

sol, e os seus pés como colunas de fogo" (10:1), o Cordeiro

desceu sob a forma sob a qual o Cristo apareceu no começo

da profecia; "e tinha na sua mão um livrinho aberto" (10:2),

aquele que havia sido aberto recentemente, pois que recebera

apenas um livro daquele que estava sentado no trono e só ele

era digno de abrir e olhar para o livro. "E (10:3) pôs o pé

direito sobre o mar, e o esquerdo sobre a terra: e (10:4) gritou

em voz alta, tal qual um leão quando ruge".

Costumava o sumo-sacerdote, no dia da

Expiação, ficar de pé num lugar elevado, no átrio do povo, na

porta oriental do átrio dos Sacerdotes e ler a Lei ao povo,

enquanto a Novilha e o Bode, o qual era a partilha do Senhor,

eram queimados fora do Templo. Podemos, pois, admiti-lo de

pé e em tal maneira que o seu pé direito parecesse a João

como se estivesse sobre o mar de cristal (a piscina bronzeada

entre o pórtico do Templo e o Altar, cheia de água cristalina)

e o esquerdo sobre o piso da casa; e que clamasse em voz

alta, quando lia a Lei no dia da Expiação.

"E (10:4) depois que gritou, sete trovões fizeram

ouvir suas vozes". O trovão é a voz das nuvens e as nuvens

representam a multidão; e esta multidão pode ser

245

representada pelos Levitas, que cantam com vozes

trovejantes e tocam instrumentos de música durante os

grandes sacrifícios, no sétimo dia da Festa dos Tabernáculos,

ocasião em que também fazem soar trombetas. Pois as

trombetas soavam e os Levitas cantavam alternativamente,

três vezes em cada sacrifício.

Assim, a Profecia dos sete trovões não é mais

que a repetição das sete trombetas, só que apresentada sob

outra forma. "E (10:5-6) o Anjo que eu vira de pé sobre o mar

e sobre a terra levantou a sua mão ao céu, e jurou por aquele

que vive pelos séculos dos séculos que" depois dos sete

trovões "não haveria mais tempo" para arrepender-se; "mas

(10:7) que nos dias da voz do sétimo Anjo, quando

começasse a soar a trombeta, se cumpriria o mistério de

Deus, como Ele o anunciou pelos profetas seus servos".

Portanto, as vozes dos trovões durarão até o fim deste

mundo, o mesmo se dando com o som das trombetas.

"E (10:8) ouvi a voz do céu, que novamente me

falava, e que dizia: "Vai, e toma o livro aberto da mão do

Anjo", etc. “E (10:10-11) tomei o livro da mão do Anjo, e

devorei-o; e na minha boca era doce como o mel; mas, depois

que o devorei, o meu ventre ficou amargurado. E disse-me: É

necessário que ainda profetizes à muitas nações, e povos e

homens de diversas línguas e reis”.

Isto é uma introdução a uma nova Profecia, e

uma repetição da Profecia de todo o livro; faz alusão ao fato

de Ezequiel ( Ezequiel capítulo ...) comer um rôlo ou um

livro, aberto à sua frente, escrito por dentro e por fora, cheio

de lamentações e chôro e desolação, mas doce em sua boca.

Ora, comer e beber significam aquisição e posse; e comer

um livro é tornar-se inspirado pela Profecia nele contida.

246

Implica ser inspirado de maneira vigorosa e

extraordinária pela Profecia de todo o livro e, portanto,

quer dizer uma vívida repetição de toda a Profecia, à

maneira de interpretação; e não começa enquanto a

primeira delas, isto é, a dos Selos e das trombetas, não estiver

terminada. Era doce na boca de João. Portanto, não se inicia

com a amarga profecia do cativeiro da Babilônia, ou quando

os Gentios estavam fora do átrio do Templo e calcavam a

seus pés a cidade santa; nem com a Profecia das duas

testemunhas vestidas de saco e a aflição da terra com todas as

pragas ou as matanças feitas pela Besta: mas assim que

termina a Profecia das trombetas, começa com a doce

profecia da gloriosa mulher no céu e a vitória de Miguel

sobre o dragão; e, depois disso, vem o amargor no ventre de

João, por meio de uma longa descrição dos tempos da

Apostasia.

E o Anjo ficou de pé sobre o mar e a terra e

(11:1) "foi-me dito: Levanta-te, e mede o templo de Deus, e o

altar, e os que nele adoram", isto é, seus pátios com os

edifícios respectivos, no Átrio quadrado do Templo, chamado

o lugar separado e o pátio quadrado do Altar, denominado o

Átrio dos Sacerdotes e o pátio daqueles que adoram no

Templo e que era chamado o Átrio Novo: "Mas (11:2) o

Átrio, que está fora do Templo, deixa-o de parte, e não o

meças, porque ele é dado aos Gentios, e eles calcarão a

cidade santa durante quarenta e dois meses".

Esta medição se refere à medição do Templo de

Salomão, por Ezequiel; então o Templo, inclusive o átrio

exterior, era medido, para significar que poderia ser

reconstruído posteriormente. Aí os átrios do Templo e do

Altar e aqueles que aí adoravam são os únicos medidos, para

247

exprimir a construção de um segundo Templo, para aqueles

que forem marcados de entre as doze tribos de Israel e que

adoram no átrio interno da sinceridade e da verdade. Mas

João recebe ordens para deixar sem medir o átrio exterior,

isto é, a exterioridade do governo da igreja, porque este é

dado aos Gentios Babilônios. Pelo que dir respeito à gloriosa

mulher no céu, cujos descendentes restantes guardaram os

mandamentos de Deus e o testemunho de Jesus, após a sua

fuga para o deserto, continuou a mesma mulher em forma

exterior, perdendo sua primitiva sinceridade e sua piedade,

para tornar-se, por fim, a grande prostituta. Perdeu sua

castidade mas guardou suas formas e atitudes exteriores.

E quando os Gentios calcaram aos pés a cidade

santa e adoraram no átrio externo, as duas testemunhas,

representadas, talvez, pelos dois pés do Anjo, apoiados

respectivamente no mar e na terra, profetizaram contra

aqueles e, como Elias e Moisés (11:6) "eles tem poder de

fechar o céu, para que não chova durante o tempo que durar a

sua profecia; e têm poder sobre as águas, para as converter

em sangue, e de ferir a terra com todo o gênero de pragas,

todas as vezes que quiserem", isto é, com as pragas das

trombetas e dos cálices da ira; e, por fim, são mortos,

levantam-se de entre os mortos e sobem aos céus numa

nuvem. Então, a sétima trombeta soará o Dia De Juízo.

Terminada a profecia, João é novamente

inspirado pelo livro que comeu e começa a interpretá-lo por

estas palavras (11:19): "Então abriu-se, no céu, o Templo de

Deus, e apareceu a Arca do seu testamento no seu Templo"...

Pela Arca devemos entender o primeiro Templo, pois o

segundo Templo não tinha Arca. E continua o versículo: "E

sobrevieram relâmpagos, e vozes, e um terremoto, e uma

248

grande chuva de pedra". Isto corresponde às guerras no

Império Romano, durante o reinado dos quatro cavaleiros que

apareceram quando da abertura dos quatro primeiros Selos.

"Depois (12:1) apareceu no céu um grande sinal:

uma mulher vestida de Sol".

Na profecia, os negócios da Igreja começam a

ser considerados com a abertura do quinto Selo. E na

interpretação, eles (quinto Selo) começam ao mesmo tempo

que a visão da Igreja sob a forma de uma mulher no céu,

onde era perseguida; e clamava com dores de parto. A

interpretação continua antes que seja feita a marcação dos

servos de Deus e a marcação dos restantes com o sinal da

Besta, depois do que, vem o Dia De Juízo, representado pela

colheita (sega e víndima). É então que João volta aos tempos

da abertura do sétimo Selo, e interpreta a profecia das sete

trombetas pelo derrame dos sete cálices da ira. Os Anjos que

derramaram estes cálices saíram do Templo do Tabernáculo,

isto é, do segundo Templo, uma vez que o Tabernáculo não

possuía átrio exterior. Então João volta novamente aos

tempos da medição do Templo e do Altar e à adoração pelos

Gentios no átrio externo e à matança das testemunhas pela

Besta nas ruas da grande cidade. E interpreta estas coisas pela

visão de uma mulher montada sobre uma Besta, embriagada

com o sangue dos Santos. E continua a interpretação até a

queda da grande cidade e o Dia De Juízo.

A Profecia completa do livro, representada pelo

livro da Lei é, pois, repetida e interpretada nas visões que se

seguem ao toque da sétima trombeta e começa com a do

Templo de Deus, aberto no céu.

Só as coisas expressas pelos trovões não foram

escritas e, portanto, deixaram de ser interpretadas.

249

CAPÍTULO 17

DA RELAÇÃO

ENTRE AS

PROFECIAS DE JOÃO

E DE DANIEL.

O ASSUNTO DA PROFECIA

250

A cena da sagrada Profecia, no seu todo, é

composta de três partes principais: as regiões além do

Eufrates, representadas pelas duas primeiras Bestas de

Daniel; o Império Grego, aquém do Eufrates, representado

pelo Leopardo e pelo Bode; e o Império Latino, aquém da

Grécia, representado pela Besta com dez chifres. É a estas

três partes que se referem estas palavras: “a terça parte da

terra, o mar, os rios, as árvores, os navios, o sol e a lua”.

Situamos o corpo da quarta Besta deste lado da

Grécia, porque as três primeiras das quatro Bestas tiveram

suas vidas prolongadas depois de haverem perdido o domínio

e, assim, não pertencem ao corpo da quarta Besta. Esta

apenas ‘as calcou aos pés’.

Os judeus tomavam como ‘terra’ ao grande

continente de toda a Ásia e a África, às quais tinham acesso

por terra. E como Ilhas do Mar compreendiam os lugares cujo

acesso eles sempre faziam por mar, especialmente a Europa.

Assim, nesta Profecia, a terra e o mar são expressões

equivalentes às nações do Império Grego e do Império

Romano.

A terceira e a quarta Besta de Daniel são,

respectivamente, o dragão e a Besta de dez chifres de João,

apenas com esta diferença: João toma o dragão como

representante de todo o Império Romano, enquanto

permaneceu inteiro, porque o era assim no momento em que

foi dada sua Profecia; e não considera a Besta (existente)

enquanto o Império não é dividido. Então, diante da divisão,

toma o dragão como símbolo do Império dos Gregos e a

Besta como representação do Império dos Latinos.

Eis por que o dragão e a Besta têm cabeças e

251

chifres comuns. Entretanto o dragão só tem coroas sobre suas

cabeças, enquanto que a Besta só as tem sobre os chifres.

Isto é porque a Besta e seus chifres não reinaram enquanto

não se separaram do dragão; e quando este (dragão) lhe deu o

seu trono, os dez chifres receberam poder como de Reis, à

mesma hora em que a Besta o recebeu. As cabeças são sete

Reis sucessivos, quatro dos quais eram os quatro cavaleiros

que apareceram quando da abertura dos quatro primeiros

Selos. E já no fim da sexta cabeça, ou sexto Selo, considerada

como presente nas visões, é dito que dos Sete Reis

(Apocalipse 17:10) "cinco caíram, um subsiste e o outro

ainda não veio; E (Apoc. 17:11) a Besta que era e que já não

é", será mortalmente ferida por espada e "ela mesma é a

oitava; é uma das sete e caminha para a perdição". Os chifres

são os mesmos que os da quarta Besta de Daniel, acima

descritos.

Os quatro cavaleiros que aparecem à abertura

dos quatro primeiros Selos foram bem explicados por Mede.

Entretanto preferimos fazer o terceiro cavaleiro continuar até

o reinado dos três Gordianos e de Felipe, o Árabe, que eram

Reis do Sul, e começar o quarto com o reinado de Decius,

continuando-o até o de Deocleciano. Pois (6:8) "apareceu um

cavalo amarelo; e o que estava montado sobre ele tinha por

nome Morte, e seguia-o o inferno, e foi-lhe dado poder sobre

as quatro partes da terra, para matar à espada, à fome, e com

a morte natural e por meio das feras da terra", ou exércitos de

invasores e rebeldes. E tais eram os tempos durante todo esse

intervalo.

Até aqui o Império Romano, mantém-se indiviso

e sob a forma monárquica, exceto em relação às rebeliões

internas. E, como tal, é representado pelos quatro cavaleiros.

252

Mas Deocleciano o dividiu, no ano de 285, para si e para

Maximiano. E ele continuou assim dividido até a vitória de

Constantino o Grande sobre Licínio, no ano 323, quando foi

posto um fim às perseguições pagãs aos Cristãos,

desencadeadas por Deocleciano e Maximiano e descritas na

abertura do quinto Selo.

Mas tal divisão do Império era imperfeita, de vez

que o Império inteiro ainda se achava sob um e mesmo

Senado. A própria vitória de Constantino o Grande sobre

Licínio, um perseguidor pagão, iniciou a derrubada do

Império pagão, descrita na abertura do sexto Selo. E as visões

deste Selo continuam até depois do reinado de Juliano, o

Apóstata, que era um Imperador pagão e reinava sobre todo o

Império Romano.

Os negócios da Igreja começam a ser

considerados à abertura do quinto Selo, como já foi dito. Aí

ela é representada por (12:1) "uma mulher vestida de sol" da

retidão, no Templo do céu e, conforme as cerimônias

judaicas, tendo "a lua debaixo de seus pés e uma coroa de

doze estrelas sobre a sua cabeça", símbolo dos doze

Apóstolos e das doze tribos de Israel. Quando (12:6) "a

mulher fugiu para o deserto", deixou no Templo (12:17)

"filhos seus que guardam os mandamentos de Deus, e retêm a

confissão de Jesus Cristo".

Assim, pois, antes da sua fuga, ela representava a

primitiva e verdadeira Igreja de Deus. Entretanto, após sua

fuga, degenerou, como Aholah e Aholibah. Na perseguição

de Deocleciano ela (12:2) "clamava com dores de parto, e

sofria tormentos para dar a luz". E no fim daquela

perseguição, pela vitória de Constantino sobre Maxêncio,

no ano 312 (12:3 e 4) ela "deu à luz um filho homem, que

253

havia de reger todas as gentes com vara de ferro", ou

seja, um Império Cristão. E (12:5) pela vitória de

Constantino sobre Licínio, no ano de 323 "seu filho”, isto é,

os Bispos, “foi arrebatado para Deus e para o seu trono". "E"

(12:6) pela divisão do Império Romano em Império Grego e

Império Romano, a mulher fugiu para o deserto" ou o

espiritualmente estéril Império Latino, onde posteriormente a

encontramos, sentada sobre a Besta e sobre os Sete Montes, e

é chamada "a grande cidade que reina sobre os reis da terra",

isto é, sobre os dez Reis que dão seus reinos àquela Besta.

Mas antes que ela fugisse, houve luta no céu

(12:7-17) entre Miguel e o dragão, isto é, entre o

Cristianismo e as religiões pagãs; e "aquele grande dragão,

aquela antiga serpente, que se chama o demônio e Satanás,

que seduz todo o mundo", isto é, o paganismo, "foi

precipitado na terra, e foram precipitados com ele os seus

anjos", os sumo-sacerdotes pagãos. E João ouviu "uma

grande voz no céu que dizia: Agora foi estabelecida a

salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder de seu

Cristo; porque foi precipitado (do céu) o acusador de nossos

irmãos". "E eles venceram-no pelo (mérito do) sangue do

Cordeiro, e pela palavra de seu testemunho, e desprezaram as

suas vidas até morrer” (por Cristo, nas perseguições).

“Por isso, ó céus, alegrai-vos, e vós os que

habitais nele. Ai da terra e do mar", isto é, as gentes do

Império Grego e do Império Latino/ Romano, "porque o

demônio desceu até vós com grande ira, sabendo que lhe

resta pouco tempo" (para perder as almas). "E o dragão,

depois que se viu precipitado na terra", isto é, do trono

Romano, para o qual foi tomado o menino, "perseguiu a

mulher que tinha dado à luz o filho homem; mas" pela

254

divisão do Império Romano entre as cidades de Roma e

Constantinopla, no ano de 330, "foram dadas à mulher duas

asas duma grande águia", símbolo do Império Romano, "a

fim de voar" do primeiro Templo "no deserto" da Arábia, "ao

lugar do retiro", naquela que é místicamente chamada

Babilônia. "E", pela divisão daquele Império entre os filhos

de Constantino o Grande, no ano de 337, "a serpente lançou

de sua boca, atrás da mulher, água (das perseguições) como

um rio", isto é, o Império do Ocidente, "para fazer que ela

fosse arrebatada pela corrente. Porém a terra", isto é, o

Império Grego, "ajudou a mulher, e a terra abriu a sua boca e

engoliu o rio que o dragão tinha vomitado da sua boca" pela

vitória de Constantino sobre Maxêncio, no ano de 353.

Assim, “a Besta foi mortalmente ferida por espada”.

"E o dragão irou-se contra a mulher", no reinado

de Juliano, o Apóstata, no ano de 361, passou ao Império do

Oriente, e foi fazer guerra aos outros seus filhos", que havia

deixado atrás de si quando fugiu. Foi assim que “reviveu a

Besta”.

Pela divisão seguinte do Império, no ano de 379,

entre Graciano e Teodósio, (13:1 e 11), levantou-se, do mar e

da terra, duas Bestas: "do mar uma Besta, que tinha sete

cabeças e dez chifres" e "subia da terra outra Besta que tinha

dois chifres semelhantes aos de um cordeiro".

E, pela última divisão, no ano de 395, entre os

filhos de Teodósio, (13:2) "o dragão deu-lhe sua força, e seu

trono e grande autoridade"

E os dez chifres receberam poder como se

fossem reis, ao mesmo tempo que a Besta. (13:1 e 17:12)

Por fim a mulher chega ao lugar de seu

predomínio, assim temporal como espiritual, montada na

255

Besta; e aí (12:14) "é sustentada por um tempo e por tempos,

e por metade de um tempo, fora da presença da serpente". Ela

é alimentada pelos mercadores da terra, durante três tempos e

meio, ou três anos e meio, ou 42 meses, ou 1260 dias. E nesta

Profecia os dias representam anos.

Durante todo esse tempo, a Besta agia sentada

sobre ele, isto é, reinou sobre ele e sobre os dez Reis que lhe

deram seu poder e sua força, ou ainda, por outras palavras,

que deram os seus Reinos à Besta. E estava "embriagada do

sangue dos santos" (17:6).

Por todas estas coisas, ela (Mulher, ou Besta)

corresponde ao décimo primeiro chifre da quarta Besta de

Daniel, (cf. Daniel 7:20) que reinou com "uma boca que

falava com insolência e cujo olhar era mais intrépido (*ou

astuto) que o de seus companheiros", era de uma espécie

diferente dos demais e tinha olhos e boca como uma mulher,

e (Apoc. 13:7) "foi-lhe permitido fazer guerra aos santos e

vencê-los" e (Dan. 7:25) "atropelará os santos do Altíssimo e

imaginará que pode mudar os tempos e as leis; e os santos

serão entregues em suas mãos até um (ano ou) tempo, e dois

(anos ou) tempos, e metade de um (ano ou) tempo".

Essas características da mulher e o pequeno

chifre da Besta concordam perfeitamente. No que respeita a

seu domínio temporal, ela foi um chifre da Besta; quanto à

sua dominação espiritual, montou sobre a Besta como uma

mulher embriagada, foi a “sua igreja” e cometeu

abominações com os dez Reis.

A segunda Besta (13:11) "que subia da terra" era

a igreja do Império Grego, pois "que tinha dois chifres

semelhantes aos de um cordeiro", sendo assim a sua igreja

(devido a alusão ao cordeiro); mas "falava como o dragão",

256

isto é, era de sua religião. E como ela "subia da terra",

pertencia ao reino por esta representado. Também era

chamada o falso profeta, que operava "os prodígios que se

lhes permitiram fazer diante da Besta" (13:14), pelo que

enganava àqueles que recebiam o seu sinal e adoravam a sua

imagem. Quando o dragão deixou a mulher para (12:17)

"fazer guerra aos outros seus filhos que guardam os

mandamentos de Deus", essa Besta, que se erguia da terra,

auxiliou nessa guerra, e (13:14) "seduziu os habitantes da

terra com os prodígios que se lhe permitiram fazer diante da

Besta, dizendo aos habitantes da terra que fizessem uma

imagem da Besta que tinha recebido um duro golpe de

espada" (13:3) "mas cuja mortal ferida foi curada". Ora, do

ponto de vista da religião, fazer uma imagem da Besta

significa reunir um corpo de homens como a própria Besta.

Tinha ela também o poder de (13:15) "dar

espírito à imagem da Besta", de modo que falasse a imagem

da Besta, e fazer que fossem mortos todos aqueles que não

adorassem a imagem da Besta". Naturalmente, a referência é

à morte mística. "E (13:16) fará que todos" "tenham um sinal

na sua mão direita, ou nas suas frontes; e que (13:17)

ninguém possa comprar ou vender, exceto aquele que tiver o

sinal, ou o nome da Besta, ou o número de seu nome". Os

restantes seriam excomungados pela Besta de dois chifres.

Esta marca são as três cruzes ; e o seu

nome

e o número de seu nome, 666.

Assim, depois de mortalmente ferida por espada,

a Besta continuou com vida, foi divinizada, como os pagãos

costumavam divinizar os seus Reis depois de mortos, e uma

imagem lhe foi erigida. Seus adoradores foram iniciados

257

nessa nova religião, recebendo os sinais ou o nome desse

‘novo deus’, ou o ‘número de seu nome’. Pela morte de

todos aqueles que o não adorassem, adorando a sua

Imagem, foi destruído o primeiro Templo, iluminado

pelas lâmpadas das Sete Igrejas (Cristãs primitivas). Um

novo Templo foi construído para aqueles que o não adoram.

E o átrio externo desse novo Templo, isto é, a forma exterior

de uma igreja, é dada aos Gentios, que adorem a Besta e a sua

imagem.

Quanto aos que o não adoram, estes serão

marcados na fronte com o nome de Deus e retirados para o

átrio interno do novo Templo. São eles os 144.000 marcados

de entre as doze tribos de Israel e chamados as duas

Testemunhas, porque procedentes das duas asas da mulher,

quando esta fugiu para o deserto e representados ainda por

dois dos sete candeeiros. Estes aparecem à João no átrio

interno do segundo Templo, de pé no Monte Sião, com o

Cordeiro, como se constituíssem um mar de vidro. Estes são

os Santos do Altíssimo, as hostes do céu e o povo santo, de

que fala Daniel, como expulsos, calcados aos pés e destruídos

nos últimos tempos pelo pequeno chifre de sua quarta Besta,

e pelo Bode.

Quando os Gentios calcam aos pés a cidade

santa, Deus dá às suas duas Testemunhas o seu poder e elas

profetizam mil e duzentos e sessenta dias em vestes de linho.

Elas são chamadas as duas oliveiras, numa alusão às duas

oliveiras da visão de Zacarias e que (cf. Zacarias cap. 4)

ficavam lado a lado do candeeiro de ouro para fornecer óleo

às lâmpadas. E ainda, de acordo com o Paulo, no capítulo 11

do livro aos Romanos, as duas Oliveiras representam Igrejas.

E elas fornecem óleo às lâmpadas, pela manutenção de

258

professores. São também chamadas os dois candeeiros o que,

na Profecia, também significa Igrejas, isto é, as Sete Igrejas

da Ásia, representadas pelos sete candeeiros.

Cinco dessas Igrejas são considerada 'em erro' e

proféticamente ameaçadas, caso não se arrependam. As

outras duas são achadas sem falta alguma, pelo que os seus

candeeiros deveriam ser colocados no segundo Templo.

Eram elas as Igrejas de Smirna e de Filadélfia. Encontravamse

em tribulação e perseguidas, sendo das sete as únicas em

tal situação. Assim sendo, seus candeeiros eram os únicos

capazes de representar as Igrejas em aflição, nos tempos do

segundo Templo e, dentre as sete, eram as únicas que se

mantinham em ordem.

As duas testemunhas não são as novas Igrejas:

são a posteridade da Igreja primitiva, a posteridade das duas

asas da mulher e, assim, estão adequadamente representadas

pelos dois primitivos candeeiros.

Podemos então admitir que quando o primeiro

Templo foi destruído e construído um novo para aqueles

que adoram no Átrio interior, dois dos sete candeeiros

foram colocados nesse novo Templo.

Como já vimos, os negócios da igreja não são

considerados durante a abertura dos quatro primeiro Selos. Só

começam a ser considerados quando da abertura do quinto

Selo. São, mais tarde, revistos, à abertura do sexto Selo. E o

sétimo encerra os tempos da grande Apostasia. É por isso que

referimos as Cartas às Sete Igrejas aos tempos do quinto e do

sexto Selos, pois os mesmos se referem à Igreja quando esta

começou a declinar e encerram admoestações contra a grande

Apostasia que então se aproximava.

Quando em sua “Historia Ecclesiastica”, chega

259

Eusébio ao reinado de Deocleciano, assim ele descreve o

estado das Igrejas:

"Por certo, não podemos explicar, como merece,

qual e quanta glória foi conseguida, além da liberdade, com a

doutrina da verdadeira piedade para com o Supremo Deus,

pela primeira vez anunciada aos homens pelo Cristo, não só a

todos os Gregos como aos Bárbaros, antes que fosse iniciada

a perseguição”.

“A bondade dos Imperadores para conosco disto

pode ser uma indicação, pois também nos confiavam o

governo das províncias e, por uma singular benevolência para

com a nossa religião, libertavam-nos do medo de sacrificar".

E, pouco adiante, escreve ele:

"Na verdade, quem? poderá descrever

perfeitamente a incontável multidão daqueles que

diariamente se abrigam na fé em Cristo? E o número de

igrejas em toda parte? E a afluência de gente ilustre nos

templos sagrados?”

“Por isso aconteceu que, já não satisfeitos com

os antigos edifícios, por todas as cidades foram, desde os seus

alicerces, contruídos templos espaçosos. E aumentando estes

com o decorrer do tempo e se tornando cada dia maiores e

melhores, jamais o ódio os pôde abater, nem os enfeitiçar a

maldade do demônio, nem a insídia dos homens lhes criar

obstáculos, enquanto a mão de Deus Onipotente protegeu e

custodiou o seu povo, por ter ele merecido tal proteção. Mas,

por demasiada liberdade, tendo caído na negligência e na

indiferença, começando a ofender-se e a invejar-se

recíprocamente com palavras, à maneira de armas, chocandose

antístites contra antístites, povo contra povo, deram-se

tumultos; enfim a fraude e a simulação chegaram ao cúmulo

260

da luta. Então, estando a Igreja em seu estado íntegro, e

continuando livremente as reuniões da multidão dos fiéis,

pouco a pouco a divina vingança, com braço ligeiro, como de

costume, começou a nos repreender, vindo primeiro a

perseguição no ambiente militar. Como, porém, destituídos

de bom senso, não cogitássemos sequer de aplacar a

Divindade, mas, ao contrário, à maneira de certos ímpios,

julgando que as coisas humanas não fossem dirigidas por

nenhuma Providência, diáriamente acrescentávamos crimes

sobre crimes. Desprezadas as regras da religião, os nossos

Pastores sustentavam mútuas contendas, com isso procurando

apenas aumentar as ofensas, as ameaças, as emulações, os

ódios, as inimizades recíprocas, reivindicando para si, com

muitíssimo gosto, uma primasia, ou antes, a tirania. Cumprese

então a palavra de Jeremias, quando diz que Deus, na sua

ira, obscureceu a sua filha Sião e lançou do céu a glória de

Israel, naturalmente pela destruição da Igreja".

Era este, bem descrito, o estado da Igreja, justo

antes da subversão das Igrejas, no princípio da perseguição

de Deocleciano. E este estado da Igreja concorda com a

primeira das Sete Cartas ao Anjo das Sete Igrejas, isto é, a

profética Igreja de Éfeso. Diz o Cristo ao Anjo daquela

Igreja: "Mas tenho contra ti que deixaste o teu primeiro

amor. Lembra-te pois (do estado) de onde caíste, e arrependete,

e volta às tuas primeiras obras; do contrário, venho a ti, e

removerei o teu candeeiro do seu lugar, se não se

arrependeres. Isto, porém, tens (de bom): que aborreces as

ações do Nicolaítas, que eu também aborreço" (Apoc. 2:4 em

diante).

Os Nicolaítas são os ‘Continentes’, já descritos

sob o título de Encratitas, que tomaram como religião a

261

abstinência do casamento, abandonando as esposas, quando

as tinham. São aqui chamados Nicolaítas, do nome de

Nicolau, um dos sete diáconos da primitiva Igreja de

Jerusalém. Conta a história que ele tinha uma linda esposa.

Sendo, porém, por ela dominado, abandonou-a, permitindo

em seguida que ela se casasse com quem bem entendesse, no

pressuposto que nos devemos desabituar da carne para

melhor viver a vida cristã. Assim, tanto ele como seus filhos

viveram em continência.

Depois, os Continentes abraçaram a doutrina de

Aenos e dos Espíritos, masculinos e femininos, e por isso

foram perseguidos pelas primitivas Igrejas até o quarto

século. E a Igreja de Éfeso é aqui aprovada porque odiava

tais práticas.

As perseguições de Deocleciano começaram no

ano de 302 e duraram, no Império do Oriente, dez anos, e no

Império do Ocidente, outros dois anos. Com este estado da

Igreja concorda a Segunda Carta, dirigida à Igreja de Smirna.

Diz o Cristo sobre ela: "Conheço a tua tribulação e a tua

pobreza, mas és rico (em graça e santidade), e és caluniado

por aqueles que se dizem Judeus, e não o são, antes são uma

sinagoga de Satanás. Não temas nada do que terás de sofrer.

Eis que o demônio fará meter na prisão alguns de vós, a fim

de serdes provados; e tereis tribulação durante dez dias. Sê

fiel até a morte, e eu te darei a coroa da vida" (Apoc. 2: 9,10).

A tribulação durante dez dias (ou anos) não

concorda com nenhuma outra perseguição além da de

Deocleciano, de vez que é esta a única que teve uma

duração de dez anos.

Pela blasfêmia daqueles "que se dizem Judeus, e

não o são, antes são uma sinagoga de Satanás",

262

compreendemos a Idolatria dos Nicolaítas, que falsamente se

diziam Cristãos.

Lamenta a Terceira Carta que os Nicolaítas

sejam (cf. Apoc. 2:14) "sequazes da doutrina de Balaão, o

qual ensinava Balac a pôr tropeços diante dos filhos de Israel,

para que comessem as coisas sacrificadas aos ídolos e

cometessem abominações". Pois os Moabitas e os Midianitas,

instruídos por Balaão (cf. Núm. 25:1, 2, 18; 31:16) tentaram e

convidaram a Israel, por intermédio de suas mulheres, para a

prática de abominações, e para participarem com eles dos

sacrifícios aos seus Deuses. Assim, pois, o dragão começou

a se manifestar entre os habitantes da terra e do mar.

Na Quarta Carta, há ainda um lamento aos

Nicolaítas, apresentados, desta vez, sob a figura de uma

mulher, Jezabel "que se diz profetiza", pelo fato de ela

"ensinar e seduzir os meus servos, para fornicarem e

comerem das coisas sacrificadas aos ídolos". (Apoc. 2:20). É

então que a mulher começa a voar para o deserto.

O reinado de Constantino o Grande, desde sua

vitória sobre Licínio, foi monárquico sobre todo o Império

Romano. Depois é que começou a ser este reino dividido

entre os filhos de Constantino e, mais tarde, unificado sob o

poder de Constantius, em conseqüência de sua vitória sobre

Magnentius.

Parece que a Terceira, Quarta e Quinta Cartas,

dirigidas respectivamente aos Anjos das Igrejas de Pérgamo,

de Tiatira e de Sardes, se referem aos negócios da Igreja

durante aqueles três sucessivos períodos.

Na Sexta Carta, ao Anjo da Igreja de Filadélfia,

diz o Cristo: "Porque guardaste a palavra da minha paciência"

(no reinado do Imperador pagão Juliano), "também eu te

263

guardarei da hora da tentação, que virá sobre todo o

mundo" (pela fuga da mulher para o deserto, pela guerra

do dragão aos restantes de seus filhos e pela matança de

todos aqueles que não adorarem a Imagem da Besta),

"para provar os habitantes da terra", e para os distinguir,

marcando a uns, na testa, com o nome de Deus e a outros

com o nome da Besta. "Ao que vencer, fá-lo-ei uma coluna

no templo do meu Deus, e não sairá jamais fora; e escreverei

sobre ele o nome do meu Deus". (Apoc. 3:10- 12).

Assim, os Cristãos da Igreja de Filadélfia, tantos

quantos forem os vencedores, serão marcados com o selo de

Deus e colocados no segundo Templo, de onde não mais

sairão.

Outro tanto se deve entender da Igreja de

Smirna, que também guardou a palavra da paciência de Deus

e foi achada sem qualquer falta. Estas duas Igrejas, com sua

posteridade, são, pois, as duas Colunas e os dois Candeeiros

ou as duas Testemunhas do Segundo Templo.

Depois do reinado do Imperador Juliano, e de

seu sucessor Joviano, que reinou apenas cinco meses, o

Império foi novamente dividido entre Valentiniano e Valente.

Então, na Carta ao Anjo da Igreja de

Laodicéia, a Igreja Católica é representada como morna e é

ameaçada de ser vomitada da boca do Cristo. "Porque dizes:

Sou rico e cheio de bens, e de nada tenho falta" pois está em

prosperidade exterior; "mas não sabes que” espiritual e

interiormente “és um infeliz, e miserável, e pobre, e cego, e

nu, pelo que vomitar-te-ei da minha boca" (Apoc. 3:16,17),

da boca do Cristo, quando da abertura do sétimo Selo. Assim,

é posto um fim aos tempos do primeiro Templo.

Cerca de metade da população do Império

264

Romano tornou-se cristã durante o reinado de Constantino o

Grande e de seus filhos. Depois que Juliano abriu os

Templos e restaurou o culto pagão, os Imperadores

Valentiniano e Valente o toleraram durante todo seu reinado.

Assim, a profecia do sexto Selo não se realizou

completamente antes do reinado de seu sucessor, Graciano.

Era costume dos sacerdotes pagãos oferecer ao

Soberano, no começo de seu reinado, a dignidade e o hábito

de Pontífex Maximus. Até então, todos os Imperadores a

tinham aceitado. Graciano, entretanto, não só a rejeitou,

como ainda derrubou os ídolos, interditou os sacrifícios e

aboliu seus proventos, com os salários e com a autoridade dos

Sacerdotes. Teodósio o Grande seguiu-lhe o exemplo. Daí

em diante, o Paganismo não só não se recobrou, mas

decresceu tão rapidamente que, cerca de dez anos depois da

morte de Teodósio, Prudentius rotulou aos pagãos como

"uma parte raríssima de homens e apenas umas poucas

inteligências".

Assim sendo, os negócios referidos ao sexto Selo

terminaram com o reinado de Valente, ou antes, no começo

do reinado de Teodósio, quando este, como seu predecessor

Graciano, rejeitou a dignidade de Pontífex Maximus.

Por isso, os Romanos foram muito mais

infestados por invasões de estrangeiros nos reinados de

Valentiniano e de Valente. Diz Ammianus: "Naquele tempo,

em todo o mundo romano, reboavam as trompas guerreiras de

povos de grande crueldade, e exercitados na guerra, que

atravessavam suas fronteiras: simultâneamente, os Germanos

invadiam a Gália e a Rhaetia; os Sármatas e os Quades, a

Panônia; os Pictos, os Saxões e os Escoceses atormentavam a

Bretanha com angústias freqüentes; os Austorianos, os

265

Mouros e outros povos faziam incursões na África, mais

atrozes do que de costume; grupos de salteadores Godos

destruíam a Trácia, e o rei da Pérsia punha a mão sobre a

Armênia".

E, enquanto os Imperadores se viam ocupados

em repelir estes inimigos, os Hunos, os Alanos, e os Godos,

vieram sobre o Danúbio em dois corpos, venceram e mataram

Valente e fizeram tão grande chacina no exército romano, que

assim se expressa Ammianus: "Os Anais não registram

nenhuma outra derrota das proporções da de Canes".

Estas guerras por todos os lados não tiveram fim

senão no começo do reinado de Teodósio, entre os anos de

379 e 380. Daí por diante, o Império ficou sossegado e livre

dos exércitos inimigos, até a morte de Teodósio no ano de

395.

Tanto tempo ficaram assim detidos os quatro

ventos: e por tanto tempo houve silêncio no céu. E o

sétimo Selo foi aberto ao começar aquele silêncio.

Mede [ citado pela segunda vez neste livro, e

provavelmente um dos escritores a quem Isaac Newton teve

por bibliografia, para realizar este livro ] não explicou muito

erradamente a Profecia das seis primeiras trombetas.

Entretanto, se tivesse observado que o derrame dos cálices da

ira está sincronizado com o soar das trombetas, sua

explicação teria sido ainda mais completa.

A denominação de ‘Aflições’ é dada às guerras

marcadas pelo toque das três últimas trombetas, para as

distinguir das guerras referidas ao toque das quatro primeiras.

Os sacrifícios nos quatro primeiros dias da Festa dos

Tabernáculos, nos quais tocam as quatro primeiras trombetas

e os quatro primeiros derrames dos cálices da ira, são os

266

morticínios em quatro grandes guerras; e estas guerras são

representadas por quatro ventos dos quatro quadrantes da

terra. O primeiro era um vento do Leste; o segundo, do Oeste;

o terceiro, do Sul; e o quarto, um vento do Norte. E tudo em

relação à cidade de Roma, metrópole do Império Romano.

Estas quatro pragas caíram sobre a terça parte da terra, do

mar, dos rios, do Sol, da Lua e das estrelas, isto é, sobre a

terra, o mar, os rios, o sol, a lua e as estrelas de terça parte do

cenário destas Profecias de Daniel e de João.

A praga do vento do Leste (Apoc. 8:7 e

seguintes), ao toque da primeira trombeta, foi a queda sobre a

terra, isto é, sobre as nações do Império Grego. Assim, então,

depois da morte de Teodósio o Grande, os Godos, Sármatas,

Hunos, Isaurianos e Mouros Austorianos invadiram e fizeram

tremenda devastação na Grécia, Trácia, Ásia Menor,

Armênia, Síria, Egito, Líbia e Ilíria, num período redondo

de dez ou doze anos.

A praga do vento do Oeste, ao toque da segunda

trombeta, foi a queda sobre o mar, ou Império do Ocidente,

de um "como que grande monte ardendo em fogo; e

converteu-se em sangue a terça parte do mar". Assim, no ano

de 407, o Império (latino/ romano) começou a ser invadido

pelos Visigodos, Vândalos, Alanos, Suevos, Burgúndios,

Ostrogodos, Hérulos, Quades e Gépidas. E por estas guerras,

fracionou-se em dez reinos e foi terrívelmente devastado. E a

própria Roma, consistindo no monte ardendo em fogo desta

Profecia, foi sitiada e tomada pelos Ostrogodos, no início

desses flagelos.

Com a praga do vento do Sul, ao toque da

terceira trombeta (Apoc. 8:10) "caiu do céu uma grande

estrela, a arder como um facho, e caiu sobre a terça parte dos

267

rios e sobre as fontes das águas, isto é, o Império do

Ocidente, então dividido em muitos reinos, transformando-as

em absinto e sangue e tornando-as amargosas.

É assim que Genserico, rei dos Vândalos e dos

Alanos na Espanha, no ano de 427 passou à África com um

exército de oitenta mil homens; invadiu os Mouros e

guerreou os Romanos, tanto aí como nas praias da Europa,

durante cerca de cinqüenta anos ininterruptamente; tomou

Hippo em 431, e Cartago, a capital da África, em 439. Em

455, com uma frota numerosa e um exército de trezentos mil

Vândalos e Mouros, invadiu a Itália, tomou e saqueou Roma,

Nápoles e Cápua, além de muitas outras cidades, carregando

para a África, com as suas riquezas, a flor de sua gente. E no

ano seguinte, em 456, libertou a África do Império,

expulsando completamente os Romanos de lá. Então, os

Vândalos invadiram e conquistaram as Ilhas do

Mediterrâneo, a saber, a Sicília, a Sardenha, a Córsega, a

Iviça, a Maiorca, a Minorca, etc. E Ricimer sitiou o

Imperador Anthemius em Roma, tomou a cidade e permitiu

que os soldados a saqueassem, no ano de 472.

Por essa época, os Visigodos expulsaram os

Romanos da Espanha. Então, o Imperador do Ocidente, a

grande estrela cai, do céu, a arder como um facho: tendo

perdido, gradativamente, em tais guerras, quase todos os seus

domínios, foi invadido e conquistado em um ano por

Odoacro, rei dos Hérulos, em 476. No ano seguinte, os

Mouros se revoltaram, enfraqueceram os Vândalos por várias

guerras e lhes tomaram a Mauritânia.

Estas guerras continuaram até que os Vândalos

foram conquistados por Belisário, no ano de 534, com o que,

devido a tantas guerras, a África ficou quase despovoada,

268

conforme nos registra Procópio, o qual avaliou em mais de

cinco milhões o número de homens que nelas pereceram.

Quando os Vândalos, pela primeira vez,

invadiram a África, essa região era muito populosa. Contava

cerca de setecentos Bispados, ou seja, mais que a França, a

Espanha e a Itália reunidas. Mas essas guerras entre

Vândalos, Romanos e Mouros de tal forma despovoaram a

África que, segundo Procópio, era quase por milagre que o

viajante aí encontrasse um homem.

Ao derrame do terceiro cálice diz-se: "Justo és,

Senhor, que és e que eras, tu O Santo que isto julgaste;

porque eles derramaram o sangue dos santos e dos profetas,

lhes deste também a beber sangue, porque assim o merecem".

(Apoc. 16: 5,6).

De como derramaram o sangue dos Santos,

pode ser compreendido pelo seguinte Édito do Imperador

Honório, conseguido por quatro Bispos que lhe foram

mandados em comissão, por um Concílio de Bispos

Africanos, reunidos em Cartago a 14 de Junho do ano de 410,

que diz:

"Os Imperadores Honório e Theodoro Augustos,

a Heracliano, 'Comitis' da África. Tendo sido completamente

afastado o oráculo, porque a pouco e pouco insinuaram-se

nos seus ritos superstições heréticas, saibam todos os

inimigos da sagrada lei que devem ser castigados com as

penas de proscrição e de sangue, caso tenham a temeridade

de praticar esse crime em público. Dado aos 8 de Setembro

de 410, sendo Cônsul Varano V. C."

Este Édito foi reforçado, cinco anos mais tarde,

por este outro:

"Os Imperadores Honório e Theodoro Augustos,

269

a Heracliano, 'Comitis' da África. Saibam todos os que se

fizeram inimigos da lei sagrada, por se aproximarem dos ritos

com superstições heréticas, que serão castigados com as

penas de proscrição e de sangue, se ainda tiverem a

temeridade de praticar o seu crime em público, e isto para

que a verdadeira e divina reverência não seja contagiada pelo

mau exemplo. Dado a 8 de Setembro do ano de 415 por

Honório X e Teodoro VI Augustos".

Sendo estes Éditos dirigidos ao governador da

África, extendiam-se apenas aos Africanos. Antes destes

houve muitos outros, e bem severos, contra os Donatistas,

mas não chegavam ao derrame de sangue. Estes dois foram

os primeiros que tornaram capital a sua reunião e a reunião de

todos os dissidentes. Porque em tais Éditos a expressão

Heréticos abrange todos os dissidentes, como se torna

manifesto no seguinte, contra Euresius, um Bispo Luciferano:

"Os Imperadores Arcádio e Honório Augustos, a

Aureliano, Pro-Cônsul da África. São definidos como

heréticos e devem ser destruídos com amplas sanções

aqueles que foram apontados como se afastando do juízo

e do caminho da religião católica por uma argumentação

leviana; e por isso aprende por tua própria experiência que

Eurésio foi herético. Dado aos 3 de Setembro do ano de

395, em Constantinopla, sendo Cônsules Olybrio e Probino".

O Imperador Grego Zeno adotou como filho a

Teoderico, Rei dos Ostrogodos, fê-lo estribeiro-mor, Patrício

e Cônsul de Constantinopla. E, recomendando-lhe o Senado e

Povo Romano, deu-lhe o Império do Ocidente. Mandando-o à

Itália, conquistou Odoacro e reinou sobre a Itália, Sicília,

Rhoetia, Nórica, Dalmácia, Libúrnia, Ístria e parte da Suévia,

Panónia e Gália.

270

Por isso é que Ennodius, num panegírico a

Teoderico, diz: "O Império Romano voltou à seus limites".

Teoderico reinou com grande prudência, moderação e

felicidade; tratou os Romanos com singular benevolência,

governou-os com suas próprias leis e restaurou seus governos

através do Senado e dos Cônsules, enquanto ele próprio

ocupava o lugar de Imperador sem, entretanto, assumir o

título. Tanto que diz Procópio sobre ele: "Assim guiou os

seus súditos de tal forma que nada lhe faltou do que é honra

devida a um verdadeiro Imperador; prestou um grande culto à

justiça e foi um diligente defensor das leis: manteve as terras

intactas pelos vizinhos bárbaros, etc.".

É por tudo isto que não incluo o reinado desse

Soberano entre as pragas dos quatro ventos.

Com a praga do vento do Norte, o Rei, o reino e

os Príncipes do Império do Ocidente, são representados pela

"terça parte do Sol, e a terça parte da Lua e a terça parte das

estrelas" (Apoc. 8:12) que "se obscureceu; e não resplandecia

a terça parte do dia, e igulamente da noite".

É assim que Belisário, havendo conquistado os

Vândalos, invadiu a Itália em 535 e guerreou os Ostrogodos

na Dalmácia, Libúrnia, Venetia, Lombardia, Toscana e outras

regiões ao Norte de Roma, dentro de um período de vinte

anos. Nesta guerra muitas cidades foram tomadas aos

Romanos; os Ostrogodos assassinaram todos os homens

jovens e velhos num total de trezentos mil, conforme os

cálculos de Procópio, e remeteram as mulheres como

escravas aos seus aliados Burgúndios. A própria Roma foi

tomada e retomada várias vezes, com o que o povo se

rarefez. Cessou o velho governo pelo Senado; os nobres

ficaram arruinados e toda a glória da cidade foi extinta. No

271

ano de 552, após uma guerra de dezessete anos, caiu o reino

dos Ostrogodos. Ainda assim o seu remanescente e um

exército de Germanos, chamados em seu auxílio,

continuaram a guerra por mais três ou quatro anos.

Seguiu-se então a guerra dos Hérulos que, no

dizer de Anastasius, “devastavam toda a Itália”. Esta guerra

foi seguida pela dos Lombardos, os mais ferozes de todos os

Bárbaros. Começou no ano de 568 e durou, ao todo, trinta e

oito anos. Diz Anastasius: "Foi feita tal ruína como há um

século ninguém se recordava"; terminou no Papado de

Sabiniano, no ano de 605, pela paz feita então com os

Lombardos. Três anos antes de terminar esta guerra, assim

falava Gregório o Grande, então Bispo de Roma:

"Realmente não temos palavras para exprimir como há trinta

e cinco anos somos oprimidos por quotidianos ferimentos e

por grandes invasões dos Lombardos". E em um de seus

sermões ao povo, assim exprime o grande extermínio dos

Romanos em tais guerras: "Observai como daquele povo

inumerável que éreis, a quantos ficastes reduzidos; e, todavia,

diáriamente as ruínas urgem, acontecimentos imprevistos nos

orpimem e novas coisas e inesperadas desgraças nos

afligem". E em outro sermão, assim ele descreve as

desolações:

"As cidades foram destruídas, os acampamentos

abatidos, os campos despovoados, a terra reduzida à solidão.

Nenhum agricultor permaneceu no campo, quase nenhum

habitante nas cidades. Entretanto, esses pequenos restos do

gênero humano diária e contínuamente são feridos e não

chegam a um termo os castigos da justiça celeste. Pelo

contrário, a própria Roma, que outrora parecia ser a

senhora do mundo, nós vimos como ficou, magoada de

272

várias maneiras por dores inumeráveis, pela desolação

dos cidadãos, pelos ataques dos inimigos, pela freqüência

das ruínas. Eis que já a (Roma) esqueceram todos os

potentados deste século. Eis que os povos a abandonaram.

De fato, onde se acha o Senado? Onde está o povo?

Apodreceram seus ossos e suas carnes estão consumidas.

Realmente, extinguiram as dignidades seculares de toda

ordem; e nós próprios, os poucos que sobrevivemos,

diáriamente estamos orpimidos pela espada e pelas

inúmeras tribulações. Mas por que dizemos estas coisas em

relação aos homens? Vemos as ruínas crescerem, na medida

que os edifícios são destruídos. Depois que faltam os

homens, também caem as paredes. Roma já arde, vazia.

Ei-la já desolada, entristecida, inconsolável e oprimida

pelos gemidos, etc."

Tudo isto foi dito por Gregório ao povo de

Roma, que foi testemunha de tais verdades. Foi assim que,

pelas pragas dos quatro ventos, foi sacudido o Império

dos Gregos e foi derrubado o Império dos Latinos. E Roma

ficou reduzida a simples capital de um pobre ducado,

subordinado a Ravena, séde do Exarcado.

A quinta trombeta deu o sinal de guerras feitas

pelo Rei do Sul, segundo a expressão de Daniel, nos tempos

do fim, fazendo pressão sobre aquele Rei que fazia o que

queria. Esta praga começou quando da abertura "do poço

do abismo", o que denota o abandono de uma religião

falsa, pois (cf. Apoc. 9:2) "subiu uma fumaça do poço, como

fumaça de uma grande fornalha", o que significa a multidão

que havia abraçado aquela religião; "e da fumaça do poço

saíram gafanhotos para a terra" (Apoc. 9:3), os quais

representam os exércitos saídos daquela multidão. Aquele

273

poço foi aberto para dar saída à fumaça e aos gafanhotos para

a região das quatro monarquias, ou para a de algumas delas ...

O Rei desses gafanhotos era o anjo do poço do abismo, sendo

ao mesmo tempo o governador supremo, quer para os

negócios civis, quer para os religiosos, tal qual o Califa dos

Saracenos. Nuvens de gafanhotos por vezes se levantam na

Arábia Faelix, de onde passam a infestar as nações vizinhas.

São assim, muito a propósito, uma representação dos

exércitos Árabes invadindo os Romanos.

Eles começaram essas invasões no ano de

634, e a reinar em Damasco em 637. Construíram Bagdá

no ano de 766 e reinaram sobre a Pérsia, Síria, Arábia, Egito,

África e Espanha. Depois perderam a África para Mahades

no ano de 910; a Média, a Hircânia, Corasan e toda a Pérsia

para os Dailamitas, entre os anos de 927 e 935; a

Mesopotâmia e Miafarekin para Nasiruddaulas no ano de

930; a Síria e o Egito para Achsjid, em 935. Então, sob

imensa tristeza, o Califa de Bagdá entregou no ano de 936

todo o resto de seu domínio temporal a Maomé, filho de

Rajici, Rei de Wasit, na Caldéia e fê-lo Imperador dos

Imperadores.

Mas, dentro de dois anos, Maomé perdeu

Bagdá para os Turcos. Daí por diante, Bagdá ora está em

mãos dos Turcos, ora em mãos dos Saracenos, até que

Togrul-Beig, também chamado Togra, Dogrissa, Tangrolipix

ou Sadoc, conquistou enfim Corasan e a Pérsia, e no ano de

1055 anexou Bagdá ao seu Império, tornando-a sua capital.

Seus sucessores, Olub-Arslan e Melechschah conquistaram as

regiões do Eufrates. E estas conquistas, depois da morte de

Melechschah foram retalhadas entre os reinos da Armêina,

Mesopotâmia, Síria e Capadócia.

274

Durante todo o tempo em que os Califas

Saracenos reinaram com poder temporal em Damasco e

em Bagdá, contam-se trezentos anos, isto é, desde 637 até

936, inclusive.

Então, lemos que os gafanhotos vivem apenas

cinco meses. Mas, para o decôro do tipo, diz-se que esses

gafanhotos tinham poder "de fazer mal aos homens

durante cinco meses e cinco meses", como se tivessem

vivido cerca de cinco meses em Damasco e novamente cerca

de cinco meses em Bagdá, ou ao todo dez meses, o que

equivale a trezentos dias proféticos, que por sua vez

valem por trezentos anos.

A sexta trombeta soou o início das guerras que,

na Profecia de Daniel, o Rei do Norte fez ao

supramencionado Rei "que fazia o que queria". Nestas

guerras, o Rei do Norte, conforme a Profecia de Daniel,

conquistou o Império dos Gregos e, ainda, a Judéia, o Egito, a

Líbia e a Etiópia. Por estas conquistas estabeleceu-se o

Império dos Turcos, como é fácil de verificar.

Estas guerras começaram no ano de 1258,

quando os quatro reinos dos Turcos, estabelecidos no

Eufrates, a saber, o da Armênia Maior em Miyapharekin,

Megarkin ou Martirópolis; o da Mesopotâmia em Mosul; o de

toda a Síria em Aleppo e o da Capadócia, em Inconium,

foram invadidos pelos Tártaros, sob o comando de Hulacu e

compelidos para as partes ocidentais da Ásia Menor, onde

guerrearam os Gregos e começaram a erigir o Império Turco

de então.

Quando soou a sexta trombeta (cf. Apoc. 9:13-

15) João ouviu "uma voz que saía dos quatro cantos do Altar

de ouro, que está diante dos olhos de Deus, a qual dizia ao

275

sexto anjo, que tinha a trombeta: Solta os quatro Anjos que

estão atados no grande rio Eufrates. E foram desatados os

quatro Anjos que estavam preparados para a hora, e dia, e

mês, e ano, para matarem a terça parte dos homens".

Os quatro cantos do Altar de ouro representam a

situação das capitais dos referidos quatro reinos, isto é,

Miyapharekin, Mosul, Aleppo e Iconium, que formavam um

quadrilátero. Eles mataram a terça parte dos homens

quando conquistaram o Império Grego e tomaram

Constantinopla, no ano de 1453. E começaram a se preparar

para esse objetivo quando Olub-Arslan começou a conquista

das nações do Eufrates, em 1063. O intervalo é chamado

uma hora, e um dia, e um mês e um ano, o que equivalem

a 391 dias proféticos que valem por anos. Nos primeiros

trinta anos Olub-Arslan e Melechschah conquistaram as

nações sobre o Eufrates e reinaram sobre o todo.

Melechschah morreu em 1092 e foi sucedido por uma

criança. Então esse reino fragmentou-se nos quatro reinos

supra-mencionados.

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